O Discurso do Rei e A Origem vencem Óscares "mais do mesmo"

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Colin Firth recebeu o prémio para Melhor Actor com GABRIEL BOUYS/AFP

Colin Firth, Natalie Portman, Christian Bale, Melissa Leo e A Rede Social foram outros dos triunfadores de uma cerimónia que não trouxe surpresas

É este o segredo de polichinelo da noite dos Óscares: quase todos os anos ficamos desiludidos, porque a cerimónia foi aborrecida, interminável ou desengraçada. Quase todos os anos achamos que os prémios foram previsíveis e desinteressantes - mas no ano a seguir, lá voltamos a ficar pregados ao televisor até às tantas da manhã para assistir à grande noite de glamour da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood. Talvez na expectativa de que aconteça alguma coisa de diferente - expectativa que, em 2011, voltou a ser defraudada.

Em todas as categorias principais da cerimónia de 2011, os vencedores foram precisamente aqueles que se anunciavam desde que as nomeações foram conhecidas, há um mês. O Discurso do Rei, de Tom Hooper, levou para casa as estatuetas de Melhor Filme, Realizador, Actor (Colin Firth) e Argumento Original (David Seidler).

Natalie Portman foi Melhor Actriz por Cisne Negro, de Darren Aronofsky, Melissa Leo e Christian Bale foram os melhores secundários por The Fighter - Último Round, de David O. Russell.

Aaron Sorkin, o argumentista da série Os Homens do Presidente e de Uma Questão de Honra, recebeu o Óscar de Argumento Adaptado por A Rede Social, realizado por David Fincher; e Toy Story 3, de Lee Unkrich, foi a Melhor Longa-Metragem de Animação, prémio que também se adivinhava à distância.

Os derrotados da noite

Os grandes derrotados da noite não tiveram surpresas: nem Indomável, o western dos irmãos Coen (cujo Este País não É para Velhos venceu em 2008), nem 127 Horas, o novo filme do realizador inglês Danny Boyle (vencedor em 2009 com Quem Quer Ser Milionário?), concretizaram nenhuma das suas nomeações (dez para Indomável, seis para 127 Horas), mas nenhum deles era apontado como favorito.

Cisne Negro ficou-se pelo prémio de Natalie Portman, e os dois outsiders da noite, Os Miúdos Estão Bem de Lisa Cholodenko e Despojos de Inverno de Debra Granik, também partiram de mãos a abanar.

Não se quer com isto dizer que não tenha havido uma ou outra surpresa, mas elas só são visíveis uma vez feita a contabilidade das 24 estatuetas entregues na madrugada de domingo para segunda-feira, no Kodak Theatre de Los Angeles, EUA.

Por exemplo: a divisão do mal pelas aldeias nas categorias técnicas, onde o principal vencedor foi A Origem, de Christopher Nolan, que recebeu quatro Óscares (Fotografia, Efeitos Visuais, Montagem de Som e Mistura de Som), mas onde não houve um único filme a agarrar todos os prémios (A Rede Social, O Lobisomem e Alice no País das Maravilhas foram os outros vencedores).

Ou ainda: a fraca "taxa de conversão" de O Discurso do Rei, que partia como grande favorito da noite, mas apenas recebeu quatro prémios em 12 possíveis (perdendo todas as categorias técnicas para que estava nomeado), sobretudo por comparação com A Origem, que recebeu quatro em oito estatuetas possíveis.

A prova de que "o mal" foi realmente dividido pelas aldeias está na ausência de um vencedor dominante. A seguir aos quatro Óscares de O Discurso do Rei e A Origem, estão os três de A Rede Social, durante bastante tempo o grande favorito: Argumento Adaptado, Banda Sonora Original (para Trent Reznor, dos Nine Inch Nails, e Atticus Ross) e Montagem.

Vêm depois, com duas estatuetas cada, The Fighter - Último Round, Alice no País das Maravilhas, de Tim Burton (Guarda-roupa e Cenografia), e Toy Story 3 (Longa-Metragem de Animação e Canção Original, para Randy Newman, de quem foi a 20.ª nomeação e apenas a segunda estatueta).

Premiar "na continuidade"

Inside Job - A Verdade da Crise, o documentário de Charles Ferguson sobre o crash económico, venceu também, sem surpresas, o Óscar de Melhor Documentário de Longa-Metragem numa das categorias mais fortes do ano (apresentada por Oprah Winfrey). Paradoxalmente, tratava-se do único filme "de estúdio" (distribuído pela Sony Classics) numa lista de produções maioritariamente independentes, onde muitos apostavam em Pinta a Parede!, o provocante documentário do street artist Banksy, como favorito.

Por contraste, numa lista particularmente fraca, o vencedor de Filme Estrangeiro foi o drama dinamarquês Num Mundo Melhor (com estreia prevista entre nós para Abril) - cuja realizadora, Susanne Bier, já trabalhou em Hollywood, dirigindo Halle Berry e Benicio del Toro em Tudo o Que Perdemos, e cujo filme Brothers foi refeito por Jim Sheridan como Entre Irmãos, com Tobey Maguire e Jake Gyllenhaal.

De certo modo, mesmo estes galardões aparentemente "secundários" apenas sublinham como a Academia opta sempre por premiar "na continuidade" em vez de "na ruptura", preferindo trabalho bem feito mas certinho, que encha o olho sem levantar ondas, em detrimento de propostas mais ousadas, artísticas ou radicais. Ou seja: a oeste, nada de novo - como, aliás, todos os anos.

Para o ano, vamos estar todos outra vez a resmungar que os Óscares foram o mesmo de sempre - mas vamos todos, outra vez, ficar pregados ao televisor até às tantas da manhã.

Cerimónia pouco cativante

A maior surpresa terá sido a pouco convincente cerimónia de entrega, bastante decepcionante, mesmo que razoavelmente despachada - três horas e pouco de duração.

Numa tentativa de fixar público mais jovem, a condução da noite foi entregue a Anne Hathaway e James Franco, mas o resultado foi desequilibrado, com a energia da actriz de O Amor É o Melhor Remédio a esbarrar na letargia e aparente desinteresse de Franco, o protagonista de 127 Horas e - como apontou correctamente a jornalista Alexandra Stanley, crítica de televisão do New York Times - ambos a perderem-se numa gala que de jovem só teve realmente a sua presença.

Acabou por ser na abertura às "redes sociais" e à Internet, com os bastidores da cerimónia a serem transmitidos online em directo no site oficial, que essa tentativa de rejuvenescimento terá sido mais visível, desviando, no entanto, a atenção do espectáculo em si, cujo habitual monólogo de abertura, inspirado por A Origem, inseriu os apresentadores (bem como Alec Baldwin e Morgan Freeman) em cenas dos dez filmes nomeados, e cuja montagem de homenagem às figuras falecidas durante 2010 correu ao som de Céline Dion interpretando a canção Smile de Charles Chaplin.

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