Sarcófago de betão, uma opção cada vez mais provável

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A cidade de Rikuzentakata foi uma das mais afectadas pelo sismo e pelo nicolas asfouri/afp

Ao fim de uma semana, a situação na central nuclear continua sem estar controlada. Nas piscinas, já se fala da opção de último recurso

A esperança ainda passa pela água, na central japonesa de Fukushima 1. Por continuar a largar toneladas de água nas piscinas dos edifícios dos reactores nucleares, tanto de helicóptero como de camiões-cisterna. A prioridade máxima é arrefecer velhos núcleos dos reactores, que repousam nas piscinas, a perder calor, mas essa operação tem-se revelado muito difícil. Várias vozes, incluindo as autoridades japonesas, já falam da solução de último recurso: tapar as piscinas problemáticas com cimento e areia, que absorvem as radiações, como aconteceu na central de Tchernobil, na Ucrânia, em 1986.

Está-se numa luta contra o tempo, desde que, há uma semana, começou a crise na central nuclear japonesa, na sequência do sismo e do tsunami que arrastou os depósitos de gasóleo dos geradores de emergência. A central estava preparada para um tsunami de cinco metros, refere o site do Fórum Atómico Industrial do Japão. Mas as ondas, "muito para além" disso, não só destruíram a rede de alimentação eléctrica dos reactores um, dois e três (em operação na altura do sismo, enquanto os reactores quatro, cinco e seis estavam desligados para manutenção), como levaram os depósitos de gasóleo. E, segundo a revista Time, os geradores a gasóleo estavam no rés-do-chão da central e ficaram afogados.

Desde essa altura, com a falta de electricidade, tem sido uma batalha para introduzir água nos núcleos (ou corações) dos reactores. Apesar de as reacções em cadeia terem sido logo paradas, têm de continuar a ser arrefecidos.

Através de baterias de emergência e, depois, de bombas de incêndio, foi chegando água ao coração dos reactores, onde estão as barras de combustível nuclear. Nem sempre foi possível mantê-las tapadas por completo, pelo que se derreteram em parte (70 por cento no reactor um, 33 no dois e parcialmente no três).

Nos edifícios destes três reactores houve ainda explosões de hidrogénio, ao ser expelido do interior dos núcleos, para aliviar a pressão que subiu quando se derreteram parcialmente. As explosões destruíram a parte de cima das construções. Na parte superior do edifício do reactor quatro, parado antes do sismo, deu-se também uma explosão, devido ao hidrogénio formado na piscina que armazenava o combustível usado de núcleos antigos, pelo facto de a água não estar arrefecida.

Piscinas problemáticas

Ora, as piscinas dos reactores ficam no topo dos edifícios, mesmo por cima dos núcleos, e as explosões complicaram mais as coisas. Além de terem que manter os corações dos três reactores arrefecidos, impedindo-os de derreter mais - se derretessem completamente, libertariam muita radiação -, as autoridades tiveram de se virar para as piscinas. Em duas delas, a situação era cada vez mais preocupante.

As piscinas do reactor três e, possivelmente, do quatro entraram em ebulição, o que significaria que a água iria evaporar-se se não fosse reposta. Suspeitou-se mesmo que estivessem secas, o que se traduziria na fusão das barras de combustível usadas e no aumento das radiações (a água serve de barreira às radiações). E foi aí que recaíram nestes dias as atenções.

De helicóptero e camiões-cisterna, lançou-se, anteontem, um total de 60 toneladas de água no edifício do reactor três. Ontem, o Instituto de Radioprotecção de Segurança Nuclear (IRSN) francês dizia que essa piscina tinha deixado de ferver, e atirou-se mais água dos camiões-cisterna.

Hoje, prosseguem essas operações, a partir de camiões, nas piscinas dos reactores um, dois (a ferver também, suspeita o IRSN) e quatro. Mais: as piscinas dos reactores um e três podem ter fugas, diz o IRSN, e se a do quatro não receber água de forma eficaz, as barras de combustível começarão a ficar descobertas na segunda-feira.

Portanto, nos próximos dias, muito está em jogo. "O arrefecimento é muito importante, é uma luta contra o tempo", disse, citado pela AFP, o director-geral da Agência Internacional de Energia Atómica, Yukiya Amano, após uma reunião com o primeiro-ministro japonês, Naoto Kan.

Semanas de trabalho

É uma luta contra o tempo, mas esta crise não passará de um dia para o outro. "Isto vai levar algum tempo a ultrapassar, possivelmente semanas, até removermos a maior parte do calor do núcleo dos reactores e das piscinas com combustível usado", disse Gregory Jaczko, presidente da Comissão Reguladora da Energia Nuclear dos EUA.

A boa notícia é que as autoridades japonesas conseguiram estabelecer uma linha eléctrica entre o reactor dois e a rede externa. Hoje e amanhã, esperam fazer o mesmo nos reactores um, três e quatro - e, então, poderão ter electricidade permanente, para continuar a arrefecer com água do mar os núcleos.

"Se conseguirem repor a electricidade em todos os reactores, em princípio vão ter condições para fazer a gestão do acidente. Mais alguns dias, e a situação deve estar resolvida, desde que não surjam novos problemas. Até agora, têm sido problemas atrás de problemas, e têm-nos resolvido com mais ou menos dificuldade", diz José Marques, do Instituto Tecnológico e Nuclear, em Sacavém, e da Faculdade de Ciências de Lisboa.

De forma geral, os peritos consideram que os núcleos dos reactores, apesar de algum derretimento, devem estar seguros e ainda contidos por barreiras físicas.

O mesmo não pode dizer-se de algumas piscinas. Se a água aí largada não aguentar a situação, pode ter de se aplicar em Fukushima 1 a chamada "solução de Tchernobil" (aí foi o próprio núcleo do reactor que explodiu e foi tapado, para acabar com o incêndio de grafite, um material inexistente nos reactores japoneses). É o célebre sarcófago de Tchernobil, que, por ter sido feito à pressa, está com fugas e planeia-se pôr outro por cima.

Quando questionadas sobre isso, as autoridades japonesas admitem essa hipótese. "Essa solução está algures as nossas cabeças, mas a prioridade agora é o arrefecimento", disse ontem Hidehiko Nishiyama, porta-voz da agência de segurança nuclear do Japão, citado pela Reuters.

Se houver, de facto, fugas nas piscinas, difíceis de reparar por causa da radiação, e a água se perder toda, atirar betão, areia e esferas de chumbo pode então ser o último recurso. "No caso das piscinas, julgo que essa solução pode estar mais perto", considera José Marques.

E se a situação descarrilar nos núcleos dos reactores, Murray Jennex, da Universidade Estadual de San Diego, na Califórnia, não descarta a solução de Tchernobil. "Não é assim tão fácil", disse à Reuters, acrescentando que o Japão ficará com uma ferida radioactiva durante décadas.

"Os reactores são como uma cafeteira. Se a deixarmos ao lume, acaba por ferver até secar e racha. Pôr cimento não tornará a cafeteira mais segura. Mas pode ter de se construir um escudo de cimento e acabar com isto."

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