EUA denunciam "violência excessiva" no dia em que o Bahrein esmagou os manifestantes

A rotunda que a contestação transformou em praça ainda está lá: a estátua mantém-se, branca, com os pilares que seguram a pérola símbolo da riqueza do reino, mas as tendas do acampamento que há três semanas funcionava como epicentro da contestação ao regime do Bahrein arderam, queimadas por polícias que entraram a disparar. A oposição fala em "guerra de aniquilação". É impossível saber quantos são os mortos ou feridos.

Os Estados Unidos afirmaram-se "inquietos com a violência" e preocupados com os desenvolvimentos regionais, depois de a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos terem enviado tropas para o Bahrein.

Houve muito fumo e muita confusão em Mananá, a capital. Do que não restam dúvidas é que as forças de segurança expulsaram os manifestantes da Praça Pérola. Oficialmente, morreram três polícias. A agência Reuters fala em pelo menos cinco mortos entre os civis xiitas que se manifestavam.

As descrições que fazem temer o pior chegam dos hospitais, principalmente do Salmaniyah, durante horas cercado por tanques e militares que não deixavam os feridos entrar nem os médicos sair. Uma médica ouvida ao telefone pela BBC explicou estar escondida com colegas, com medo dos militares, que disparavam dentro do edifício.

"O nosso hospital está sob cerco. Há muitos feridos lá fora, mas não podem passar e nós não somos autorizados a ir buscá-los", confirmou um médico que falou ao Washington Post sob anonimato. Os médicos chegaram a organizar-se em equipas para irem aos centros de saúde locais e às mesquitas, onde foram reunidos os feridos, mas não foram autorizados a deixar o complexo do Salmaniyah.

"Genocídio contra os xiitas"

O Governo passou o dia a desmentir que estivesse a ser negado auxílio aos feridos, mas um cirurgião chamado a um hospital privado para operar um homem com ferimentos de bala disse à BBC que foi forçado a voltar para trás por militares. "Estou horrorizado. Isto é um genocídio dirigido contra os xiitas", afirmou.

Os xiitas queixam-se de discriminações na atribuição de casas e no acesso ao mercado de trabalho no pequeno reino de 800 mil habitantes. Esta era uma constestação essencialmente formada por xiitas, mas os manifestantes tentaram desde o início dar-lhe um tom nacional e não sectário.

O Bahrein, único país de maioria xiita governado por uma família sunita, declarara o estado de emergência na véspera, um dia depois de terem começado a entrar no país tropas sauditas e polícias dos Emirados Árabes Unidos. Ao pedir a intervenção militar externa, o rei Hamad bin Issa al-Khalifa assinalou em definitivo o fim da disponibilidade para concessões e para o diálogo.

"No caminho errado"

"Estamos cada vez mais preocupados com o Bahrein", escreveu numa mensagem no Twitter o porta-voz do Departamento de Estado. Pouco depois, foi a secretária de Estado, Hillary Clinton, de visita ao Cairo, a afirmar: "Consideramos alarmante o que está a acontecer. Pensamos que não há uma resposta de segurança às aspirações e exigências dos manifestantes".

Numa entrevista à televisão norte-americana CBS, Clinton dirigiu-se ainda aos sauditas, declarando que "os membros do Conselho de Cooperação do Golfo que enviaram tropas para apoiar o Governo do Bahrein estão no caminho errado". Em telefonemas para os reis do Bahrein e da Arábia Saudita, o próprio Presidente norte-americano, Barack Obama, exprimiu a sua "profunda inquietação" face à violência de ontem.

O aliado Riad não avisou Washington de que se preparava para fazer entrar tropas no país onde os EUA têm a sua V Esquadra estacionada. Temendo que qualquer concessão do Bahrein aos xiitas inflame as exigências da sua própria minoria xiita - e aproxime o país ao Irão -, os sauditas decidiram não esperar mais para agir.

Ainda não há indicações de que estas forças tenham participado directamente na repressão, mas as ondas de choque não param de se fazer sentir: os xiitas da região vêem a intervenção de países sunitas como um ataque contra este grupo minoritário do islão.

Cerca de 2000 libaneses xiitas saíram à rua em Beirute, numa demonstração de apoio à sublevação xiita do Bahrein. No Iraque, houve manifestações idênticas em Bagdad e em Bassorá, que reuniram essencialmente apoiantes do líder radical xiita Moqtada al-Sadr. O próprio primeiro-ministro, o xiita Nouri al-Maliki, considerou que a intervenção militar dos países vizinhos "vai contribuir para complicar a situação na região inflamando as tensões sectárias".

Radicalização garantida

O Irão xiita (que reprime toda a contestação interna mas tem incentivado as revoltas árabes, descrevendo-as como um "despertar islâmico") foi o primeiro a reagir e voltou a fazê-lo. "O que está a acontecer é mau, injustificável e irreparável", disse o Presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, enquanto o Governo chamava o embaixador de Mananá em Teerão.

No interior do Bahrein, o aumento da repressão já custou ao Governo dois ministros. O titular da pasta da Saúde, um xiita, demitiu-se, enquanto o da Habitação, igualmente xiita, está a boicotar as reuniões do executivo, noticiou o jornal da oposição Al-Wasat. Doze juízes xiitas também se demitiram, justificando a decisão com os "acontecimentos sangrentos".

As tácticas de repressão usadas pelo reino já ameaçavam radicalizar parte da população xiita e, ao mesmo tempo, a afastar do campo político os representantes moderados da comunidade. A entrada das forças sauditas garante que isso vai mesmo acontecer. O Financial Times descreve este avanço como "uma escalada que garante a radicalização, quando a maioria dos habitantes do Bahrein e do resto do Golfo desejava apenas reformas". Sofia Lorena

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