A tragédia persa dos Pahlavi

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Férias de Inverno em St.Moritz, Suíca, em Fevereiro de 1975 James Andanson/Sygma/Corbis

O filho mais novo do último imperador iraniano não suportou o fardo dos crimes do pai, o suicídio da irmã, a morte súbita da namorada e a frustração de não poder participar na revolta da sua geração contra o regime islâmico. Ali-Reza Pahlavi "morreu como um soldado que não suporta a desonra e a desgraça, com um só tiro na cabeça". As cinzas do seu corpo cremado repousarão no mar Cáspio. Por Margarida Santos Lopes

As janelas da mansão de Ali-Reza Pahlavi na West Newton Street, em Boston, tinham vidros escuros e as persianas quase sempre fechadas. Os vizinhos viam apenas um homem taciturno, elegante nos seus fatos de luxo ou em jeans e blusão de cabedal, que entrava e saía num Porsche preto, sem falar com ninguém. Só na terça-feira, dia 4, quando ouviram um disparo e a polícia foi chamada de emergência ao local, ficaram a saber que o desconhecido era o filho mais novo do último imperador do Irão. Há muito que vivia deprimido. Suicidou-se com um tiro na cabeça. Tinha 44 anos.

"Ninguém parecia conhecê-lo e ele não fazia qualquer esforço para se encontrar com os vizinhos", conta ao P2, por email, Stephen Kinzer, jornalista e escritor que vivia na mesma rua de Ali-Reza. "Havia um tipo que o conhecia do Irão mas, quando se aproximou dele, o príncipe afastou-o e recusou qualquer relacionamento."

"Também eu nunca me encontrei com ele, o que lamento", acrescentou o antigo repórter do New York Times, dos mais respeitados especialistas em assuntos iranianos. "Eu frequentava a pizzaria na esquina da sua casa e pergunto-me se alguma vez o terei visto por lá. Gostaria muito de ter tido a oportunidade de lhe falar, mas Ali-Reza não se mostrava interessado em discutir questões como a situação na actual República Islâmica ou o regime do seu pai, e muito menos com estranhos."

Assim, quando escreveu no site The Daily Beast que Ali-Reza "não podia ter deixado de reconhecer o papel que a sua própria família desempenhou para criar as condições que levaram os mullahs a tomar o poder", em 1979, Kinzer admite que estava apenas a deduzir. "Ele era um homem inteligente, que estudou a história do seu país, por isso, certamente que este pensamento lhe ocorreu", acrescenta o autor de Os Homens do Xá - O Golpe no Irão e as Origens do Terrorismo no Médio Oriente (Ed. Tinta da China), biografia de Mohammad Mossadegh, primeiro-ministro nacionalista que a CIA derrubou para recolocar o "rei dos reis" Mohammad Reza Pahlavi no Trono do Pavão, em 1953.

Ali-Reza nasceu em berço de ouro, a 28 de Abril de 1966, cerca de um ano antes da cerimónia de coroação do seu pai, que já reinava há mais de um quarto de século. Foi o terceiro filho de Mohammad Reza e de Farah Diba. Não foi sempre recluso e introspectivo. A mãe, nas suas Memórias (Ed. Bertrand), descreve-o como "o mais malicioso dos rapazes", que se exprimia "numa linguagem impecável e com sentido de humor".

Aos três anos, narra Farah Diba, o pequeno príncipe queria que o chamassem de Toutone, como o alcunhara a sua governanta francesa, ou como piloto, porque "o seu sonho era pilotar aviões de caça americanos Phantom, que o fascinavam". À mesma governanta, que o tentava forçar a entrar na banheira, terá respondido: "Não quero tomar banho, quero ser um hippie sujo." Um dia, durante o jantar, adianta a mãe, deixou todos perplexos ao confessar que gostava do "amor livre".

Ao contrário dos irmãos mais velhos, Reza e Fahranaz, que depois do jardim-de-infância prosseguiram a escolaridade no palácio em Teerão, Ali-Reza ingressou logo no jardim-escola do Liceu Razi onde Farah Diba estudara. Era um rapaz atrevido, consciente do seu poder e sem pudor de chamar "cabeça de burra" à sua professora. Segundo a mãe, a relação de Ali-Reza com o pai era de grande afecto. Apesar de Mohammad Reza ser um homem austero, permitia que o filho subisse para as costas dele, a brincar aos cavalos, e tolerava até as travessuras infantis que humilhavam os empregados.

