Caravaggio: génio criminoso
Documentos inéditos, expostos em Roma, confirmam Caravaggio como um homem conflituoso e perigoso
Depois das dúvidas históricas, as certezas. Caravaggio, o mestre italiano da pintura, terá, de facto, assassinado um homem e foi especialista em arranjar problemas com a polícia.
Quatrocentos anos depois da morte, uma exposição dos Arquivos Nacionais de Roma - até dia 15 de Maio - apresenta documentos inéditos, incluindo registos criminais que confirmam o pior do tumultuoso percurso de Caravaggio em finais do século XVI e início do século XVII. Dizem que por detrás da atenção sensível aos pormenores revelada pela pintura do mestre do barroco estava um homem perigoso.
Segundo estes documentos, foi em Maio de 1606 que o pintor matou Ranuccio Tommassoni. A luta entre os dois terá sido um ajuste de contas entre grupos rivais. Os mesmos documentos, escritos à mão e cuidadosamente guardados nos arquivos nacionais durante o Renascimento e séculos seguintes, confirmam ainda que foi depois do assassinato que Caravaggio fugiu de Roma.
"São documentos muito importantes porque vêm reescrever parte da sua biografia", disse à Rome Reports Eugenio Losardo, responsável pela exposição.
Um homem facilmente irritável, à procura de conflitos, e que andava pelas ruas de Roma a perturbar a ordem pública com armas (facas, espadas e mesmo pistolas), sem para isso ter autorização - é como a polícia da altura descreve o pintor. As vítimas dos duelos em que se envolvia foram aumentando e os processos judiciais multiplicaram-se, ou por arranjar conflitos com a própria polícia, ou por atirar um prato de alcachofras à cara de um empregado num restaurante ou por apedrejar a janela da sua senhoria depois de esta apresentar queixa contra Caravaggio, que tinha feito buracos enormes no tecto para que os seus quadros coubessem dentro do apartamento onde vivia. Muitas foram as histórias que levaram Caravaggio ao banco dos réus. Agora, os registos contam pormenores.
"Eram cinco da tarde quando Caravaggio e mais duas pessoas comiam no restaurante onde trabalho. Eu trouxe-lhes oito alcachofras, quatro cozinhadas em manteiga e quatro fritas em óleo. Ele perguntou-me quais eram quais e eu disse-lhe para cheirá-las e facilmente perceberia a diferença. Ele não gostou, ficou irritado e atirou-me o prato à cara, aleijando-me", contou à polícia Pietro Antonio de Fosaccia, conforme escrito no documento a 26 Abril de 1604.
Depois da morte de Tommassoni, o pintor acabou por fugir para Malta e depois para a Sicília, onde fez muitos dos seus famosos trabalhos, conseguindo assim apoio para a estadia.
Caravaggio acabaria por voltar a Roma na esperança de que os seus poderosos amigos lhe tivessem conseguido um perdão pelos crimes cometidos, incluindo a pena de morte sentenciada pelo Papa Paulo V. Nunca aconteceu.
Os documentos trazem ainda novos dados sobre a morte do artista em Julho de 1610, em Porto Ercole, a norte de Roma. Ao contrário do que dizem as biografias e do que se pensava ter ficado provado em Junho do ano passado, quando se encontraram ossaturas que se acreditou serem de Caravaggio, o pintor poderá, afinal, não ter morrido sozinho numa praia, enquanto fugia à polícia. Segundo a documentação agora revelada, poderá ter morrido numa cama de hospital. Tinha 38 anos.