As notícias deixaram de dizer "Até amanhã"

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Mário Crespo acha que a "febre política da RTP" originou a ausência, hoje, de uma aristocracia de apresentadores experientes na TV PAUL J. RICHARDS/stf

A 8 de Janeiro de 2001 a SIC Notícias inaugurava uma nova era da televisão em Portugal. Dez anos depois, somos um país que não lê jornais mas que é viciado em informação televisiva, 24 horas por dia. E não estamos sempre a ouvir as mesmas notícias?

No princípio era a notícia. Ou a falta delas. Dizia-se que as pessoas nunca iriam perder o hábito de ligar o rádio de manhã e passar a ver televisão - afinal de contas, quem é que consegue fazer a barba e ver as notícias do trânsito ao mesmo tempo? "Achavam que era um disparate, que não havia em Portugal notícias para um canal destes nem ninguém para as ver", lembra Ricardo Costa, director do Expresso e um dos antigos directores da SIC Notícias, onde é comentador habitual e apresenta o programa Expresso da Meia-Noite. "Foi uma das coisas mais fascinantes da minha vida profissional. Era um projecto lançado de forma consistente, profissional. Provou aos que nele não acreditavam que é possível ser líder durante dez anos a dar notícias em português durante 24 horas", diz Nuno Santos, primeiro director do canal e hoje director de programas da SIC. Lembra a importância de Emídio Rangel, ao tempo director de programas e de informação da SIC, para o arranque do projecto. João Adelino Faria, um dos rostos dos primeiros anos da casa e hoje num canal concorrente, a RTP N, tem a mesma memória. "Éramos considerados uns loucos. Nessa altura havia poucos canais nacionais no cabo e parecia absurdo fazer um canal de notícias. O Emídio Rangel acreditava que sim e contagiou-nos."

A 8 Janeiro de 2001, era o cabo uma criança, nascia o primeiro canal de notícias do país. Ana Lourenço, o rosto da Edição da Noite, lembra para a Pública aquele que seria o primeiro dia do resto de muitas vidas. "Um momento que nunca se esquece é o do primeiro dia, o momento em que ouvimos o Pedro Mourinho dizer "Bom Dia, bem-vindo à SIC Notícias"", recorda a jornalista. Mourinho, Ana Lourenço e Clara de Sousa eram os rostos principais da equipa que então arrancava, sob a batuta de Emídio Rangel, Luís Marques, Nuno Santos e Alcides Vieira. "São dez anos e eu não sinto nada que já passaram esses anos todos. Continuamos com o mesmo vigor do primeiro dia", diz a pivô.

A então TV Cabo precisava de um canal informativo em português para captar espectadores para a plataforma, depois da frustrante experiência anterior dos canais de notícias regionais, o Canal de Notícias de Lisboa (CNL) e, no Porto, a NTV. Um e outro foram, aliás, antepassados dos canais de informação da SIC e também da RTP - da RTPN, que nasceu em 2004. No fim desse ano, a SIC Notícias era líder do cabo, posição que mantém até hoje. Em 2001, tinha uma média diária de cerca de 12 mil espectadores, de acordo com as medições da Marktest. Em dez anos esse número mais do que duplicou e atingiu os 29 mil. Hoje, o conjunto do cabo representa quase 18 por cento da audiência geral da televisão portuguesa e as notícias são uma parte significativa desse universo. Em dez anos, passou de uma média de 81 mil espectadores para os 271 mil. Portugal é o caso raro na Europa em que o canal de televisão por subscrição (universo que contém as diferentes plataformas como o satélite, a IPTV ou o cabo) mais visto é um canal de informação - a SIC Notícias - e onde existem três canais de notícias, outra singularidade do país no contexto europeu. Se em 2001 a dúvida era se haveria notícias suficientes para preencher 24 horas de emissão, dez anos a resposta chega em triplicado, através da SIC Notícias, da RTPN e da TVI24.

"A grande maioria dos portugueses informa-se pela TV. Enquanto em termos de média europeia as pessoas que contactam com a informação na TV ficam no mesmo canal uma média de oito minutos, na SIC Notícias ficam 22 minutos", diz Alcides Vieira, director de informação da SIC. "As pessoas habituaram-se a fazer a sua vida com a SIC Notícias lá dentro." Para o jornalista, o impacto dos canais de informação obrigou os telejornais dos canais generalistas a mudar e a ter mais rubricas magazinescas.

