Se houve actriz emblemática dos limites que o cinema forçou na década de 1970, ela foi Maria Schneider, falecida hoje, de cancro, aos 58 anos de idade. A actriz francesa contracenou com Marlon Brando no controverso "O Último Tango em Paris", o filme de Bernardo Bertolucci que dividiu crítica e público e se tornou num fenómeno global à sua estreia em 1972. A história de um affaire sexual entre dois desconhecidos num apartamento parisiense, com momentos de nudez frontal e várias cenas de sexo explícito (entre as quais a célebre "cena da manteiga", alegadamente improvisada durante a rodagem por iniciativa de Brando), causou escândalo e foi vista por não pouca gente como um filme "pornográfico". Em Portugal, o filme foi proibido pela censura e apenas estreou após o 25 de Abril, criando longas filas à porta do cinema São Jorge.
Não por acaso, "O Último Tango em Paris" data do mesmo ano do fenómeno Garganta Funda, que parecia reflectir a nova liberdade artística e social que pontuava a década. No entanto, tal como Linda Lovelace, a vedeta de Garganta Funda, Maria Schneider, que se assumiria bissexual em 1974, foi tanto emblema como vítima dessa década de excessos, incapaz de construir uma carreira para lá do papel-charneira que a lançara.
Apesar de ter já participado em alguns filmes, estreando-se em 1970 em "Madly", de Roger Kahane, ao lado de Alain Delon e Mireille Darc, Schneider (que assumiu o apelido da mãe, Marie-Christine Schneider, e não do pai, o actor Daniel Gélin) trabalhara essencialmente como modelo. Tinha apenas 19 anos quando rodou "O Último Tango em Paris", substituindo Dominique Sanda, para quem Bertolucci concebera o filme mas que engravidara entretanto.
Mais tarde, a actriz renegaria o filme, considerando-o o grande erro da sua vida. Em várias entrevistas, afirmaria que Bertolucci, "um bandido e um chulo", se aproveitara dela e de Brando. O jornal The Guardian cita-a dizendo que "nunca se deve tirar a roupa para um homem de meia-idade que diz que está a filmar arte"; o realizador italiano responderia que ela era demasiado jovem para ter a noção do que realmente se passara no plateau. Daí para a frente, Schneider recusar-se-ia a filmar cenas de nu, perturbada por não ser vista como uma actriz séria mas apenas como um símbolo sexual.
Na sequência do seu abandono das rodagens de "Calígula", de Tinto Brass, em 1976, para dar entrada num hospital psiquiátrico, de problemas com droga e de uma tentativa de suicídio, qualquer embalo que a sua carreira tivesse ganho com a sua participação em "Profissão: Repórter" (1975), de Michelangelo Antonioni, foi totalmente perdido. Ao longo dos anos que se seguiram, Maria Schneider continuou a trabalhar irregularmente em papéis pequenos e produções maioritariamente europeias, a mais notória das quais "Noites Bravas" (1992) de Cyril Collard. O seu último filme foi "Cliente" (2008), de Josiane Balasko.