Marine le Pen: ei-la que chega

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Marine l e Pen bate-se por "desdiabolizar" a FN, fundada pelo seu pai em 1972 FRED DUFOUR/afp

Na família Le Pen, Marine é mais perigosa do que Jean-Marie, diz Bernard-Henri Lévy. Inventou uma "extrema-direita de rosto humano", que faz crescer a simpatia dos franceses pelas ideias da Frente Nacional. Deverá hoje suceder ao pai.

Os franceses conheceram Marine le Pen na noite de 5 de Maio de 2002, quando ela os surpreendeu nos ecrãs da televisão encarnando o inverso da imagem do pai: feminina, ponderada e calma, sem excessos nem provocações. Comentava o resultado final da única eleição presidencial em que Jean-Marie le Pen acedeu à segunda volta, com 16,9 por cento. Hoje, é um dos políticos mais populares de França, com 27 por cento de opiniões favoráveis, algo que Jean-Marie le Pen nunca alcançou.

Um inquérito TNS-Sofres, feito já em Janeiro, é mais preciso. Para 46 por cento dos franceses, Marine é "a representante de uma extrema-direita nacionalista e xenófoba"; para 37, é "representante de uma direita patriota e fiel aos valores tradicionais".

Ela "inventou esta extrema-direita de rosto mais humano que desautoriza as diatribes do velho chefe", resumiu o filósofo Bernard-Henri Lévy. "Na família Le Pen, Marine é mais perigosa do que Jean-Marie."

O politólogo Alain Duhamel concorda: "Ela é infelizmente uma mulher inteligente, combativa, muito eficaz na rádio e na televisão, segura de si e das suas intuições, com uma postura incomparável. De facto, é ainda mais perigosa do que o pai."

Porquê? Marine bate-se por "desdiabolizar" a Frente Nacional (FN), fundada por Jean-Marie le Pen em 1972. Não abdica das ideias, reformula-as; e propõe-se mudar de estratégia, de modo a transformar a FN de partido tribunício ou de protesto em partido de vocação governamental. Quer mudar o xadrez político da direita. Delírio? Um conselheiro do Eliseu - isto é, de Nicolas Sarkozy - disse em Setembro ao diário Le Parisien que, até ao fim da década, Marine le Pen estará no governo.

Em 2007, adoptando alguns dos grandes temas de Le Pen, Sarkozy recuperou quase metade do seu eleitorado. Hoje, Marine garante que foi uma vitória de Pirro: o Presidente acabou por legitimar os temas "malditos" da FN - imigração, islão, segurança, identidade nacional. E exibe um trunfo: um inquérito do IFOP, realizado em Dezembro, indica que 54 por cento dos simpatizantes do partido governamental - União para um Movimento Popular (UMP) - concordam com as suas ideias sobre os muçulmanos.

Três filhas

É uma casa de mulheres num partido "macho". Le Pen tem três filhas do primeiro casamento, com Pierrette Lalane. A mais velha, Marie-Caroline, foi a favorita, conselheira íntima e exercendo importantes responsabilidades na FN. Entrou em ruptura em 1999, quando apoiou a cisão de Bruno Mégret, a estrela ascendente do partido que entendeu ser a altura de renovar a FN e reformar Le Pen. A aventura acabou em fiasco. Marie-Caroline, após uma efémera carreira como autarca, abandonou a política.

A segunda, Yann, foi casada com uma das vedetas do partido, Samuel Maréchal, "o senhor genro" que também entrou em dissidência em 1999. Divorciaram-se. Yann, diz Marine, é a "noctívaga" da família. A sua filha, Marion Maréchal le Pen, acaba de entrar estrondosamente na política, na FN evidentemente.

Terceira filha, Marine - de nome oficial Marion Anne Perrine le Pen - nasceu em 1968. Estudou Direito e advogou alguns anos. Entrou na política aos 18, na organização estudantil da FN, e travou a primeira batalha eleitoral aos 24. Conquistou o primeiro mandato político na região do Pas-de-Calais, região sinistrada das antigas minas de carvão, onde estabelecerá o seu feudo eleitoral. Nas legislativas de Junho de 2002, obtém um resultado recorde no Pas-de-Calais: 24,2 por cento. É eurodeputada.

