As ostras que se comem em Paris são made in ria de Alvor
A criação de bivalves tornou-se numa saída para pescadores sem trabalho e empreendedores portugueses que souberam pôr a paisagem a dar dinheiro, desta vez sem a destruir
a O Algarve está cheio de património natural de interesse. O Parque Natural da Ria Formosa estende-se desde o Ancão (Quinta do Lago, Loulé) até Cacela Velha (Vila Real de Santo António). Toda a costa vicentina, com destaque para o promontório de Sagres e as três serras principais da região - Caldeirão, onde se encontram aldeias tradicionais com alguma vida, Monchique e Espinhaço de Cão -, faz parte desse roteiro natural do Algarve. Entre o litoral e a serra há ainda toda a zona do barrocal, que acaba por funcionar como uma espécie de biombo que separa o Algarve cheio de turistas das paisagens de montanha, e que é por si só um valor natural importante. A cereja em cima do bolo pode ser a ria de Alvor, cuja zona ribeirinha foi requalificada.
A ria tornou-se pois apelativa para turistas e gente interessada em casas com boas vistas, mantendo, porém, valor económico para os locais. Um trunfo, portanto, que Portimão tirou do naipe e guardou na manga.
Manuel Papochicha, 73 anos, natural de Monchique, admira a zona ribeirinha de Alvor requalificada, que o convida a viajar no tempo: "Quando eu era moço, só se via por aqui miséria."
O local é a maternidade do importante património piscícola da zona. Papochinha aponta para a serra de Monchique, onde vive, e recorda que nasce lá, no ventre da montanha, a água de uma das ribeiras que alimenta este ecossistema classificado como Sítio de Interesse Comunitário integrado Rede Natura 2000.Lá fora, em França, um português promove as ostras do Algarve e até as vende mais caras do que aquelas que crescem nos viveiros da Bretanha ou Arcachon. A maior parte das toneladas de ostras que a ria de Alvor produz segue viagem para França, e é à mesa dos afamados restaurantes de Paris que se comem as "ostras Algarve".
A casca, de aspecto rendilhado, atrai o olhar e ao cheiro corresponde um paladar que conquistou consumidores fiéis. "A ria é uma riqueza", dizem pescadores e viveiristas, lamentando a falta de quem olhe para uma área que não serve apenas de emblema para vender apartamentos turísticos. Rui Ferreira exporta 150 toneladas de ostras por ano e diz ter condições para produzir muito mais. "Apresentei, em Novembro de 2009, um projecto para instalar um central depuradora na própria exploração. Ainda não me deram resposta."
Os sacos com a ostra-semente estão prontos a regressar ao viveiro. Rui Ferreira explica: "Temos de as tirar, de vez em quando, para verificar se umas não estão a atrofiar o crescimento da outras." Daqui por ano e meio, estes bivalves vão para França. "Tenho lá um cliente que mais comprava, se eu mais produzisse." Nos viveiros da Bretanha ou Arcachon, adianta, o crescimento das ostras é mais demorado, "praticamente o dobro" do que levam a fazer-se no Algarve.
Sebastião Beguilhas, um português que emigrou para França aos seis anos, é um "embaixador" dos mariscos portugueses na Europa. O empresário propôs, seguindo a tendência do mercado, instalar em sociedade com o viveirista uma central depuradora no vale da Lama - investimento avaliado entre 400 a 500 mil euros. O objectivo é criar as condições para que os mariscos possam sair de Portugal embalados e certificados, "cumprindo todas as regras de segurança alimentar".
Sebastião Beguilhas não é apenas comerciante de mariscos em regiões de França, também é produtor. As ostras que chegam do Sul de Portugal levam uma etiqueta, a marcar a diferença, "ostras Algarve", acompanhada de uma imagem da ria de Alvor.
E o preço, conta Rui Ferreira, "até é ligeiramente superior, porque são de melhor qualidade". Para responder à procura, o viveirista, no Algarve, começou a fazer "pequenas experiências" numa piscicultura, de 30 hectares, no Parchal, para também aí produzir bivalves. É que nesse local, justifica, já se tinha feito criação de ostras, "mas, de um dia para o outro, faltou o oxigénio, morreu tudo". No futuro, prevê intensificar a produção, "se houver condições" para que tal aconteça. Na época no Natal e Ano Novo, diz, vendeu ao cliente francês e futuro sócio 800 toneladas de ostras. Idálio Revez