A vez dos filhos
Os processos de sucessão podem ser os verdadeiros testes para a sobrevivência das empresas familiares. O caso mais recente é o de Luís Portela, dono da farmacêutica que lançouo primeiro medicamento de patente portuguesa, para o filho António. Mas há outros exemplos de sucessões, algumas dentro da família, outras fora. Por Rosa Soares
António Portela, de 36 anos, não gosta de usar o elevador. Prefere as escadas e sobe os degraus de dois em dois, até ao terceiro andar, com a rapidez de um antigo campeão nacional de natação.
O gosto pela natação mantém-se e, apesar das responsabilidades que assumiu nos últimos anos nos laboratórios Bial - que culminaram com a sua recente ascensão a presidente da comissão executiva (CEO) -, vai arranjando formas de conseguir praticar a modalidade. "Na marcação das viagens, a minha assistente já sabe que deve procurar hotéis com piscina e, aos sábados de manhã, aproveito para levar o meu filho [de três anos e meio] à piscina", explica ao P2.
O economista protagoniza a chegada da quarta geração à frente dos destinos da Bial. Antes dele, o pai, o avô e o bisavô, o fundador dos laboratórios, em 1924, assumiram essa responsabilidade. "A sucessão é um dos maiores desafios das empresas familiares. É preciso prepará-la com antecedência, de forma a garantir uma gestão profissionalizada, e deve ser feita a tempo de poder ser acompanhada pelo actual líder a empresa", defende Peter Villax, presidente da Associação de Empresas Familiares e presidente de uma empresa familiar, a Hovione, também um laboratório farmacêutico.
No caso da Bial, era uma sucessão esperada? Era. Foi uma sucessão preparada? Foi. A sucessão "era um projecto que estava na cabeça de Luís Portela há muito anos, pelo menos há dez", confirma um ex-quadro da empresa, que pediu para não ser identificado.
Quando questionado pelo P2 se a sua chegada a CEO era um projecto do pai "há pelo menos dez anos", a primeira reacção de António Portela é um longo sorriso. Para, logo de seguida, dizer: "Talvez", acrescentando que "o pai é muito metódico". Mas, garante, com firmeza, que nunca se sentiu pressionado, mesmo nas opções escolares: "Eu e o meu irmão escolhemos a mesma área [Economia], a minha irmã Matemática, seguindo depois, por opção dela, a via do ensino".
O irmão Miguel, de 32 anos, também integra o conselho de administração da empresa e é responsável pela área de corporate [gestão das diversas empresas nacionais e internacionais], "um departamento fundamental no actual momento de internacionalização do grupo", adianta o CEO, dado que a Bial tem vindo a comprar empresas noutros países, como em Espanha, onde está a construir uma fábrica, e em Itália. Tem ainda presença directa na Suíça, em Moçambique, em Angola, na Costa do Marfim e no Panamá.
António Portela vai mais longe e diz acreditar que o pai não o pressionaria a trabalhar na Bial se essa não fosse a sua vontade. Mas reconhece que o progenitor ficou satisfeito com a decisão dos dois filhos de trabalharem na empresa fundada pelo bisavô. "No fundo, era isso que ele gostava que acontecesse e criou condições para tal."
"A sucessão na Bial foi preparada com muitos anos de antecedência e cumprindo todas as regras", incluindo a do acompanhamento. "Luís Portela ainda tem muitos anos à sua frente, o que lhe permitirá acompanhar o processo de sucessão", neste caso para a quarta geração da família, avalia Peter Villax.
4 anos em Inglaterra
Licenciado em Economia pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto e com um MBA Executivo na Escola de Gestão do Porto, António Portela começou, em 2000, a trabalhar na Roche Products, em Inglaterra, primeiro como delegado de propaganda médica e depois passou por várias áreas de negócio da multinacional, a última das quais como gestor de produtos na área da hepatite C."A opção por ir para Inglaterra foi minha. Queria ter a certeza de que gostava de trabalhar na área farmacêutica antes de vir para a Bial. Pensei ir por um ano ou dois, mas acabei por ficar quatro anos. Foi uma experiência muito interessante", explica o jovem gestor.Em 2004, António deixou a Roche para ingressar na Bial, a empresa da família, detida exclusivamente pelo pai, Luís Portela. A saída da Roche foi uma surpresa para quem trabalhava com ele. "Ninguém associava o António à Bial, ninguém sabia ", garante Mark Duffy, com quem António chegou a trabalhar em Inglaterra.
Os papéis inverteram-se e hoje é Mark quem trabalha na empresa portuguesa, como director do Departamento de Desenvolvimento de Negócios. Mark admite que o jovem português tinha condições para fazer carreira na Roche.
Chegado à Bial, o filho mais velho de Luís Portela começou a exercer funções na área do marketing, à qual se seguiu a área de desenvolvimento do negócio a nível internacional. Passou a integrar o conselho de administração em 2007, mantendo a responsabilidade pela área internacional. O passo seguinte, dado já este ano, foi a nomeação para CEO, passando o pai, a aproximar-se dos 60 anos, a chairman, sem funções executivas.
Internacionalizar
José Redondo, há 25 anos a trabalhar na Bial, 17 deles como administrador, admite que Luís Portela preparou o processo de forma a ter tempo de acompanhar a nova gestão. Mas, apesar desse cuidado, garante ter "poucas dúvidas de que o agora chairman vai dar espaço ao CEO para que ele trabalhe".Desafiado pelo P2 a identificar um defeito no jovem gestor, o administrador refere o da "impulsividade", salientando que é uma característica que, "em termos pessoais, até pode ser positiva, dá-lhe mais transparência, mas que, em termos profissionais, pode ser negativa". José Redondo diz acreditar que "essa impulsividade vai passar com a idade", e afirma ter "toda a confiança em António Portela como CEO da empresa".
Fundados em 1924, o grande desafio dos laboratórios Bial, os primeiros a registar um medicamento de patente portuguesa, o antiepiléptico Zebinix, é conseguir dimensão. Primeiro a nível europeu, e depois a nível mundial. O Zebinix, que implicou um investimento de 300 milhões de euros, já está a ser comercializado em 14 países. Acaba de ser lançado em Espanha, um mercado considerado muito importante, e aguarda autorização para ser vendido nos EUA. As receitas do Zebinix são importantes para o lançamento de novos medicamentos que estão na forja, dois deles já patenteados, que exigem "centenas de milhões de euros de investimento", segundo António Portela.
O calendário de lançamento, redefinido na sequência da decisão governamental de corte do preço dos medicamentos, aponta agora para 2014, um antiparkinsoniano, e 2017, um anti-hipertensoriano.
Os laboratórios Bial foram fundados em 1924, por Álvaro Portela. Nos anos de 1960, após a morte do fundador, é o seu filho António Emílio Portela que assume o controlo da empresa. Em 1972, na sequência da morte prematura de Emílio Portela, os seus quatro filhos, um deles Luís Portela, o único filho de mãe diferente, assume o comando da empresa. Mas a relação com os irmãos, todos muito novos, não é pacífica, e Luís Portela, licenciado em Medicina, acaba por comprar a participação dos restantes irmãos e assumir, aos 27 anos, a liderança da empresa, direccionando para a vertente de investigação e desenvolvimento de produtos que tem hoje. O desafio do filho é a internacionalização.