Como explicar essa singularidade do mercado português? A tabela dos canais por cabo mais vistos parece-se com uma procissão de líderes por sectores. Estão lá o canal de filmes mais visto (Hollywood), o principal canal infantil (Panda), dois canais de séries (AXN e Fox). Mas a especialidade favorita do público é a informação, quando seria muito mais lógico que esse lugar pertencesse, por exemplo, a um canal de séries. Quando era director do canal, Ricardo Costa confrontou-se com esta perplexidade, no único momento destes dez anos em que a SIC Notícias não liderou. Era com canais de ficção como o AXN que diariamente comparava audiências. "Analisava gráficos comparativos com o AXN, o que pode parecer bizarro. Perdia horas a olhar para aquilo. O AXN chegou a ultrapassar a SIC Notícias em dois meses em 2004, no ano de arranque da RTPN. E a Fox chegou a liderar na Cabovisão, isso também nos assustou. Mas a própria oferta de canais foi-se fortalecendo. Hoje o público-alvo da SIC Notícias tem um sem-fim de canais à disposição. E é a RTPN que nos preocupa."

Fome de notícias na TV

Os números mostram claramente que existe em Portugal uma enorme apetência dos públicos pela informação. E isso não acontece apenas no cabo, mas também no universo dos canais generalistas. É o que lembra António José Teixeira, director da SIC Notícias há três anos: "Predominantemente, o público procura informação na televisão, seja porque ela é mais acessível, ou barata, ou porque lhe agrada mais. Isso explica porque é que as generalistas têm espaços de informação tão generosos. Isso não se explica apenas por uma questão económica, a informação até costuma ser mais cara do que alguma programação."

Essa apetência coexiste com a escassa leitura de jornais que existe em Portugal. Há uma questão de literacia que pode explicar essa assimetria entre um público ávido por noticiários na televisão, mas que lê pouco. "As pessoas procuram muita informação na televisão, mas lêem pouco jornais e haverá aí uma relação de causa-efeito, uma vez que temos um dos índices de leitura de jornais mais baixos da Europa", diz José Alberto Lemos, director do canal público de notícias, a RTPN. "A leitura de jornais é mais exigente, as pessoas procuram um consumo mais fácil e mais passivo", acrescenta.

Mas, se o peso global da informação no jogo das audiências televisivas é indiscutível, daí não se pode depreender que existam necessariamente espectadores para os três canais. "Temos de ser realistas: os canais de informação não têm tanto público quanto isso, são canais de nicho e não têm uma audiência de massas", acrescenta José Alberto Lemos. "A prazo, julgo que se terá de ver até que ponto há sustentabilidade para todos", diz António José Teixeira.

O facto é que os três canais de informação existem como parte das estratégias das estações de televisão generalistas, que os podem ancorar nas redacções dos canais-mãe.

"O facto de existirem três canais não é assim tão insólito. Cada um dos três operadores tem a sua redacção eo cabo é uma plataforma de competição entre eles, tal como os telejornais das generalistas. O cabo também é uma plataforma para escoar essa produção informativa", afirma o director da RTPN

A SIC Notícias chegou primeiro, a seguir entrou o canal público, há pouco menos de dois anos surgiu a TVI 24, que marcou o fim de uma longa espera para o canal de Queluz. Henrique Garcia, que hoje apresenta o noticiário das 21h no canal, foi o pai do projecto original da estação. "Tivemos um arranque difícil. Quando a TVI mostrou interesse em ter um canal de informação, entre 2002 e 2003, a resposta da TV Cabo foi a deque os canais deviam ser diversificados e não fazia sentido terem um canal concorrente à SIC Notícias. Presumo que também fosse esse o interesse da SIC." Seguiu-se o projecto de fazer um canal de economia (hoje existe no cabo um canal deste tipo, o Económico TV), sem muitas certezas e partindo da premissa de que era "um canal sobre tudo o que influencia a economia. Como se sabe, tudo influencia a economia", relata. Mas a luz vermelha só se apagou depois de a RTPN entrar em cena. "A partir daí deixou de fazer sentido que a TVI estivesse de fora, por uma questão de concorrência."

Todos os canais quiseram marcar presença, mas ter chegado primeiro foi decisivo. Todos o reconhecem, na SIC Notícias e na concorrência. "É muito difícil desalojá-lo", diz Henrique Garcia. "Chegou primeiro e foi o único durante vários anos. Basta comparar com as dificuldades que a SIC enfrentou quando teve de lutar com a RTP", afirma José Alberto Lemos, que acrescenta: "É um canal bem feito, bem estruturado, bem pensado e tem uma boa redacção." A SIC trouxe uma nova ideia de canal para o contexto português, inovou tecnologicamente com a introdução da montagem digital, tirou partido de acontecimentos como a queda do ponte de Entre-os-Rios, o 11 de Setembro ou a guerra do Iraque (2003 continua a ser o melhor ano de sempre da estação em matéria de audiências) para se afirmar.

