Contribuintes já deram 13,4 milhões de IRS a instituições em cinco anos

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Banco Alimentar é uma das várias entidades beneficiadas RUI GAUDÊNCIO

Reafectação de parte do imposto representa uma "bomba de oxigénio" para instituições sociais. Este ano há 902 entidades listadas nas Finanças

Ao escolherem entregar parte do IRS a instituições particulares de solidariedade social ou religiosas, os portugueses já contribuíram, nos últimos cinco anos, com 13,4 milhões de euros para estas entidades.

À medida que engrossou o leque de instituições a quem os contribuintes podem optar por consignar 0,5 por cento do valor liquidado em sede de IRS para fins religiosos, de beneficência ou de assistência humanitária, foi também aumentando o número de agregados familiares que decidiram "desviar" uma pequena quota do IRS ao abrigo da lei da liberdade religiosa, de 2001.

Só no ano passado, foram mais de cem mil os que reafectaram aquela percentagem do imposto (relativo aos rendimentos de 2009), o que significa que 3,5 milhões de euros, em vez de se destinarem aos cofres do Estado, funcionam como receitas para uma "pessoa colectiva de utilidade pública de fins de beneficência, de assistência ou humanitários, ou de uma instituição particular de solidariedade social" (IPSS).

A diferença, este ano - quando já decorre a entrega de IRS, desde 1 de Março - é que o número de entidades previstas para receber os 0,5 por cento (são os contribuintes que indicam a instituição na sua declaração de imposto) disparou: eram 50 há cinco anos e, em 2011, chegam às 902.

Uma lista que até ao ano passado não era divulgada pelo Ministério das Finanças e que inclui entidades que vão desde centros paroquiais a associações de pais e amigos de pessoas com cancro, instituições de reabilitação social, assistência médica, centros sociais ou associações de bombeiros, e cuja geografia mostra que é em Lisboa, Porto e Coimbra (por esta ordem) que se concentra o maior número de entidades. Foi na Guarda, Bragança, Beja e Castelo Branco que menos instituições requereram beneficiar da consignação. A lista é extensa, com assimetrias também visíveis na dimensão das próprias instituições - de escala nacional e local.

Montantes imprevisíveis

Os dados mais recentes mostram que há mais instituições inscritas e mais contribuintes que entregaram parte do seu IRS, fazendo crescer o montante das contribuições, que, em alguns casos, já representam boa parte das receitas das entidades. Mas a média foi variando. Se em 2006 (relativo à declaração do ano anterior), a média foi de 40 euros por agregado familiar, já em 2010 ela encolheu cinco euros em relação a esse valor.

E, apesar de ser conhecido o total de entidades candidatas, não se sabe ao certo quantas, de facto, beneficiaram desta modalidade. Questionado pelo PÚBLICO, o Ministério das Finanças não divulgou quantas foram indicadas pelos contribuintes.

Mesmo as instituições recebem apenas o valor total da consignação, não tendo acesso ao número de pessoas que as escolheram como beneficiárias. É o caso da AMI (Assistência Médica Internacional), que recebe consignações desde 2002 (ver caixa). Hoje, as verbas já constituem "a principal fonte de rendimento" da instituição, depois do financiamento por parte da Segurança Social.

Uma "bomba de oxigénio", nas palavras do responsável financeiro da instituição, Manuel Lucas. Os 706.568 euros recebidos por conta do IRS de 2008 (os últimos) permitem "financiar [o equivalente] a três dos 11 centros sociais da AMI a nível nacional", calcula. Já para a Federação Portuguesa dos Bancos Alimentares (BA) Contra a Fome, que beneficia dos rendimentos auferidos pelos contribuintes desde 2007, o peso percentual das consignações nas despesas dos bancos associados à instituição presidida por Isabel Jonet é "muito residual": cerca de 4400 euros recebidos no ano passado, relativos ao IRS liquidado em 2009.

Com base no passado, a AMI espera "chegar a um milhão de euros" por conta do imposto de 2010. Mas em branco sobre os montantes que podem vir a receber com a campanha deste ano partem as 786 entidades que pela primeira vez constam da lista divulgada pelas Finanças.

No caso da Abraço, a primeira verba a receber através da consignação será "para os custos correntes da instituição", mas, no futuro, Óscar Assunção, responsável financeiro da associação, espera ter "uma ideia mais aproximada dos montantes para os poder canalizar para determinados projectos".

Mesmo com a experiência de outros anos, Isabel Jonet não faz "nenhuma estimativa" sobre quanto poderá receber a federação dos BA. E mesmo se passa com a Operação Nariz Vermelho, que, embora já tenha sido candidata no ano passado, não calcula quanto poderá encaixar, já que a instituição também ainda aguarda os resultados de 2010.

"Fazer uma estimativa do valor esperado é quase impossível, uma vez que não temos maneira de saber quem nos beneficiou e em quanto".

Sobretudo para as instituições de âmbito local, esta é uma oportunidade olhada com expectativa, sabendo que "o factor de proximidade" e "uma campanha de divulgação de boca em boca" serão determinantes para fazer crescer o número de agregados a contribuir, nota João Bonifácio, da direcção da Santa Casa da Misericórdia do Fundão.

Por isso, são, desde logo, potenciais contribuintes as cerca de 700 pessoas ligadas à instituição. O mesmo diz Ana Maria Ramalheira, da Associação de Defesa e Apoio da Vida, de Coimbra, para quem o essencial da mobilização das "pequenas associações na província" deve centrar-se na divulgação em rede, junto dos sócios e conhecidos, porque a tendência das pessoas é "indicar as instituições mais próximas". Com João Ramos de Almeida

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