O PÚBLICO, o Sporting e a liberdade de expressão

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O jornal pagou a indemnização, mas o TEDH condenou Portugal a pagar ao PÚBLICO os ? 75.000,00 pagos ao Sporting

A condenação de Portugal pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) no passado dia 7 de Dezembro, por violação da liberdade de expressão, no caso que opôs o jornal PÚBLICO e os seus jornalistas ao Sporting Clube de Portugal (SCP) foi devidamente divulgada na altura, mas valerá a pena lembrar o que se passou nos tribunais nacionais neste caso (Declaração de interesses: fui advogado dos jornalistas e do jornal PÚBLICO nas instâncias nacionais e internacionais).

No dia 22 de Fevereiro de 2001, o PÚBLICO publicou dois artigos da autoria dos jornalistas João Ramos de Almeida, José Mateus e António Arnaldo Mesquita que noticiavam a existência de dívidas fiscais de diversos clubes, nomeadamente uma de 460 milhões de escudos do Sporting, dívidas estas que não tinham sido incluídas no acordo de regularização das dívidas dos clubes de futebol ao fisco (Plano Mateus) e que tinham sido "descobertas" pelos jornalistas no âmbito de um aprofundado trabalho de investigação.

O Sporting, associação desportiva de utilidade pública, contactado previamente à publicação da notícia, negou a existência da dívida e, após a sua publicação, intentou uma acção judicial pedindo uma indemnização ao jornal PÚBLICO de cerca de ? 500.000,00 pelos danos morais que lhe tinham sido causados.

Em 15 de Abril de 2005, o tribunal da 1.ª instância absolveu os jornalistas e o jornal, dando como provado que um dos jornalistas tivera acesso, "sob sigilo, a um documento anexo a uma nota do gabinete do secretário de Estado dos Assuntos Fiscais que referia a existência de uma dívida fiscal do Sporting, (...) num montante próximo dos 600 milhões de escudos". Tal documento foi junto ao processo, tendo o tribunal considerado existir nas notícias em causa a "realização do interesse público legítimo de informar", o "cumprimento das exigências de verdade jornalística" e, ainda, não existir "qualquer registo sensacionalista, panfletário" nas mesmas. Mais considerou provado o tribunal que o jornalista João Ramos de Almeida "não tinha qualquer outro meio de confirmar a existência da dívida para além dos que recorreu, sendo certo que tinha tido acesso a um documento que indicava a existência de uma dívida fiscal do SCP até de valor superior" ao que constava na notícia. Para o tribunal de 1.ª instância, embora não se pudesse afirmar de forma definitiva a existência da dívida em causa, dúvidas não havia que os jornalistas tinham exercido de forma correcta o seu direito/dever de informar.

O Sporting recorreu, então, para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, em 19 de Setembro de 2006, confirmou a decisão da 1.ª instância, afirmando expressamente que, face aos factos dados como provados e ao direito aplicável, "não podia ser outro o resultado expresso da decisão proferida", merecendo, assim, a sentença de 1.ª instância a integral concordância do Tribunal da Relação de Lisboa.

Recorreu o Sporting para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) e aí encontrou quem estivesse disposto a punir o jornal PÚBLICO e os seus jornalistas: sem serem alterados os factos dados como provados, em 8 de Março de 2007, os jornalistas e o jornal foram condenados a pagar ao Sporting a quantia de ? 75.000,00 (a mais alta condenação nos tribunais portugueses por danos morais que conhecemos!). O STJ considerou que as eventuais dívidas fiscais de um clube com utilidade pública não tinham interesse público! Para o STJ, "o conflito concreto entre o direito de personalidade na vertente de crédito e bom nome de uma pessoa colectiva de utilidade pública e o de liberdade de informação através dos meios de comunicação social de massas" não podia deixar de ser resolvido em termos de prevalência do primeiro em relação ao último. Isto é, o bom nome fiscal do Sporting (como se os clubes portugueses ti- vessem uma imensa honra a proteger nesse campo...) era mais importante do que o direito de ter acesso à informação sobre tal matéria pelos portugueses. E se o clube tinha negado a existência da dívida, o que os jornalistas tinham a fazer era calarem-se.

Na altura, este acórdão provocou uma grande polémica em termos de opinião pública, tendo surgido publicamente em sua defesa e elogio o presidente do STJ, conselheiro Noronha Nascimento, que se notabilizou no nosso país por, entre outras coisas, defender a repressão da comunicação social através da aplicação de "indemnizações punitivas". Isto é, no caso de jornalistas ou órgãos de comunicação social serem condenados por violarem direitos de terceiros, devem não só indemnizar os terceiros pelos prejuízos que lhes causaram como, ainda, serem condenados a pagar uma indemnização que já não visa reparar os prejuízos, mas tão- somente punir o órgão de comunicação social . E as indemnizações punitivas deveriam ser pesadas, claro...

Uma tese que, a ser adoptada, conseguiria, muito provavelmente e em pouco tempo, silenciar uma boa parte dos jornais portugueses, por asfixia económica e pelo gravíssimo efeito intimidatório que evidentemente teria.

Mas, felizmente, existe um Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH), que, em relação ao nosso país, funciona como um verdadeiro Tribunal Constitucional.

O jornal PÚBLICO pagou a dita indemnização de ? 75.000,00 ao Sporting e apresentou queixa no TEDH por violação da liberdade de expressão, processo este que terminou em Dezembro passado, como é sabido, com a condenação do nosso país na obrigação de pagar ao PÚBLICO os ? 75.000,00 que este tinha pago ao Sporting, mais as despesas do processo. Portugal foi condenado, e com esta condenação foi exemplarmente desautorizada a concepção serôdia e antidemocrática da liberdade de expressão perfilhada pelo acórdão do STJ. Advogado (ftmota@netcabo pt)

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