Ao 18.º dia o faraó caiu
A fúria de quinta-feira, dia em que Mubarak falou aos egípcios para dizer que não ia abandonar o seu cargo, apesar de anunciar uma série de cedências, foi substituída por uma explosão de alegria em todo o Egipto.
Nas ruas do Cairo, Alexandria, Suez e de muitas outras cidades egípcias já estavam milhões de pessoas que depois das orações começaram a desfilar, voltando a gritar “Vai-te! Vai-te!”.
Milhares juntaram-se à frente do Palácio Presidencial, mais milhares à porta do edifício da televisão estatal. Os militares que protegiam ambas as instalações mantiveram as suas posições, sem hostilizar os manifestantes. Há mesmo notícias de confraternização e gestos de solidariedade para com aqueles que gritavam “Nem Mubarak, nem Suleiman!”.
No país circulava a notícia de que Mubarak e a família tinham abandonado a capital e viajado para Sharm el-Sheikh, a estância turística do Mar Vermelho. Muitos pressentem “um bom sinal”. Pouco depois a televisão estatal anuncia para breve um “comunicado importante e urgente” da presidência egípcia.
E o comunicado surge ao cair da noite no Cairo: “Em nome de Deus, o misericordioso, cidadãos, durante as difíceis circunstâncias que o Egipto atravessa, o Presidente Hosni Mubarak decidiu deixar o cargo de Presidente e encarregou o Conselho Supremo das Forças Armadas de administrar o país. Que Deus ajude toda a gente”, afirmou o vice-presidente, Omar Suleiman, na curta declaração transmitida na televisão estatal.
O país explode de alegria. Na praça Tahrir, filmada em directo pelas televisões, o barulho da vitória é ensurdecedor. “No Cairo, os condutores estão a buzinar, há disparos de tiros para o ar”, contou o correspondente da BBC Jon Leyne na capital egípcia. Havia pessoas aos saltos: “Temos um ex-Presidente!”, gritam. “Conseguimos!”.
“Este é o melhor dia da minha vida”, reage o opositor Mohamed ElBaradei. “O país foi libertado depois de décadas de repressão”. Agora, o Nobel da Paz espera uma “bonita” transição de poder.
Por seu lado, a Irmandade Muçulmana saúda o “grande povo do Egipto e o seu combate”. Issam el-Aryan, porta-voz da maior força da oposição, banida mas tolerada no regime de Mubarak, disse que a Irmandade “celebra o momento e segue o caminho”.
“Consenso nacional” – é este o apelo de Amr Moussa, secretário-geral da Liga Árabe e ex-ministro egípcio dos Negócios Estrangeiros, face à “mudança histórica” trazida com a renúncia do Presidente Hosni Mubarak. Moussa surgiu nesta revolução como uma das figuras que poderá assegurar a liderança de um eventual governo de transição e não descartou a possibilidade de ser candidato à presidência.
Em comunicado, o Exército diz que vai anunciar medidas para uma fase de transição após a queda do Presidente demissionário. Depois de “saudar os mártires” que morreram na revolução, os militares garantem não se vão substituir à “legitimidade desejada pelo povo”.
O Conselho Superior das Forças Armadas declara, no comunicado, que o Exército vai “definir os passos que vão ser seguidos”, sublinhando ao mesmo tempo que não há outro caminho em frente para além do legítimo “a que as pessoas aspiram”.
“O comunicado militar é óptimo”, escreve no Twitter Wael Ghonim, o executivo da Google que se tornou uma figura-chave dos protestos. “Confio no nosso Exército.”
O ministro da Defesa saúda a multidão em frente ao palácio presidencial no Cairo. Mohamed Hussein Tantawi é, segundo fonte militar, o chefe do Conselho Superior das Forças Armadas, a quem Mubarak passou o poder. De Suleiman e de outras figuras do Partido Nacional Democrático não há sinal.
Mubarak partiu, mas durante a noite eram muitos os analistas que faziam a mesma pergunta: e os militares, também vão largar o poder que controlam há quase 60 anos?
Na rua, a festa continuou.