Em 1979, quando o pai foi destronado pelo seu maior inimigo, o ayatollah Khomeini, Ali-Reza, de 12 anos, e a sua irmã mais nova, Leila, de 10, foram os primeiros membros da família a deixar o Irão. Embarcaram para os Estados Unidos a 15 de Janeiro. O imperador e a imperatriz chegariam a Assuão, no Egipto, no dia seguinte. A viagem para o exílio terá sido traumática para os jovens príncipes habituados a uma vida de luxo e veneração. Acompanhados pela avó materna, pela ama de Leila e por um oficial, seguiram num avião militar C130, instalados no cockpit atrás dos pilotos porque o aparelho não estava preparado para transportar passageiros. Com eles levavam "arroz numa marmita", preparado pelos cozinheiros do palácio e "servido em pires de chávenas de café", segundo o relato de Farah Diba, que hoje, aos 72 anos, divide o seu tempo entre Paris e Washington, onde Reza mantém um "gabinete imperial".

Ainda mal se tinham habituado à sua errância (deambularam por vários países, até se instalarem definitivamente nos EUA), os Pahlavi sofreram mais um golpe a 7 de Dezembro de 1979, quando Shahriar Shafiq, filho da princesa Ashraf, gémea do rei, foi assassinado em Paris. Tinha 34 anos, era oficial da Marinha e começou a organizar a resistência no interior do Irão logo após a revolução islâmica.

A 27 de Julho de 1980, há muito a agonizar com um linfoma, foi a vez de o xá morrer, no Cairo, onde o amigo egípcio Anwar Sadat lhe dera o asilo que o aliado americano Jimmy Carter lhe negara. No palácio de Kubbeh, Ali-Reza e Leila foram os últimos a saber a notícia. Ali-Reza recusou juntar-se à mãe. "Quis ficar sozinho com a sua dor", conta ela. No dia do funeral, a 29 de Julho, na mesquita de El Rifaï, quando os despojos do rei foram descidos para uma cave especial, Ali-Reza seguiu o irmão mais velho, o príncipe herdeiro Reza, "sem pedir autorização a ninguém". Os médicos disseram a Farah Diba que tinha sido importante o facto de ele ter visto "onde repousava o pai".

De 1979 a 1981, Ali-Reza frequentou escolas nos EUA e no Egipto. Em 1984, licenciou-se na Universidade de Princeton e, em 1992, fez um mestrado na de Columbia. Inscreveu-se depois num doutoramento (que interrompeu sem justificação) em Harvard - centrando-se nos seus temas preferidos: História da Pérsia e do Médio Oriente, Filologia e Musicologia.

"Ali-Reza podia ocupar a sua cabeça mas não o seu coração", observou no site The Huffington Posta jornalista anglo-iraniana Charlotte Safavi, referindo-se ao homem que em tempos foi considerado "um dos solteiros mais cobiçados do mundo", mas que não chegou a casar-se em 2001, como planeado. O noivado de oito anos com Sarah Tabatabai acabou abruptamente quando ela morreu num acidente de mergulho náutico. Essa perda foi insuportável, segundo um amigo da família. "Tal como muitos da minha geração, incluindo eu própria, restava-lhe apenas a memória de uma pátria, com a dor acrescida de nunca ter conseguido regressar em segurança", acrescentou Safavi.

Num artigo para a CNN online, Hamid Dabashi, autor de Iran: A People Interrupted e professor em Columbia, onde conheceu um "jovem estudante extremamente educado, sério e encantador", concorda que, nos últimos tempos, Ali-Reza terá olhado "com um misto de admiração e lamento a sublevação histórica pela democracia" no Irão. "Admiração, porque este levantamento social gigantesco estava a acontecer no seu país natal; lamento, porque não imaginava para si próprio um lugar nessa revolta."

Vida de altos e baixos

Se tinha ambições políticas, o melancólico Ali-Reza raramente as expressava em público, ao contrário do irmão Reza, que nunca abdicou de recuperar a coroa do pai, mobilizando os monárquicos iranianos na diáspora. Stephen Kinzer recorda-se de uma só vez, em que, inquirido sobre o seu envolvimento no movimento da oposição, Ali-Reza respondeu: "A minha missão permanece inalterável - farei o que puder para ajudar a causa da liberdade e da democracia no nosso país."

O seu suicídio, salientou Stephen Kinzer, na entrevista ao P2, "gerou consternação na comunidade iraniana-americana, mesmo entre os que detestavam os Pahlavi - porque transcendeu a política e é uma verdadeira tragédia pessoal e humana. A combinação de ambas é extraordinária". No Irão, os media próximos do regime noticiaram sem comentários "a morte do filho do ex-ditador", enquanto os ligados à oposição optaram por ignorar o acontecimento, para evitar críticas.

