Dentro de semanas, uma rapariga com ar simpático vai suceder a uma mulher mediática. Mas entre Kate e Diana existe Camilla, a duquesa da Cornualha, tão transparente que nem se dá por ela. Carlos e Camilla estão em Portugal até quarta-feira

Propõe-se um exercício. Ligue o DVD e ponha a passar na televisão Cinderela, da Disney. Quantas vezes fala o príncipe? Uma vez. Duas vezes. E chega. Tocam os sinos na igreja e o filme acaba.

Na história da gata borralheira, o príncipe não interessa para nada. Como não existe, tem cara de pau. Porque é uma figura de desenho animado, consegue ter um sorriso nos lábios. Nas versões em carne e osso dos contos de fadas, quando a mulher de um príncipe que vai ser rei não deixa que ele exista - não há quem o queira ver, quanto mais ouvir -, não pode haver sorrisos, só caras de pau.

É neste instante que começa a história de Camilla Shand, a duquesa da Cornualha, uma rapariga que nunca quis ser princesa Disney e casou com Carlos para o ouvir e ser ouvida. Dizem as biografias que a duquesa tem boa cultura geral, um excelente sentido de humor e que é muito descontraída. Camilla é, portanto, boa companhia e óptima conversadora.

Mas quando Camilla entrou definitivamente neste filme, depois da morte da princesa Diana, o que muitos perguntaram - por exemplo, o jornal The Observer - foi: o que vê ele numa mulher mais velha, que fica muito a dever à beleza, que se veste como uma avózinha, cujo cabelo parece um "ninho de ratos" e de quem se diz que, uma vez, foi vista num supermercado de rolos na cabeça (nunca se soube ou saberá se foi verdade)? Como pôde ela cativar e conservar o afecto do príncipe e a princesa de contos de fadas não?

Ar fresco

Porque eles foram feitos um para o outro. Desde que se conheceram, nos anos de 1970, quando Carlos, um príncipe sem beleza física mas, à época, o homem mais cobiçado do mundo, ficou contagiado pela "energética", "vivaz" e de "gargalhada contagiante" Camilla (The Observer). Ela foi uma vaga de ar fresco no seu mundo reprimido e protocolar e ele amou-a, como os britânicos amaram depois Diana, que foi, para o povo, o ar fresco na monarquia reprimida e protocolar.

Carlos não casou com Camilla porque os príncipes não casavam com as mulheres com quem dormiam, obrigando a mulher da sua vida a um enorme trabalho de reabilitação, três décadas depois. Seria nesse esforço que Camilla pensava quando lhe disse, durante o adultério, "por ti sofro qualquer coisa"?

A reabilitação começou aos poucos. Em primeiro lugar, houve que lhe retirar a fealdade do adultério. Camilla Parker-Bowles divorciou-se e voltou ao nome de solteira, Shand. Retirou-se para uma casa perto do príncipe, no campo, que é onde gosta de estar. Aos bocadinhos, começou a aparecer.

Para aplacar o povo, não quis saber do título de princesa de Gales que, por direito, lhe pertence, e aceitou ser apenas consorte, com o título de duquesa. É esse que lhe permite o papel discreto, quase secundário, que assumiu na vida pública - que diferença para Diana, que roubava as atenções, a popularidade e a voz ao príncipe.

A figura de consorte tem uma natureza mais discreta, explica uma fonte que conhece bem o funcionamento da realeza britânica, mas que não quer ser nomeada. Esse caminhar um passo atrás pode dar-lhe um ar pouco simpático, snob, mas é o comportamento tradicional da aristocracia britânica, diz. "Preferem manter a distância daqueles que não conhecem".

Finalmente, houve que mudar a sua imagem, acabar com o ninho de ratos. O tablóide The Sun, noticiou que a mulher do príncipe Carlos se submeteu a tratamentos de beleza "radicais" e fez "face-lifts naturais". Ficou com traços mais suaves e desapareceram as rugas profundas. O guarda-roupa mudou, não de forma drástica. O que a equipa de imagem da duquesa fez foi torná-la "elegante" mantendo o estilo "despretencioso", explica Vicky Fernandes, consultora de moda e autora dos livros Chic em Qualquer Ocasião e Saber Estar. "Camilla tem um estilo de mulher prática, pouco dada a arrebiques. Sendo do mesmo estilo que Isabel II, é mais requintada do que a rainha", avalia.

Ausência de glamour

Vicky Fernandes diz que a família real britânica não tem uma marca de gosto. Mas coloca Camilla uns patamares acima, no grupo de mulheres de um estatuto social que sabe vestir bem quando a ocasião exige. "No dia-a-dia, caracterizam-se por um estilo elegantemente simples. Roupa de estilo depurado, sempre de bom gosto, com tons agradáveis e aquela discrição que só as britânicas sabem ter."

Felipa Garnel, directora da revista Lux, considera Camilla uma inglesa típica, a quem não atribui beleza ou elegância. "É a ausência total de glamour e as princesas, supostamente, devem ter algum." Nunca lhe ocorreu fazer uma capa com Camilla. Essas fazem-se para vender revistas e a duquesa não tem o que é preciso: beleza, muito estilo ou muitas histórias para contar. Diana tinha os ingredientes, Kate Middleton, a noiva do príncipe William, tem alguns (juventude, elegância e novidade) e irá assistir-se a "alguma overdose", reconhece.

Entre Diana e Camilla, a monarquia britânica fez algumas mudanças. Mas, explica Garnel, Camilla como que veio "simbolizar um pouco o antigamente". O regresso a uma sobriedade que foi quebrada com o furacão Diana. "Ela é quase transparente, não passa de uma imagem [entre Diana e Kate]. Não tem carisma".

O grande problema de Camilla é que, apesar de ter entrado na vida pública numa idade muito diferente da de Diana (tem 63 anos, o marido 62), de ter percebido que não deveria colocar-se numa posição de comparação e de preferir genuinamente o low profile, ela desempenha um papel. E, nesse campo, a imagem da duquesa "não passa", diz Felipa Garnel.

Porém, frisa, há um lado perigoso quando se fazem certas avaliações sobre figuras públicas: "Ao mesmo tempo que ela tem esta imagem, ouvimos dizer que é uma pessoa interessantíssima".

Com pouco sentido mediático, Camila faz o seu trabalho, patrocina várias instituições, e o príncipe sorri, sem cara de pau e mostrando estar em equipa com esta mulher que gosta dele e de quem gosta. E como escreveu o The Observer, "agora, que a era pirotécnica de Diana se apaga na nosssa memória, isso é, sem sombra de dúvida, um desenvolvimento muito refrescante".