"A SIC Notícias imprimiu o fenómeno TSF na televisão. Ninguém já passa sem notícias na TV hora a hora. O canal alterou o fluxo informativo de notícias, não há tempos mortos como acontecia antes com o período da noite das 21h às 00h. A política passou a fazer-se nos estúdios de notícias com os actores políticos a comentar, a ser entrevistados a toda a hora, o que não acontecia", lembra Ricardo Costa, que era editor de política da SIC em 2001. "Estávamos em plena campanha eleitoral para as presidenciais de 2001 e levámos Jorge Sampaio a estúdio", o que então era algo razoavelmente improvável.

A força da marca resistiu ao tempo. "Foi um canal que soube ser sempre relevante, sempre com capacidade de marcar a notícia, na política, na economia, no desporto. Nunca tirou o pé do acelerador. É uma máquina muito profissional e bem oleada", acrescenta Ricardo Costa. Os números de 2010 mostram que mantém uma posição confortável face aos concorrentes directos. O share da SIC Notícias entre todos os canais que estão no cabo (ou seja, incluindo as quatro estações generalistas) foi de 4por cento no ano passado, contra 1,6 da RTP N e 0,9 da TVI 24.

Os analistas reconhecem o mérito e a capacidade inovadora do canal. Visual apelativo, contextualização e aprofundamento das notícias, com comentadores e o cuidado dado a áreas desprezadas pela informação dos canais generalistas, como a União Europeia e política internacional, são, na opinião do investigador Nuno Goulart Brandão, alguns dos factores que podem explicar a liderança da SIC Notícias durante os seus dez anos de existência. Para o autor do livro As Notícias nos Telejornais e investigador, há um espaço para lá das 20h que a SIC Notícias soube cativar como seu: "Não há espaço para a formação de opinião pública nos generalistas, onde a estratégia aponta cada vez mais para a aposta na ficção e novelas."

Para o crítico de televisão do PÚBLICO Jorge Mourinha, "o facto de terem saído da SIC, que era um canal marcado pelo rigor na informação, pelas boas práticas no jornalismo também pesou, trouxe-lhes fidelidade".

Jornalismo de secretária

Nem tudo é dourado neste balanço do canal e da informação na televisão paga. A SIC Notícias revolucionou a informação televisiva e a marca dessa transformação perdura. Mas hoje há quem diga que o canal se acomodou. Questiona-se o abuso do directo e os excessos a que frequentemente se assiste nesses espaços, neste e noutros canais. E pode perguntar-se se o aumento quantitativo da oferta representa mais qualidade. Não estarão todos os canais a fazer a mesma coisa? A generalização dos canais de informação não acabou por banalizar a notícia? E, em última análise, não poderíamos regressar à pergunta de há dez anos e questionar se haverá mesmo notícias que cheguem para alimentar 24 horas de informação?

O crítico de televisão Eduardo Cintra Torres fala de "um canal de sucesso", mas não lhe poupa críticas: "Tal como escrevi há cinco anos, a SIC Notícias faz muito jornalismo de secretária, muita notícia da véspera; de manhã, as notícias mais importantes são as que fazem as capas dos jornais. Não souberam criar repórteres de primeira. Só nos lembramos da Ana Lourenço e do Mário Crespo, ele sim um carácter. Isto ao fim de dez anos é uma falha grande. Mas acho que não vai deixar de ser líder. A concorrência tem o mesmo modelo."

"Estamos todos a dizer a mesma coisa e estamos todos a fazer o mesmo programa com outros comentadores à mesma hora", diz João Adelino Faria. Os orçamentos condicionam voos mais altos e há uma tendência para o afunilamento das agendas, comum a todo o jornalismo. "Todos nos debatemos com a mesma falta de orçamento. Há produtores que entregam programas a custo zero. É claro que não tiveram dinheiro para fazer muito mais do que os mínimos", afirma Henrique Garcia.

E, evidentemente, o modelo da SIC Notícias pegou e condicionou os seus concorrentes. "Nem a RTP N em 2004 nem a TVI 24 em 2007 trouxeram uma ideia nova. Seguiram o mesmo modelo da SIC Notícias. Isso também tem ajudado nesta liderança. O que não tira o mérito do canal", diz Nuno Santos.

