Sim, sabemos do que falamos
Será que Maria Filomena Mónica se deu, mesmo, ao trabalho de olhar o conteúdo destes cursos?
Maria Filomena Mónica (MFM), em comentário às manifestações do dia 12 de Março, entendeu pôr em dúvida a seriedade dos cursos de Relações Internacionais (RI) em Portugal: "Os promotores da manifestação de ontem são todos licenciados em Relações Internacionais", diz MFM. "Isto habilita-os a quê? Alguém se deu ao trabalho de olhar o conteúdo destes cursos. Os docentes que os regem sabem do que falam? Duvido."
Agradecemos a MFM a oportunidade para esclarecer o papel que o estudo das RI pode ter na sociedade portuguesa e desmistificar algumas ideias de senso comum primário de que MFM se faz porta-voz. O seu artigo aponta três críticas ao estudo das RI em Portugal: a utilidade de uma formação nesta área, os conteúdos curriculares e a qualidade académica dos professores.
A primeira corresponde a um dos mitos sobre as RI e, de resto, sobre outras "ciências moles", como a Sociologia ou a Filosofia. Consiste em supor que estas não garantem nenhum tipo de formação específica para o desempenho de funções profissionais. Tal mito parte do pressuposto, errado, de que a formação superior deve ter uma correspondência directa no mundo profissional se não mesmo no mercado de trabalho. É certo que a universidade não é uma "torre de marfim", mas não é menos certo que a sua função principal é ensinar a pensar. Formar pensamento crítico, argumentação fundamentada, rigor analítico, formar para a cidadania democrática. Por muito que custe a MFM, a universidade ainda não é um centro de formação técnico-profissional.
A segunda é sobre os conteúdos curriculares. Como em todo o lado, há coisas boas e coisas más. Há grande diversidade teórica e metodológica? É que o olhar sobre o internacional é transversal e integra uma diversidade de instrumentos analíticos. Da história diplomática ao direito internacional, da economia política internacional, à geopolítica e aos estudos de segurança. Essa formação interdisciplinar é essencial para compreender, para além do senso comum, coisas tão simples como a crise financeira internacional ou a instabilidade no mundo árabe e o seu impacto na vida quotidiana de todos nós. Se MFM se tivesse dado ao trabalho de conhecer um pouco a realidade, constataria sem dificuldade que muitos dos diplomados em RI integram, já hoje, a carreira diplomática, desempenham funções na União Europeia ou nas Nações Unidas, para não falar das organizações não governamentais, das agências de internacionalização de empresas ou câmaras de comércio. Será que MFM se deu, mesmo, ao trabalho de olhar o conteúdo destes cursos?
Finalmente, os docentes que os regem sabem do que falam? Claro está que estas competências e estes conteúdos não se fazem sem qualidade académica do corpo docente. A geração mais velha veio, ainda, das áreas tradicionais, da Economia, do Direito ou da História. Mas há, hoje, uma nova geração. Sobretudo na última década, registou-se um processo de crescimento e consolidação da comunidade académica portuguesa em RI que atraiu uma diversidade de académicos doutorados em vários centros internacionais de primeira importância na Europa e nos Estados Unidos e que têm hoje uma presença destacada em redes de investigação internacionais de excelência e que publicam os seus livros e artigos em editoras e periódicos de referência internacional. Sim, sabem do que falam. A diferença é que só falam do que sabem.
* Ana Isabel Xavier, Ana Paula Brandão, Luís Lobo-Fernandes (Universidade do Minho), Ana Santos Pinto, Carmen Fonseca, José Esteves Pereira, Nuno Severiano Teixeira, Sónia Rodrigues (Universidade Nova de Lisboa), André Barrinha, Carmen Amado Mendes, Daniela Nascimento, João Gomes Cravinho, José Manuel Pureza, Maria Raquel Freire, Paula Duarte Lopes, Rogério Leitão, Teresa Cravo (Universidade de Coimbra), Daniel Pinéu (Universidade de Marburgo), Licínia Simão, Teresa Cierco (Universidade da Beira Interior), Luís Moita, Luís Tomé (Universidade Autónoma de Lisboa), Marcos Farias Ferreira, Maria Francisca Saraiva (ISCSP-UTL)