Quando os chineses acordarem...
A China é desde ontem a segunda economia do mundo. Mas a sua população ainda é pobre
Há quase 200 anos, em 1816, Napoleão Bonaparte afirmou que a China não estava condenada à decadência . "Quando a China acordar, o mundo tremerá", disse. Muitos anos depois, em 1973, o escritor francês Alain Peyrefitte recuperou a frase de Napoleão para título de um livro célebre, onde profetizava que os chineses, por serem tantos, acabariam inevitavelmente por dominar o mundo. Ora, o Império do Meio é, desde ontem, a segunda maior economia do mundo. Ultrapassou a do Japão e os profetas dividem-se sobre quanto tempo demorará a alcançar a economia americana. Alguns dizem uma década, outros duas, apesar de a economia dos Estados Unidos ser três vezes maior do que a chinesa.
Nos anos 1970, a China ainda era governada por Mao Tsetung e o casamento do comunismo com o capitalismo que a tornou poderosa era imprevisível. O mundo olhava sim para o Japão, que desde o final da década de 1960 se tornara a segunda economia do planeta. Durante os anos 1980, o Japão simbolizava a ameaça económica da Ásia e deixava os americanos inseguros. Mas os japoneses entraram em crise nos anos 1990. A estagnação do Japão provou que às vezes as profecias são um bocado exageradas. Se o milagre japonês acabou por emperrar a meio da escalada, o mesmo não poderá acontecer ao milagre chinês? A China é grande por ser numerosa, profetizava Peyrefitte e demonstram os economistas. Essa grandeza é ao mesmo tempo a fraqueza do gigante asiático. É uma economia poderosa, mas os seus habitantes são pobres. Portanto, se a China já acordou, o que falta saber é o que acontecerá quando os chineses acordarem. Nesse dia, a China tremerá.
Medicamentos, poupança e perigo
Os portugueses estão a comprar menos medicamentos e os dados sobre as quebras no mercado do sector obrigam a interrogar o rumo das políticas públicas da Saúde decididas nos últimos meses. Se a notícia de uma poupança de 19 por cento nas despesas do SNS com medicamentos é em tese boa para o país, convém saber exactamente que quota-parte dessa descida se deve ao facto de muitos cidadãos terem deixado de poder comprar os remédios que lhes foram prescritos. Dizer, como diz o Ministério da Saúde, que em causa estão apenas poupanças com a baixa dos preços é pouco, até porque há dados complementares das farmácias e de consultores que indicam que há, de facto, uma redução efectiva da venda de medicamentos. Para podermos julgar o que está em causa, o Governo tem o dever de disponibilizar todas as informações que tem na sua posse para que se perceba se em causa está um processo de poupança racional ou também a exclusão dos mais pobres do mercado dos remédios. Se as conclusões forem pela primeira possibilidade, sobram razões para congratulação; se houver um único cidadão que não toma os medicamentos que devia por falta de rendimento capaz de os pagar, estaremos a tolerar um recuo civilizacional inaceitável.