"O modelo dos vários canais é semelhante, mesmo que não sejam uma repetição, está tudo inventado - os canais internacionais são a mesma coisa", diz José Alberto Lemos.

Na discussão sobre os meios de cada um ou sobre o número de canais, entra também a clivagem entre televisão privada e televisão pública. "Gostaríamos de ter os mesmos meios e os financiamentos que o Estado dá ao canal do Estado, para lá dos subscritores e da publicidade. A concorrência podia ser mais leal; se o Estado financia um canal, devia pelo menos abster-se de ter publicidade", diz o director da SIC Notícias, António José Teixeira. Pelo lado da RTP N, José Alberto Lemos não aceita estas críticas. "A RTP N não vive das subvenções nem onera o orçamento da RTP. Vive dos fees que os operadores pagam e da publicidade, apesar de esta ser pouca."

O poder do directo

Para o melhor e para o pior, a verdadeira base comum em que assentam todos estes canais de notícias, o que os faz parecer todos iguais e permite, ao mesmo tempo, que possam mudar todos os dias é o directo. O directo é a quintessência do canal de notícias. Fonte de todos os excessos e de todas as surpresas. Uma linguagem em si mesma. Dentro e fora do estúdio, na notícia, na reportagem ou na entrevista.

Para Mário Crespo, o directo é o sal e a pimenta das conversas que conduz diariamente no Jornal das 9. "A primeira pergunta é sempre o mais importante", diz. "Uma vez comecei uma entrevista a Lobo Antunes a dizer-lhe que metia medo entrevistá-lo. Disse-lhe isso no ar e ele ficou surpreendido", conta. "A espontaneidade tem de ser forçada. Faço imensos guiões, mas tem de haver um elemento genuíno. Se não for assim, não vale a pena fazer directos."

Com Henrique Garcia (estão os dois no ar à mesma hora, todos os dias), Crespo simboliza uma geração mais antiga que praticamente desapareceu dos ecrãs. Em contraste com o que acontece noutros países onde os canais não estão fechados aos cabelos brancos. Nada que incomode nenhum dos dois. Para Henrique Garcia, o jornalismo tem evoluído sempre. "Há mais gente jovem que pode ser imatura, mas tem ambição, é senhora do seu nariz e tem uma boa formação."

E por que não existem na televisão portuguesa pivôs que resistam ao tempo, as versões locais de um Jeremy Paxman ou de um Dan Rather [pivôs históricos da TV britânica e norte-americana]? Crespo acha que é por causa as constantes mudanças de chefias e de rostos, que variavam ao sabor das mudanças de governo no tempo em que só existia a RTP. "A febre política da RTP é o pecado original. Por isso não se criou uma aristocracia nas televisões. Depois, a SIC começou com caras novas porque os seniores ficaram na RTP. E a coisa tornou-se um concurso de caras bonitas e jovens."

O tempo está a dar razão a Crespo. Com o aparecimento das privadas, a geração de apresentadores que saltou para a primeira linha no princípio dos anos 1990 (José Alberto Carvalho, José Rodrigues dos Santos, Rodrigo Guedes de Carvalho) tem crescido sossegadamente no ecrã.

No cabo, João Adelino Faria tornou-se numa das caras mais marcantes e o único de quem se pode dizer que já foi uma figura de proa em dois canais. "Quando fui para a RTP N, a SIC fez uma campanha a promover as suas caras e resultou."

Quando lhe perguntamos pelos momentos mais marcantes no canal, lembra-se da morte de João Paulo II: "Foi quando o Miguel Monteiro me diz ao auricular "Morreu o Papa" e eu fico a pensar na responsabilidade de dizer aquilo às pessoas. Mas os momentos pessoais são sempre mais importantes do que os grandes momentos", afirma, citando o momento em que soube da morte de Cáceres Monteiro, jornalista e antigo director da Visão. Ana Lourenço, que durante anos partilhou a antena com Adelino Faria, cita a lembrança da morte, este ano, de outro jornalista, Mário Bettencourt Resendes, que era comentador desde os primeiros tempos da SIC Notícias.