Ao comunicar oficialmente o suicídio do irmão, numa conferência de imprensa em que não conteve as lágrimas, Reza Pahlavi declarou: "Posso imaginar que terá sido muito duro para uma criança tão pequena enfrentar os acontecimentos tumultuosos da revolução islâmica. Os últimos anos da vida de Ali-Reza foram de altos e baixos. A depressão não é um caminho fácil, e ele sucumbiu." Deixou uma carta com o último desejo: que o seu corpo fosse cremado e as cinzas lançadas ao Cáspio, um mar que banha o Irão.

A depressão ter-se-á agravado depois que a sua irmã favorita, com quem mantinha uma grande cumplicidade desde a infância, se suicidou num hotel de Londres, com uma overdose de barbitúricos (e, alegadamente, de cocaína), em 2001. Escreveu a mãe na autobiografia: "Leila consultou todo o tipo de médicos, e como a fadiga e as dores persistissem a despeito dos tratamentos, acabou por dizer que ninguém era capaz de a curar. Então, como em todas as situações do género, acabou por frequentar reuniões, amigos ou amadores que lhe aconselharam soporíferos e calmantes, em vez de a ajudarem a exprimir os seus sofrimentos escondidos. (...) Ouvi várias vezes Ali-Reza dizer-lhe com a sua rudeza de homem ferido: "Ouve, Leila, se continuas assim, vais morrer.""

Drama shakespeareano

Ali-Reza acabou por escolher para si o mesmo destino de Leila. Talvez porque a depressão é uma doença familiar. Hoje com 91 anos, a princesa Ashraf, figura sinistra que os iranianos apelidavam de "Pantera Negra", era viciada em antidepressivos. Abbas Milani, director de Estudos Iranianos na Universidade de Stanford e autor do recém-publicado The Shah, disse à revista Time que as agências de espionagem americanas e inglesas mencionavam frequentemente nos seus relatórios as depressões do imperador - que, com Ali-Reza, partilhava não só esta enfermidade como a paixão por aviões e carros de alta velocidade. Segundo Milani, um dos relatórios descrevia o soberano como "uma personalidade de tipo Hamlet".

É assim também que Stephen Kinzer encara o suicídio chocante de Ali-Reza, caracterizando-o com o invulgar termo de self-slaughter (autocarnificina). "É a última tragédia na longa história de uma família encharcada em sangue - primeiro, o dos iranianos que torturou e matou, e depois o seu próprio. É um drama de dimensões shakespeareanas. O xá governou em tempos o Irão com punho de ferro, mas a sua família pagaria muito caro pelos seus pecados, fazendo ecoar o julgamento de Hamlet de que um crime real "não pode acabar bem"", escreveu no Daily Beast.

Ao P2, acentuou Kinzer: o destino trágico do xá e dos seus parentes "tem menos a ver com a sensibilidade persa e mais com a patologia de uma família perturbada. Os Pahlavi perderam o contacto com o seu país e estão, de certo modo, deslocados e desancorados, vivendo no seu próprio mundo de fantasia. Mohammad Reza era um homem profundamente inseguro que se compensava fingindo que era o maior rei de todos os tempos. Esta é uma família que apenas tem revelado uma ténue consciência da realidade."

Apesar de tudo, Kinzer é complacente: "Alguns poderão dizer que o destino puniu de forma justa a família Pahlavi pelos seus grandes crimes, mas a realidade é que o príncipe Ali-Reza era tão criminoso quanto os seus vizinhos. Se os filhos são culpados das transgressões dos pais, ele estava seguramente coberto de culpa, mas se cada indivíduo é responsável pelas suas próprias acções e nada mais, era inocente. Nunca ordenou uma execução ou enviou alguém para uma câmara de tortura, nem se subjugou a uma potência estrangeira. Podia, honestamente, manter a cabeça erguida. No entanto, o peso da história da sua família era, evidentemente, demasiado pesado para ele o carregar. Podemos imaginar os demónios que atormentavam o príncipe exilado enquanto vivia enclausurado na sua sombria mansão no South End antes de ter decidido pôr termo à vida. Morreu como um soldado que não suporta a desonra e a desgraça, com um só tiro na cabeça."

Escreveu Abolkasem Ferdowsi, um dos maiores poetas iranianos, no seu monumental Shahnameh (O Livro Persa dos Reis):

Que a nossa família seja vil ou gloriosa

A sorte nunca nos revelou a sua face

Mas, rei ou plebeu, sabemos que nós

Devemos deixar esta terra em breve para a eternidade.

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