Rebelião volta a avançar, regime declara trégua

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Viaturas de forças leais a Khadafi explodem depois de um ataque aéreo GORAN TOMASEVIC/REUTERS

Khadafi fala de dezenas de civis mortos pelos ataques aéreos. Liga Árabe recua no apoio à intervenção, criticando os bombardeamentos

Bengasi, no Leste, respirou de alívio, Misurata, no Ocidente, foi palco de violentos confrontos. Dois cenários opostos, ambos verificados na sequência das primeiras horas da operação Odisseia Amanhecer, lançada ao final da tarde de sábado por franceses, norte-americanos e britânicos contra as forças de Muammar Khadafi.

Um dia depois do início da intervenção externa na Líbia, com as chefias militares a garantirem que a zona de exclusão aérea já está a ser imposta em parte do país, o Governo do coronel Khadafi anunciou um cessar-fogo - o segundo desde a aprovação na ONU da resolução 1973 a autorizar o recurso à força para "proteger os civis", depois de um inicial, nunca cumprido - e apelou a todos os cidadãos para marcharem de Trípoli, capital líbia, para Bensagi, que a oposição declarou há semanas capital da "Líbia libertada".

A trégua, que os EUA disseram não estar a ser cumprida, entraria em vigor às 21h00 (menos duas horas em Lisboa), precisamente quando aviões Tornado italianos e Typhoon britânicos levantavam de Itália para uma segunda noite de bombardeamentos.

Antes e depois do anúncio líbio ouviram-se relatos de grandes explosões em Trípoli, quase sempre identificadas como disparos de baterias antiaéreas. Alguns ocorreram perto da residência de Khadafi em Bab al-Aziziya, no Sul da cidade, onde o céu se encheu de colunas de fumo, e pelo menos uma chegou dos céus: um míssil atingiu e destruiu completamente um edifício administrativo do complexo de Aziziya, avançou a AFP.

Aos disparos franceses de sábado à tarde, contra tanques e blindados líbios nas imediações de Bengasi, seguira-se o lançamento de mísseis Tomahawak contra uma série de alvos em redor de Trípoli, Sirte e Misurata. Objectivo: travar o avanço do regime, especialmente sobre Bengasi e, em simultâneo, proteger os aviões estrangeiros que sobrevoam o país.

A cidade onde nasceu a revolta foi salva por agora e, ontem, as forças da oposição armada já marchavam em direcção a Ocidente. De acordo com os porta-vozes, a rebelião voltou a aproximar-se de Ajdabiya, de onde foi expulsa há quase uma semana.

"Bensagi não está completamente a salvo, mas está segura por agora", afirmou o porta-voz norte-americano, vice-almirante William Gortney, num briefing já à noite no Pentágono.

Ao longo do dia, os jornalistas estrangeiros que estão no Leste da Líbia percorreram a estrada que liga Ajdabiya a Bengasi e assistiram ao desfile de líbios que não quiseram perder o espectáculo dos tanques que na véspera se preparavam para os atacar, transformados agora em esculturas de ferro retorcido e calcinado.

A avançar e a fugir

"Ao longo de quilómetros, as bermas estão cobertas com camiões e carros queimados. As unidades mais próximas de Bengasi foram atingidas com os canhões e metralhadoras ainda apontadas na direcção da cidade rebelde", escreveu o enviado do New York Times. "Mais a sul, pelo contrário, muitos foram atingidos quando se afastavam, numa corrida desesperada para se porem em fuga pela estrada que se dirige à distante Trípoli."

"Estavam a retirar-se", confirmou ao diário de Nova Iorque o coronel Abdullah al-Shafi, das forças rebeldes.

Entre os destroços, muitos corpos irreconhecíveis. Às portas de Bengasi, os jornalistas da AFP viram restos de "combatentes africanos com uniformes caqui". Alguns dos curiosos de Bengasi não se limitaram a olhar: "uns tiraram fotografias, outros vasculhavam nos bolsos dos cadáveres", descreveu a AFP, explicando que membros da rebelião se apressavam a pedir aos líbios que respeitassem os mortos, "que também são muçulmanos".

Como no resto do país, a contagem dos mortos é confusa em Bengasi. Entre sábado e domingo morreram mais de 90 pessoas, dizem os médicos do hospital de Jala ouvidos pelas agências. Mas quantos são os mortos dos raides estrangeiros - e quem são as suas vítimas - e quantos são os mortos dos confrontos de sábado de manhã entre as forças leais a Khadafi e os seus opositores é impossível perceber.

Em Misurata, terceira cidade do país e única no Ocidente onde há rebeldes, não há jornalistas, impedidos de entrar pelo regime. Mas chegam informações de combates e mortos.

"Os snipers continuam nos telhados. São apoiados por quatro tanques que têm estado a patrulhar a cidade", disse à Reuters por telefone um habitante chamado Sami. "Há confrontos entre os rebeldes e as forças de Khadafi. Os tanques deles estão no centro de Misurata... Há tantas vítimas que não conseguimos contá-las", descreveu Abdel Basset, porta-voz da rebelião.

"O que está a acontecer distancia-se do objectivo de impor uma zona de exclusão aérea. O que nós queremos é a protecção dos civis e não o bombardeamento de mais", reagiu Amr Moussa, secretário-geral da Liga Árabe que manifestara apoio à intervenção.

Os americanos disseram não ter "indicações" de vítimas civis. Os britânicos responderam a Moussa, afirmando que, "ao contrário de Khadafi, a coligação não ataca civis". O regime fala ainda de dezenas de vítimas dos raides em Trípoli.

Numa guerra com poucas imagens - quase nada se viu das cidades ocupadas pela rebelião e depois reconquistadas pelo regime - é difícil saber que lado se aproxima mais da verdade. A oposição a Khadafi também quis responder a Moussa e fê-lo dizendo que o movimento que se rebelou já perdeu "mais de 8000 mortos e mártires".

Num email enviado à BBC, Asma, uma líbia a viver no Reino Unido, dá conta das dúvidas e angústias de quem vê o seu país sob ataque: "A minha família está em Bengasi e é difícil ver o meu país bombardeado, mas Khadafi fez com que esta fosse a única forma de parar a morte de civis".

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