Homens da Luta: não são música de intervenção, mas são intervenção
O protesto é quase uma herança genética para os irmãos Nuno e Vasco Duarte, mas antes de serem os Homens da Luta não participavam em manifestações ou eram particularmente contestatários. É uma herança da parte do avô paterno, militante comunista, que esteve preso antes do 25 de Abril de 1974. E viveram a infância rodeados de símbolos de protesto, eram crianças quando ouviram as músicas de Zeca Afonso e andaram pelas festas do Avante!. Mas nunca foram comunistas, não que tivessem alguma coisa contra.
"Éramos uns abstencionistas que por aí andavam. Mais uns", conta ao P2 Nuno Duarte, o "Neto" da dupla que forma com "Falâncio"/Vasco. Mas agora já não podem fugir, mesmo que quisessem.
A Luta é Alegria, uma canção/performance humorística e reminiscente de outros tempos da música portuguesa, ganhou, no último sábado, o Festival da Canção, com o voto popular por telefone, contrariando a votação dos júris regionais, e vai representar Portugal no Eurofestival a 14 de Maio em Dusseldorf.
Num bastião de entretenimento e música popular como é actualmente o festival, os Homens da Luta, que haviam concorrido em 2010 mas que não chegaram a subir ao palco por não cumprirem as regras do concurso, levaram agora o seu número humorístico e subverteram o sistema. Não são propriamente músicos, são entertainers, agora com um objectivo. "Trabalhamos num paradoxo, andamos no fio da navalha. Filosoficamente, consideramo-nos zeca-afonsianos. A nossa responsabilidade é animar a malta e queremos que as pessoas se riam no nosso número mas com coisas sérias", admite Nuno/Neto/Jel, que, no dia a seguir ao festival, foi actuar no Carnaval de Ovar, onde, diz, ele e o irmão foram "recebidos em apoteose.
A colagem dos Homens da Luta aos músicos de intervenção que marcaram uma era na música portuguesa é óbvia e assumida nas letras e na própria composição das personagens - o bigode, a boina, a guitarra, o megafone, os "tiriritiri", os "camarada" palavra sim, palavra não. Zeca Afonso e outros são modelos, embora dificilmente se possa considerar música de intervenção.
"Fazem humor. Cáustico, corrosivo e interessante, mas não tem comparação. A música de intervenção é outra coisa", considera Vitorino. Para José Cid, que venceu o festival em 1980 com Um Grande, Grande Amor, os Homens da Luta soam vagamente a música de intervenção, mas são sobretudo um "número humorístico com piada". "[A vitória no festival] é sinal de um país mal pensado e abandonado", observa o cantor.
Quando contactado pelo P2, Ruben de Carvalho, vereador da Câmara Municipal de Lisboa e responsável pela programação musical da Festa do Avante!, tinha acabado de ler a notícia sobre a vitória dos Homens na Luta e confessava não ter grande conhecimento sobre o assunto. Considerou, no entanto, que fenómenos como este são explicáveis pela actualidade. "É evidente que há condições para o protesto, mas isso não se faz por decreto", observa o vereador, salientando a importância musical e social que homens com Zeca Afonso tiveram. "Mas a música de intervenção nunca desapareceu", considera, referindo a música dos Deolinda, Parva que Sou, como um exemplo recente.
Vestir a camisolaOs Homens da Luta foram criados há cinco anos para o programa Vai Tudo Abaixo, da SIC Radical. São provocadores que apareciam em grandes ajuntamentos de pessoas, como manifestações, comícios políticos ou campanhas eleitorais, chegaram a ser detidos durante a posse do segundo Governo de José Sócrates, e andaram pela Festa do Avante!, sem serem contratados, onde "muita gente reagiu mal".
"Começou como uma brincadeira, mas, entretanto, ganhámos alguma responsabilidade quando começámos a ir a comícios, a protestos", observa Jel, assumindo que Neto e Falâncio, "dois revolucionarios que vieram numa máquina do tempo", também são uma crítica aos contestatários profissionais: "Há um lado conformista que também está presente em algum espectro político. Há muitos homens da luta profissionais, mas que estão no sistema."
Jel admite sentir-se um pouco "ultrapassado" pelo que está a acontecer para uma coisa que era apenas um sketch humorístico, acrescentando que o desafio é não ser "sério de mais" - sendo que há quem tenha levado o número do festival muito a sério; foram apupados por parte do público que estava presente no plateia e até há movimentos no Facebook apelando à sua desclassificação.
O humorista promete que não se vai descaracterizar, mas reconhece que Neto e Falâncio já são mais qualquer coisa: "Convém que o lado alegre esteja sempre presente. O nosso desafio é brincar com coisas sérias e isso é um número arriscado. Estamos conscientes que temos muita matéria-prima para crescer. E não somos só nós. Os Deolinda, os Xutos e Pontapés, o Sam The Kid, o Valete... Fazemos parte de algo colectivo que está a acontecer. Temos visibilidade e não a vamos desperdiçar. Somos mais conscientes e com responsabilidades. Os tempos põem-nos no foco e, quando isso acontece, ou sacodes a água do capote e dizes "isto não é nada comigo", ou então vestes a camisola. E nós estamos a vestir a camisola."