Era um dos comentadores de referência da estação e um dos que se tornaram numa parte intrínseca da SIC Notícias. "Estão aqui não apenas por o canal ser líder, mas por gostarem da ecologia da estação", diz Mário Crespo, citando o caso de Pacheco Pereira ou de outra figura já desaparecida, Saldanha Sanches. Entre as áreas-chave do comentário estão a política, a economia mas também o desporto. É o que lembra Paulo Garcia, jornalista de desporto desde o primeiro dia da SIC e pivô de O Dia Seguinte, programa recordista de audiências do canal: "A opinião no desporto tem muito peso, como a restante opinião no resto do canal. A SIC Notícias tem picos de audiência antes e depois dos jogos transmitidos por outros canais. E isso deve-se à força do comentário."

A TSF na televisão

Os canais informativos vão buscar muita da sua bagagem à rádio e por isso a certa altura se dizia que a SIC Notícias era a TSF em televisão. Paulo Magalhães, hoje pivô da TVI e fundador da TSF, mede as diferenças entre os dois meios. "A diferença é muito grande. A rádio só marca a agenda de manhã. É muito mais fácil trazer pessoas a estúdio numa televisão do que na rádio, as pessoas sabem o impacto que isto tem." João Adelino Faria tem outro olhar: "Há muita televisão a ser feita como se fosse rádio. Estamos a banalizar a palavra, a nossa televisão tem muitas palavras e pouco vídeo. E há um público que passa da rádio e dos jornais para a televisão porque é mais cómodo."

E o futuro? Será dos canais temáticos de informação o futuro das notícias na TV? Se as novelas já foram classificadas de ópio do povo, estará confinada aos canais temáticos a informação, como se de uma espécie de ópio dos espectadores mais exigentes se tratasse? O investigador Nuno Goulart Brandão não acredita que assim seja. "Enquanto a TV generalista existir e houver pessoas sem cabo, devíamos continuar a insistir na informação em sinal aberto."

Uma opinião que é partilhada por Nuno Santos. "A informação é o segundo género mais procurado na televisão generalista, a seguir à ficção. E em Portugal este facto é ainda mais importante uma vez que a TV ocupa um lugar muito importante na vida das pessoas. Repudio a ideia de uma TV generalista entregue a uma informação superficial, populista, à procura de audiências, como profissional e como espectador."

O facto é que, lembra Rui Cádima, professor da Universidade Nova de Lisboa e investigador na área da televisão, o exemplo norte-americano nos serve para perspectivar o que se pode esperar do papel dos canais generalistas e temáticos num futuro próximo: "A TV generalista terá de entrar mais pelo entretenimento. Nos EUA, o que se verifica na análise de conteúdos da TV é que a informação dos generalistas em prime time foi sendo reduzida e dando lugar ao entretenimento. A informação é algo mais difícil de penetrar nas faixas etárias mais jovens. Mas as notícias às 20h00 vão manter-se, nasceram com a TV."

"Já todos achámos que os canais temáticos de informação iam matar a informação nos generalistas de sinal aberto. Mas isso não vai acontecer. Há um público da generalista e um do cabo. Essa discussão do perigo autofágico já foi ultrapassada. Isso tem-se provado em todo o mundo", frisa também Ricardo Costa.

Os timings são a variável imprevisível. Rui Cádima lembra que sabemos que o perfil de consumo de televisão vai mudar, mas o tempo em que essa mudança vai ocorrer é uma incógnita: "Podemos ver que está a haver uma inversão de hábitos e que as coisas vão mudar, mas o problema é o tempo. A transformação não é assim tão acelerada quanto isso." E acredita que há uma nova geração, os "nativos digitais", entre os 14 e 16 anos, que a SIC Notícias já perdeu. "Têm alguma relação com a ficção como os Morangos com Açúcar ou com as séries da Fox mas são um público pouco consumidor de informação."

E o perfil dos canais de informação vai mudar? O que é possível fazer? António José Teixeira sublinha as ameaças que encontramos no presente. "O jornalismo ficou enfraquecido a partir do momento em que do lado das fontes se montaram estruturas muito profissionais de relações públicas e de comunicação, que porventura ocuparão mais profissionais do que o jornalismo." E acrescenta: "O jornalismo precisa de mais militância; precisamos de fortalecer mais o jornalismo, em convicção e em investimento, porque ele porventura poderá naufragar."

Para João Adelino Faria, talvez fosse tempo de parar para pensar em vez de "estarmos todos a fazer o mesmo programa com outros comentadores à mesma hora". Agora, refere, estamos a viver na "ditadura da economia". E não há orçamento para reportagens internacionais, por exemplo. "Para fazer alguma coisa completamente diferente, é preciso investir. Talvez esteja na altura de fazer coisas diferentes e arriscar."

ana.machado@publico.pt

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