Bouazizi imolou-se para gritar a sua angústia
Vendedor de rua tornou-se o símbolo da revolta dos jovens magrebinos. O seu acto desesperado de protesto foi copiado por vários outros tunisinos
Naquela manhã de sexta-feira, Mohamed Bouazizi dirigiu-se à estação de serviço mais próxima e comprou uma lata de gasolina. Regressou à praça do município e, sem que ninguém o impedisse, regou-se com o combustível, acendeu um fósforo e lançou-o sobre si. Sobreviveu duas semanas às atrozes queimaduras e quando o seu corpo finalmente cedeu, outros tinham já dado voz à sua revolta, seguindo-o no gesto desesperado contra a miséria, o desemprego, a humilhação.
No passado dia 5, mais de cinco mil pessoas juntaram-se no funeral de Bouazizi, até àquele fatídico dia 17 de Dezembro um anónimo vendedor de frutas e legumes. "Nós te vingaremos, Mohamed. Hoje choramos por ti, mas amanhã vamos fazer chorar aqueles que te levaram à morte", gritaram os mais jovens de Sidi Bouzid, pequena cidade no Centro do país, longe das avenidas chiques de Tunes e das estâncias de férias que a Tunísia vende ao mundo. Só a esmagadora presença da polícia impediu a multidão de avançar sobre o edifício do governador, em frente ao qual o jovem se imolou pelo fogo.
Pouco se sabe do que ele disse, naquele dia ou nos 18 que passou internado na unidade de grandes queimados no hospital de Ben Arous, na cintura industrial de Tunes, onde recebeu a visita do próprio Presidente Ben Ali. Mas conhecem-se as razões que o levaram ao desespero e que fizeram dele um símbolo da "profunda angústia que vivem os jovens do Norte de África", nas palavras de Pierre Vermeren, professor francês especialista do Magrebe.
Nascido numa pequena aldeia, Bouazizi mudou-se com a família para Sidi Bouzid, a principal cidade de uma região famosa pelas suas hortas e pomares. Conta o jornal francês L"Express, que o jovem conseguiu terminar o liceu mas a morte do pai, trabalhador agrícola, forçou-o a abandonar os estudos para sustentar a família.
Numa cidade onde o emprego escasseia, não viu outra alternativa que não a de vender legumes nos mercados de rua, mas a falta de licença colocava-o na mira da polícia e, dizem alguns conhecidos, de uma jovem funcionária municipal que o terá várias vezes insultado. No dia 17, a cena repetiu-se e Bouazizi viu a balança e a mercadoria confiscadas. Ainda tentou que os serviços municipais o ouvissem, mas a polícia barrou-lhe o caminho. Dirigiu-se então para a bomba de gasolina.
Confrontado com as manifestações, o Governo acusou a oposição de instrumentalizar um "incidente isolado". Mas uma geração inteira de tunisinos, aqueles que não conheceram outro Presidente que não Ben Ali, reconhece-se na sua história.
Num país onde mais de metade da população tem menos de 25 anos, o crescimento da economia tem sido insuficiente para absorver os milhares que todos os anos chegam ao mercado de trabalho e a taxa de desemprego entre os jovens ronda os 30 por cento. Muitos são licenciados, sem perspectivas de emprego no país ou na Europa, onde a crise fechou as portas da imigração.
Houcine Néji, de 24 anos, era um deles. Cinco dias depois de Bouazizi se ter imolado, subiu a um poste de alta tensão, perante o olhar aterrorizado de família e amigos. "Estou farto da miséria, da privação, a minha vida não tem mais sentido", gritou antes de se lançar sobre os cabos, para a morte.
Era o segundo abalo num país pouco habituado aos extremismos, mas que as semanas seguintes se encarregariam de tornar banal. Primeiro foi um operário, doente e pai de dois licenciados sem emprego, que se enforcou na cidade de Chebba (Leste) depois de lhe ter sido recusado um subsídio para se tratar e dar de comer à família. Logo a seguir, um jovem desempregado da região de Gafsa imolou-se pelo fogo e, já esta semana, um segundo universitário morreu, atirando-se contra cabos de alta tensão.
Pelo meio, as redes sociais enchem-se de histórias de tentativas de suicídio, quase sempre pelos mesmos métodos, quase sempre pelas mesmas razões. Entre elas a de uma mãe que subiu a um poste de alta tensão com os seus dois filhos, angustiada por não lhes conseguir dar de comer. O pior só foi evitado porque a corrente foi cortada a tempo.