O Chelsea Hotel do título português é o lendário poiso nova-iorquino, imortalizado em quadros, livros, canções ou memórias, por onde toda a gente que foi alguém na cultura e na contra-cultura da segunda metade do século XX passou. Um espaço de liberdade criativa (e não só...) de que Abel Ferrara se apropriou para fazer o que é nominalmente um documentário mas extravasa rapidamente para o testemunho, para o ensaio, para a "rêverie".
Ferrara fala com hóspedes de longa data, invoca episódios e fantasmas do passado "escandaloso" do local, filma-se a si próprio a visitar e entrevistar, e reivindica para si a mesma liberdade que o hotel sempre defendeu ao longo da sua história - mesmo que o resultado final seja mais interessante enquanto expressão pessoal do seu modo de olhar para o cinema e para a vida do que como objecto cinematográfico. Mas é aí que reside a "chave" deste documentário idiossincrático que chega a Portugal com três anos de atraso e que foi completado na altura em que uma luta de interesses entre gerência e proprietários tornou o Chelsea de residência boémia em hotel chique: é um filme de resistência, que abre espaço para outros modos de ver e viver o mundo numa paisagem audiovisual onde estes OVNIs são cada vez mais raros.