Dois casamentos, dois divórcios, três filhos. Vive com eles e um novo companheiro. Uma sua biografia - Le Pen fille & père - escrita pela jornalista Christiane Chombeau descreve-a como uma mulher alegre, simpática, moderna, bonne vivante. "Em privado é sensível, mas também capaz de ser autoritária." Procura dar de si uma imagem de respeitabilidade. Ao mesmo tempo vitimiza-se, dizendo quão duro lhe foi na adolescência ostentar o estigma do nome Le Pen.

Não lhe falta o killer instinct: demonstrou-o com zelo na depuração dos dissidentes de 1999, de Bruno Mégret à rival Marie-Caroline. Ou na recente tentativa de linchamento do ministro da Cultura, Fréderic Mitterrand. Em Outubro de 2009, num programa de televisão, exigiu a sua demissão. Em tom frio e "indignado", leu e releu uma passagem do livro semiautobiográfico do ministro - La Mauvaise Vie - em que ele narra cenas fantasmáticas de turismo sexual ou prostituição infantil. Era uma insinuação de pedofilia.

O golpe baixo não foi um acto falhado: era uma calculada mensagem ao eleitorado conservador de Sarkozy, no momento em que a pedofilia se tornara questão ultra-sensível. "Tem a intuição política que lhe permite discernir o campo em que se abre uma janela de vulnerabilidade. Demonstrou um instinto de caçador, o gosto pelo sangue e o prazer de ferir ou abater", comentou o Libération.

Para a mãe, "Marine é um clone do pai." Ambos têm "a mesma aproximação quase animal da política", diz a biógrafa. Ambos gostam de rir, cantar e mover multidões: "Ele nos comícios, ela nos estúdios."

Clone, mas independente. Marine defende ortodoxamente a pena de morte. Mas num partido misógino, ultraconservador e antifeminista, opõe-se à revogação da lei Veil sobre o aborto e aprova o Pacs (a união civil entre pessoas do mesmo sexo ou sexo diferente).

Chamaram-lhe "Gianfranca Fini", em alusão ao político italiano que transformou o neofascista Movimento Social Italiano numa formação conservadora, democrática e antifascista. De momento, Marine não terá esse desígnio. Não gosta do termo "extrema-direita": quer tornar respeitável a FN para impor os seus temas. Nos anos 1980, o ministro socialista Roger Badinter denunciou a "lepenização dos espíritos". Hoje, Marine propõe-se exactamente "lepenizar os espíritos" franceses, como condição para aceder à área governamental.

A sucessão

A sucessão de Le Pen decide-se hoje, no Congresso de Tours. O resultado da votação para a presidência e para o comité central (já efectuada por correspondência) será anunciado ao fim da manhã. Diga-se que é a primeira vez que há uma eleição na FN: até agora, Le Pen era eleito por aclamação.

Estão em confronto dois nomes: Marine, 42 anos, e Bruno Gollnisch, 60. Este, que representa a ortodoxia do lepenismo, tem o apoio da velha guarda. Se a esmagadora maioria dos simpatizantes apoia Marine, os militantes têm simpatia por Gollnisch.

A divergência é estratégica e não apenas de estilo pessoal. Fundamentalmente, Gollnisch diz querer "unificar, reunir e alargar a família nacional", encostando-se aos radicais de extrema-direita e aos católicos integristas. Marine quer alargar o eleitorado, deslocando as prioridades para o terreno social e denunciando os malefícios da globalização; e, por outro lado, substituir o alvo "imigrante" pelo alvo "islâmico", numa perspectiva pós-11 de Setembro, na onda da islamofobia que se espalha na Europa. Ele aparece como "antigo", ela como "moderna". Ele como "nacional-católico (integrista)", ela como "nacional-populista" (Le Monde).

Em Setembro, os jornalistas conhecedores da FN davam vantagem a Gollnisch, dada a sua absoluta fidelidade à doutrina de sempre. Marine foi a estratega da campanha presidencial de Le Pen em 2007, convencendo-o a moderar o discurso e a assumir os "valores da República e da laicidade" - uma novidade. Perante a derrota, os amigos de Gollnisch atiraram-lhe à cara: para que serve a "desdiabolização" senão para perder votos e descaracterizar o partido?

