Quando publicou "A Single Man", o seu romance preferido, Christopher Isherwood (1904-1986), radicado nos Estados Unidos desde 1939, estava longe de ser um autor popular. Nem "Prater Violet" (1945), romance sobre a apatia dos austríacos face ao Anschluss nazi, fez dele um caso de sucesso. Seria preciso esperar pelo filme de Tom Ford, que levou Colin Firth ao Leão de Ouro, para que isso acontecesse.
Publicado em 1964, o livro conta a história de George Falconer, o professor que perde o amante num desastre de carro no Ohio. Público e crítica foram unânimes. Gore Vidal, Stephen Spender e Anthony Burgess roçaram o ditirambo. E 30 anos mais tarde Edmund White escreveu em "The Burning Library" (1994) que o livro prenuncia o movimento de emancipação gay. Sugiro a leitura atenta do trecho da página 42 que envolve Russ Dreyer, Tom Kugelman e "Finnegans Wake". O mesmo se diga da partida de ténis da página 45, mas aí estamos no domínio do ululante: "Este jogo é cruel, mas a sua crueldade é sensual e mergulha George numa grande excitação. [...] George agradece do fundo do coração a estes animais jovens a sua beleza."
Ponto prévio: "Um Homem Singular" é um livro anómalo na obra do autor. Trio com piano (como na música de câmara) parece-me uma designação adequada à tessitura narrativa. Tudo o distingue da obra precedente. Do ponto de vista político, Isherwood faz tábua rasa dos ideais marxistas dos anos 30. Nada a ver com os dramas em verso que compôs em parceria com W.H. Auden, entre eles o celebrado "The Dog Beneath the Skin" (1935). O mesmo se diga do período berlinense, época de "Mr. Norris Changes Trains" (1935) e "Goodbye to Berlin" (1939), novelas que deram origem a "Cabaret", o filme de Bob Fosse. Também não era ainda o tempo dos Upanixades, filosofia vedanta e restante tralha hippie, fase iniciada em 1967 com "Encontro à beira do rio".
Escrito durante um período crítico da relação com Don Bachardy, seu companheiro até ao fim da vida, "Um Homem Singular" expõe com amargura (isenta de auto-complacência) a consciência de Isherwood face à geral discriminação identitária. A tal respeito, a figura de Mrs. Strunk, mulher "treinada na nova tolerância, na técnica do aniquilamento pela brandura", é deveras eloquente. Afinal, ela o diz, "os gregos existiram". Parágrafo após parágrafo, a mordacidade atinge assinaláveis níveis de corrosão.
A acção decorre em 1962, ano em que poucos duvidam de que os mísseis russos instalados em Cuba sejam uma ameaça ao "reino do bem-estar sobre a Terra". A extrema-direita americana conspira contra Kennedy na John Birch Society. A maioria silenciosa teme o indizível, i.e., o comunismo. George está sozinho porque Jim morreu. Os vizinhos não sabem, julgam que foi ver a família e decidiu não voltar. Charley é a única que sabe.
Salvo quando se trata de Kenny, os diálogos estão reduzidos ao indispensável. De resto, sem prejuízo da agilidade discursiva, o narrador conduz a intriga por interposto monólogo. O relato do trajecto automóvel entre casa e a universidade, com George sob uma torrente de pensamentos "na base da culpa por associação", é um exemplo de grande literatura. Virtuosismo é a palavra certa: isso é tão nítido nas apreciações de alunos e vizinhos como na prodigiosa explicação de quem é Titono.
Se pensarmos nos contos de John Cheever ou na poesia de William Carlos Williams, e podia citar outros, verificamos como a ficção e a poesia americana do século XX fazem dos "subúrbios" algo mais que um detalhe geográfico. Na realidade, configuram padrões de sobrevivência associados aos valores morais da classe média. Nos subúrbios todos são co-proprietários da "utopia americana". George Falconer não tem ilusões acerca do arremedo de "aldeia inglesa subtropical" onde vive. Ali, antes da grande mudança, era possível "pintar um pouco, escrever um pouco e beber muito". Agora não: "Procriação e boémia não são para misturar. Para se procriar é necessário um emprego estável, uma hipoteca, crédito, seguros." Em Comphor Tree Lane, a sua rua, existe mesmo uma zona delimitada para crianças. George vive literalmente cercado pelos "rebentos" dos vizinhos, contra os quais em vão esbraceja e ruge. Ao contrário, Jim tinha paciência com eles, mas Jim morreu. E Kenny não o pode substituir.
Por último, mas não em último, sublinhar os "escrúpulos" especificamente britânicos que pontuam este livro apesar de tudo americano.