Parece que anda para aí gente a desmaiar e a sentir-se mal durante a projecção de "127 Horas". Não sabemos se é verdade ou invenção do departamento de publicidade da Fox. Mas não nos espantaríamos se fosse mesmo verdade que houvesse gente a sentir-se mal com o momento em que o braço de Aron Ralston vai à vida.
Não estamos a estragar o filme a ninguém a dizer isto porque "127 Horas" baseia-se no caso verídico de Aron Ralston, montanhista americano que ficou preso durante quase uma semana num canyon do Utah sem água nem comida, com o braço entalado entre uma pedra e a parede do desfiladeiro. E reside nessa premissa o desafio que Danny Boyle decidiu enfrentar após "Quem Quer Ser Bilionário?": fazer um filme quase minimalista, com um único cenário e uma única personagem que não sai desse cenário, e tentar sustentar o interesse do espectador durante hora e meia.
Boyle não podia ter escolhido melhor actor para o desafio - James Franco, que entre este filme e a sua criação de Allen Ginsberg em "Howl" teve um 2010 de ouro. Mas "127 Horas" decepciona porque o realizador inglês pareceu ter receio de confiar no seu actor e na sua história para transportarem por si só o espectador - e vá de sobrecarregar o filme de estilo, visões, imagens, desdobrando todo o manual dos efeitos de câmara e imagem como quem acha que é preciso encher o olho para o filme ganhar vida.
É um erro de julgamento que joga contra a entrega do actor, contra a tensão do cenário, procurando constantemente sossegar-nos quanto à salvação "in extremis" do nosso herói. Porque é, de facto, num herói que Boyle transforma Ralston, apesar da própria performance de Franco (ver a sequência da alucinação do programa televisivo) e do modo como a personagem está escrita nunca o confirmarem. Essa hagiografia é o que acaba por perder o filme e desperdiçar a entrega de Franco num objecto barroco, pontualmente grotesco, que se inscreve sem problemas na linhagem veloz do cinema de Boyle mas sugere que o seu virtuosismo visual atingiu um ponto de piloto automático.