A dinâmica mediática de Marine inverteu a situação. As sondagens atribuem-lhe 14 por cento de intenções de voto para as presidenciais de 2012. Os aderentes vão não apenas votar num líder mas no seu candidato ao Eliseu. Gollnisch apenas seduz dois por cento dos franceses e quatro por cento dos eleitores da direita clássica.

O futuro da FN, que em 2007 parecia condenada ao definhamento, joga-se nas presidenciais e nas legislativas de 2012. O próprio Jean-Marie le Pen o explica: "Há uma oportunidade, diria mesmo uma possibilidade de que o candidato nacional obtenha um sucesso notável, não apenas na primeira volta, mas até na segunda."

Desejou um "bom resultado" ao fiel Gollnisch, seu antigo herdeiro oficial, e exprimiu a vontade de vitória da filha. O fundador parece acreditar que só ela, portadora do nome Le Pen e de uma nova estratégia, poderá assegurar a sobrevivência do partido. Disse sibilinamente: "Eu tive de abrir um caminho na selva com um buldozzer."

A prece na rua

Em vésperas de os aderentes começarem a votar, Marine deu dois golpes via televisão. No dia 9 de Dezembro, num debate com Alain Duhamel e a ex-ministra Rachida Dati, aproveitou para clarificar a "desdiabolização" da FN. Interrogada pela jornalista de France 2, não fugiu a nenhuma questão sobre as posições do partido e do pai: nazismo, anti-semitismo, racismo, negacionismo.

"É meu pai, mas ele é ele, eu sou eu. Não somos da mesma época, não vivemos as mesmas coisas, sou de outra geração e, para mim, sem sombra de dúvida, o nazismo é uma abominação e se for presidente do partido separar-me-ei dos derradeiros aleijados da extrema-direita."

Paralelamente, reorienta as prioridades para o terreno social e para o "patriotismo económico", dirigindo-se ao eleitorado popular. O desemprego é maciço, a desindustrialização prossegue, o comércio externo está em crise - diz. A crise económica cria um terreno de eleição para a denúncia da globalização e a proposta de saída do euro. A mensagem é: as actuais elites políticas são incompetentes.

No dia seguinte, sempre na televisão, denunciou as preces dos muçulmanos nas ruas. "Estou desolada com os que tanto gostam de falar da II Guerra Mundial, mas isto é uma ocupação, uma ocupação de território. (...) Uma ocupação de pedaços de território, de bairros em que se aplica a lei religiosa. Não há certamente blindados, não há soldados, mas é uma ocupação e pesa sobre os habitantes."

É a primeira vez que a FN insinua uma comparação entre a imigração islâmica e a invasão nazi. Desencadeou um tsunami mediático. Marine foi atacada à esquerda e à direita: "Escandaloso e inqualificável."

Não foi uma derrapagem, foi um cálculo. Reafirma a substituição do anti-semitismo e da anti-imigração pela islamofobia, como acontece em grande parte da Europa. Foi também um golpe oportunista contra Gollnisch, concentrando em si todas as atenções e obrigando a FN a cerrar fileiras à sua volta.

Também pôs em xeque a esquerda e a direita tradicionais, colocando-se no terreno da república e do laicismo, terreno diametralmente oposto à tradição da FN. A demógrafa Michèle Tribalat, estudiosa do islão em França, sublinha que é indecente que tenha sido a FN a levantar o problema "real" das preces em espaços públicos. "Desde que [Marine le Pen] fala de "ocupação" a propósito das preces na rua, todos os responsáveis políticos reconhecem que o espaço público não pode ser monopolizado por uma religião, seja ela qual for."

Marine deu a volta ao escândalo e acusou directamente Sarkozy de favorecer uma dinâmica de "comunitarização", quando na República Francesa não há lugar para comunidades mas apenas para cidadãos. "A laicidade é quotidianamente violada pelos nossos dirigentes."

Não só põe em xeque os "ultra-reaccionários" da FN, como Gollnisch, hostis à laicidade, como conquista simpatias no eleitorado conservador: foi após esta polémica que a sondagem do IFOP lhe atribuiu a concordância de 54 por cento da direita sobre os muçulmanos.

