Os mais novos do mais velho partido português
São dez jovens que escolheram filiar-se no PCP ou na Juventude Comunista Portuguesa (JCP) há menos de 12 anos. O Bloco de Esquerda já existia, apresentava-se como um partido diferente e captava algum eleitorado jovem que se identificava com as causas defendidas. Mas essa nunca foi uma hipótese para estes jovens, que garantem que o PCP é o único que está certo para eles. É uma questão de ideologia, que descobriram na escola, mas já lhes corria no sangue.
"O PCP é provavelmente o partido que tem mais jovens no Parlamento e com uma direcção política mais jovem", comenta Daniel Vieira, que aos 23 anos foi eleito presidente da Junta de Freguesia de São Pedro da Cova, em Gondomar. Sente a responsabilidade de ser o mais novo presidente de uma junta de freguesia, mas encara o cargo como uma "tarefa do partido, num colectivo de homens e mulheres que a leva para a frente".
Rita Rato é um exemplo da juventude no Parlamento a que Daniel Vieira se refere. A deputada entrou na JCP, quando ingressou no curso de Ciência Política e se viu "confrontada com as dificuldades todas do ensino superior". Já nutria simpatias pelo partido, essencialmente pelo papel que este sempre desempenhou no Alentejo, a sua região de origem, mas foi nos corredores universitários que tomou contacto com os futuros camaradas. Um documento pelos direitos dos estudantes distribuído pela juventude comunista à entrada da Universidade Nova convenceu-a a inscrever-se.
Acção nas escolasÉ na escola que grande parte dos jovens comunistas decide juntar-se ao partido, muitos ainda ao nível do ensino secundário, quando tomam "contacto com a realidade". Referem problemas como o valor das propinas no ensino superior ou a falta de material escolar, a educação sexual e os exames nacionais e identificam-se com as propostas da JCP, organização que sentem que pode ajudá-los.
"A nível da faculdade, se existe, por exemplo, um problema concreto sobre a falta de sala de aulas, a JCP intervém. Algumas juventudes partidárias também se preocupam com isso e dizem estar do nosso lado. Mas a JCP tenta fazer alguma coisa", exemplifica Ana Rita Governo, uma jovem de Torres Vedras, que considera a JCP "a juventude partidária mais consequente", um dos motivos que a levou a aderir.
A JCP realizou acções junto de todas as escolas dos jovens com quem o PÚBLICO falou e foi mesmo a juventude partidária mais visível, ou até a única. Não foram decisivas, dizem, apenas facilitaram o contacto, porque a identificação com o partido já existia.
Uma questão hereditária"É uma coisa que circula na família, que temos cá por casa", diz, por seu turno, Tiago Martins. Foi "recrutado" na escola por dois colegas, depois de ter posto, por iniciativa própria, "muita gente na rua" numa manifestação de estudantes do ensino secundário. "Acredito que já estavam de olho em mim. Acho que viram que tinha os ideais, mas pensaram que podia ser apenas passageiro e deram-me uma chance de mostrar que não era", conta Tiago. Uma situação que o deixou "orgulhoso", confessa.
Destes dez jovens, oito têm familiares militantes ou com ideais de esquerda. Ressalvam que não foram obrigados. "É uma decisão muito pessoal, sem influência dos pais. Até nisso somos bastante democráticos", diz Ricardo Brites, militante do PCP há dez anos - na época nem deu pela existência do BE. "Isto não é como ser de um clube de futebol, porque os pais são, porque ganha sempre ou porque é o clube que tem mais gente. É uma questão de ideologia", reforça. Com os pais participaram em eventos do partido, como a Festa do Avante!, desde muito novos e admitem que "o meio tem sempre alguma influência".
Outros nem são opçãoQuestionados sobre se chegaram a ponderar juntar-se a outro partido, respondem impreterivelmente que não: a JCP é diferente de todas as juventudes partidárias; o PCP é o único partido com o qual se identificam. E o Bloco de Esquerda? Consideram que são partidos muito diferentes e que nunca foi uma opção. Eles, comunistas, defendem que são marxistas-leninistas; já o BE é "uma quantidade de ideologias, que não se entendem entre eles". Quando não o acusam da falta delas, de projecto, de coerência e de ser um "partido de momentos".
