Propaganda e provocação
Há discriminação e mesmo afastamento dos monárquicos nos espaços de informação e de discussão
Nos dias 1 e 2 de Fevereiro deste ano de 2011, a Rádio e Televisão de Portugal voltou a exibir, no seu primeiro canal, a série em dois episódios (na verdade, é mais um telefilme em duas partes) República, que antes havia sido exibida nos dias 4 e 5 de Outubro de 2010. A primeira exibição, é fácil de deduzir, foi feita para assinalar - e festejar - o centenário da implantação da república. E, depois, a repetição? Basta ver as datas: foi feita para assinalar - e festejar - mais um (o 103º) aniversário do regicídio.
Esta decisão, de que o primeiro (ir)responsável é, obviamente, José Fragoso, actual director de programas da RTP 1, não é apenas uma provocação lamentável e de um mau gosto atroz; representa, antes de mais, uma nova demonstração da tese de que a República portuguesa tem a sua causa principal num crime cruel - ou, dito de outros modos, que aquela não teria sido possível sem aquele, que aquela deu justificação e legitimidade àquele. Essa tese foi, aliás, exuberante e formalmente "ratificada" a 1 de Fevereiro de 2008 na Assembleia... da República, quando a "maioria de esquerda" reprovou um voto de pesar pela morte de D. Carlos e de D. Luís Filipe proposto pelo deputado Miguel Pignatelli Queiroz. Alberto Martins, que era então presidente do grupo parlamentar do Partido Socialista, não poderia ter sido mais eloquentemente transparente: a aprovação teria sido "um voto contra a República". Depreende-se que a exaltação de um atentado terrorista, de um duplo assassinato, terá contribuído decisivamente para que o líder da bancada do PS tenha sido promovido, após as eleições legislativas de 2009, a ministro... da Justiça!
Alberto Martins também afirmou na mesma ocasião: "Não nos cabe a nós julgar as pessoas na História, fazer qualquer juízo moral sobre a História ou reescrever a História." Sim, (tentar) reescrever a História coube, não ao Parlamento, mas sim à Comissão Nacional para as Comemorações do Centenário da República. E, nessa tarefa de propaganda, a RTP tem funcionado como um autêntico braço ("armado") audiovisual da comissão. É verdade que, desde o seu início, a estação de televisão do Estado sempre funcionou, com maiores ou menores variações, como a "voz do dono" do poder... fosse ele qual fosse. Porém, depois do 25 de Abril de 1974 a subjugação aos interesses instalados nunca pareceu tão grande como desde que José Sócrates é primeiro-ministro... e que começou a operação de "branqueamento" da República a pretexto dos 100 anos do regime. "Branqueamento" esse que, na Avenida Marechal Gomes da Costa, tem sido feito de duas formas principais. Uma, a produção e exibição de "ficção" em que um dos "lados da barricada" é sistematicamente (mesmo que subtilmente) enaltecido e valorizado em relação ao outro. Outra, a discriminação e mesmo o afastamento dos monárquicos nos espaços de informação e de discussão - processo em que o ponto culminante foi atingido a 4 de Outubro de 2010, em que nas emissões daquele dia dos programas Sociedade Civil (este na RTP 2) e Prós e Contras não esteve sentado às mesas qualquer opositor declarado da República; parece que na televisão pública "se aprendeu" com experiências anteriores, em que convidados monárquicos, quando não venciam inequívoca e invariavelmente os debates em que participavam, pelo menos não deixavam de desmascarar mentiras e de revelar verdades "inconvenientes".
Não se está a afirmar que todos os trabalhadores e colaboradores da RTP sejam cúmplices activos das regulares manobras de manipulação que nela se concretizam - e que, em alguns momentos, quase colocam a televisão oficial portuguesa na mesma (falta de) "categoria" das suas congéneres chinesa e norte-coreana. No entanto, sem dúvida que aparecem como espectadores (ou será "espetadores"?) passivos da crescente degradação da empresa, onde a aplicação do "acordo ortográfico" constitui disso o sinal mais recente. Quantos são os que lá se sentem envergonhados ao verem no ecrã, constantemente, "direto" e "Egito", entre outras aberrações linguísticas? Quem cala... consente. Jornalista e escritor