Ironicamente, Marine retoma os temas de Bruno Mégret no fim dos anos 90: também ele propunha a transferência da retórica anti-imigrantes para a denúncia da "ocupação islâmica".

A Golnisch restou responder na defensiva: "Espero, apesar de tudo, que na passada não se vá ao ponto de estigmatizar os militantes do anticomunismo ou os defensores da Argélia francesa."

A Frente Nacional

A FN foi fundada em 1972 reunindo grupúsculos reaccionários e neofascistas, sem qualquer base popular. O facto passou despercebido. O talento do líder, Jean-Marie le Pen, foi inscrevê-la na tradição nacional-populista e aceitar o quadro da democracia parlamentar. Vai explorar, a partir dos anos 80, três grandes temas: desemprego, insegurança e imigração.

Sai do anonimato nas eleições municipais de 1983. À força de provocações, irrompe na cena política e obtém, nas eleições europeias de 1984, 10,9 por cento dos votos, algo que a extrema-direita não conseguia desde 1956. Implanta-se simultaneamente em territórios tradicionais da direita e também da esquerda - caso do Languedoc ou da "cintura vermelha" parisiense.

Em 1986, quando François Mitterrand estabelece o sistema proporcional para o Parlamento, Le Pen faz eleger 35 deputados. No ano seguinte, descobre a utilidade mediática da "diabolização", iniciando uma longa série de provocações: considera as câmaras de gás "um detalhe" da II Guerra Mundial.

O seu eleitorado é interclassista, tem uma forte base no pequeno comércio e no artesanato, mas cresce rapidamente nos meios operários em crise - ao mesmo tempo que declina a influência do Partido Comunista. O seu eleitorado é tendencialmente pouco culto e dominantemente jovem.

No fim dos anos 1990, o "ambicioso" Bruno Mégret e outros quadros propõem uma moderação da linguagem, tentando afastar Le Pen e pôr fim à sua marginalização pela direita governamental. Fazem uma importante cisão mas o seu novo partido regista um fiasco nas eleições de 1998.

Em 2002, Le Pen provoca um sismo político ao superar Lionel Jospin, o primeiro-ministro socialista, na primeira volta das presidenciais, com 16,9 por cento dos votos. Milhões de pessoas manifestam-se na rua contra o "racismo e a xenofobia".

Verifica-se desde então uma irregular tendência de declínio. Dada como "agonizante" em 2007 (10,4 nas presidenciais e 4,3 nas legislativas), a FN volta a subir nas regionais de 2010, em que recupera grande parte do eleitorado perdido para Sarkozy.

Esquerda, direita e FN

As relações entre socialistas, direita e FN foram uma das chaves eleitorais das três últimas décadas. Depois de se ter aliado ao Partido Comunista para o esvaziar, François Mitterrand utilizou a ascensão da FN para dividir a direita. A "diabolização" de Le Pen tornava difícil as alianças, mesmo pontuais, da direita com a FN. Foi tema de ácida polémica dentro da direita.

Em 2007, Sarkozy inverteu os termos da equação apostando nos temas favoritos de Le Pen. A sua opção foi criticada mas também aplaudida, já que era legítimo tudo o que enfraquecesse a FN. Ao mesmo tempo, também na esquerda os nacionalistas do Partido Socialista defendiam a apropriação "republicana" de alguns desses temas, como a segurança e os símbolos nacionais.

A eficaz estratégia de Sarkozy contribuiu, de facto, para legitimar uma parte das temáticas da FN, observam Abel Mestre e Caroline Monnot, jornalistas do Monde que seguem o partido de Le Pen. "Esta legitimação ganhou um novo élan com o debate sobre a identidade nacional", lançado pelo Presidente em 2009 e que derrapou para a reabertura da "ferida islâmica". Sarkozy atirou mais achas para a fogueira ao sugerir a anulação da nacionalidade a certos delinquentes ou criminosos. Marine aplaudiu.

Dinamitar a direita

Hoje, o clima de crise ajuda a FN a relançar os temas de justiça social, a que o eleitorado operário é particularmente sensível. Não é uma novidade. Há muito que o "povo de esquerda" é cada vez menos popular. Marine, com 28 por cento das preferências (sondagem IFOP), vangloria-se de ser a candidata da classe operária. Cumulativamente, ela prossegue a penetração da FN nos sectores jovens: surge à cabeça com 26 por cento das intenções de voto na faixa dos 25-34 anos.