Ricardo Catarro, electricista de Faro, comenta o estereótipo: "O Bloco quer fazer-se passar por partido alternativo, jovem e moderno. Mas não é." "Não se poderá dizer que o PCP é jovem, porque faz agora 90 anos", condescende. "Mas é moderno; não é nada conservador."
"O nosso partido é dos mais transversais nas faixas etárias. Preocupamo-nos com a sociedade como um todo", diz Catarina Albuquerque, que se inscreveu na juventude ainda na escola secundária, quando "terminou a pesquisa" sobre o marxismo-leninismo. Faz o seu papel na JCP, para "melhorar o país".
Também Ana Sousa, do Porto, conta que viu nos comunistas mais novos "um utensílio" para a sua luta. Por enquanto, a acção delas está principalmente centrada na juventude comunista, "que é para os jovens", como afirma Carolina Rocha, de 16 anos, há dois na JCP. Mas mais tarde, "seguindo um caminho lógico", farão parte dessa luta do PCP "dos adultos".
Noventa anos depois: a luta continua para os jovens comunistasPara o futuro prevêem-se novos desafios, mas o "objectivo último será o mesmo", asseguram os jovens do Partido Comunista Português. Garantem que é fundamental um partido como o PCP: "Passados 90 anos há uma confirmação histórica da necessidade de um partido como este." Especialmente relevante na situação actual, à qual tecem fortes críticas.
"O objectivo é continuar a luta contra as políticas de direita, os sucessivos PEC (Plano de Estabilidade e Crescimento), os cortes nos salários dos trabalhadores, o aumento das horas de trabalho, o trabalho precário, o desemprego.
Recentemente o PSD veio ameaçar apresentar novos projectos de lei que aumentam a precariedade, como solução para a crise que vivemos", comenta, preocupado, João Pedro Luna, militante de base do partido. E recupera as bandeiras de Francisco Lopes na campanha presidencial: é preciso apostar na produção nacional, diz, "para sermos menos dependentes, deixarmos de ser cobaias da União Europeia e libertarmo-nos das influências dos lobbies".
Sentem que é com o seu partido que podem contribuir para a mudança. "Ainda hoje o PCP é o único partido que defende a classe dos trabalhadores", diz João Oliveira, um jovem que se filiou no partido antes do pai. É de Ourém, "uma terra tradicionalmente de empresários e de direita".
Considera que, "quando não se sente as dificuldades na pele, é mais difícil ser-se solidário". Admite que a crise actual pode propiciar esse sentimento. Alerta que a crise está a afectar muitas famílias: ficou espantado com a quantidade de colegas na Faculdade de Direito, que considerava terem uma boa situação económica, que não conseguiram pagar as propinas. Mas preocupa-o a resignação da população, expressa na elevada abstenção registada nas últimas presidenciais.
Também Rita Governo diz ser necessário incentivar os jovens. "Hoje as coisas estão muito mascaradas. Talvez seja esse o maior desafio: é preciso fazer ver que as coisas estão relacionadas, que tudo está relacionado com a política. Se há problemas com as bolsas de estudo, alguém tem a responsabilidade, é preciso mostrar isso", alerta.
Foram os problemas que sentiram na escola que os levaram a escolher o PCP. "Eram os únicos que exigiam de uma maneira muito firme uma mudança na política educativa, o respeito e defesa pelos direitos dos estudantes", conta Rita Rato. Dedicam-se especialmente às questões da educação, mas através do partido têm uma visão global da sociedade.
"Hoje já não lutamos contra o salazarismo. Talvez contra o socratismo...", ironiza Tiago Martins, enquanto explica que os problemas actuais podem não ser exactamente iguais aos que marcaram décadas passadas do partido.
Mas o Partido Comunista Português vai manter-se "na vanguarda da luta pelos trabalhadores, junto dos mais desfavorecidos". Vai ser uma tarefa difícil, mas acreditam na força do partido. "Acho que o papel do PCP será crucial na intervenção, para que o povo veja assegurados os seus direitos e tenha uma vida melhor", diz Cátia Lapeiro, que veio viver para Lisboa para integrar o secretariado da direcção nacional da juventude comunista.