"A aposta de Marine le Pen, que retoma a estratégia de Bruno Mégret, é criar uma posição de força tal que a FN consiga fazer implodir a direita", anotam Mestre e Monnot.

Marine assume a vontade de fazer "implodir o sistema" e sonha com "um 21 de Abril ao contrário". Em Abril de 2002, a votação de Le Pen eliminou Jospin da segunda volta das presidenciais. Em 2012, o desígnio seria pôr em xeque Sarkozy na primeira volta.

O eurodeputado Daniel Cohn-Bendit resume o quadro com acuidade: "Estou certo de que se Marine le Pen tomar as rédeas da Frente Nacional (...), ela tentará limar as arestas para fazer da FN um aliado potencial da UMP e da direita." Mas, para isso, "é preciso uma derrota da direita em 2012, para que ela reflicta no modo de reconquistar a maioria".

O primeiro-ministro, François Fillon, declarou a 14 de Dezembro que a FN "não merece nenhuma complacência. Não só porque o seu projecto é perigoso e inconsistente no plano económico e social, mas também porque a direita republicana e o centro (...) são os alvos principais da FN".

Na quarta-feira, Le Monde escrevia em manchete: "A Frente Nacional seduz cada vez mais os simpatizantes da direita clássica." Se as suas teses merecem o apoio de 22 por cento dos franceses (mais quatro que em Janeiro de 2010), elas seduzem 32 por cento dos simpatizantes da UMP (mais 12). Se 51 por cento da base da UMP recusam a aliança com a FN, 35 admitem "fazer alianças segundo as circunstâncias". A progressão da FN é atribuída à emergência de Marine le Pen. Não é um dado novo. Já em Abril, 36 por cento dos simpatizantes da UMP admitiam alianças com uma extrema-direita "feminizada, moderna e mais respeitável" (Le Point).

Outros dados da sondagem ilustram o estado de espírito dos franceses. Cinquenta por cento dizem que há demasiados estrangeiros no país; 49 pensam que os muçulmanos têm demasiados direitos (69 na UMP); 37 aceitam a saída do euro; 29 aprovam o restabelecimento da pena de morte.

Um outro estudo, do instituto LH2, completa este retrato: para 56 por cento, a FN "representa um perigo para a democracia em França". Em 2002, a percentagem era de 70 por cento.

A paisagem política francesa pode estar em vésperas de recomposição. Falta aguardar, mais do que a esquerda, a carta que desta vez Sarkozy irá tirar da manga. Mas desde já Marine parece a caminho de se tornar numa força-pivot do puzzle político.

O ressentimento

Muito se escreveu sobre a ascensão da FN. Como degenerescência do sistema democrático, de que seria efeito e sintoma, quando as elites se mostram incapazes de responder aos problemas e frustrações das sociedades (Yves Mény). Em França, como noutros países europeus, o poder e a sociedade foram incapazes de responder à imigração e à destruição de comunidades e regiões industriais, em cujos escombros a FN se encaixa.

O seu programa é "um prolongado grito de ressentimento - contra os imigrantes, o desemprego, o crime e a insegurança, a "Europa", e em geral "contra eles", que provocaram isto", escreveu há anos o historiador anglo-americano Tony Judt (O Século XX Esquecido, Edições 70, 2010).

Vale a pena citar outro seu texto. "Durante quase quatro décadas, os políticos europeus tradicionais não fizeram caso de nada disso: o impacto da habitação segregada de facto; as comunidades não integradas isoladas; e o aumento de eleitores brancos receosos, ressentidos, convencidos de que o barco está "cheio". Foi preciso Jean-Marie le Pen, o político holandês assassinado Pim Fortuyn e um bando de partidos demagógicos anti-imigração para acordar os europeus para esta crise."

O problema que a Europa enfrenta é a pressão sobre os seus limites externos: "A União Europeia é demasiado atractiva para o seu próprio bem."

Será tudo isto o que faz da loura Marine uma "mulher perigosa".

jafernandes@publico.pt

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