Cavaco comprou acções da SLN a um preço mais baixo que os accionistas

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Cavaco Silva numa acção de pré-campanha, em Novembro de 2010 Foto: Pedro Cunha

Meses antes de Cavaco Silva ter comprado acções da Sociedade Lusa de Negócios (SLN, que controlava o capital do BPN), a empresa tinha realizado um aumento de capital. Aí, no dia 24 de Novembro de 2000, o valor dos títulos foi fixado em três categorias: a 1,8 euros para venda aos accionistas, a 2,2 euros a outros investidores e a um euro para um lote de acções que Oliveira Costa reservou para si e para algumas sociedades do grupo, entre as quais a SLN Valor. Deste lote de acções a um preço inferior ao que fora fixado para os accionistas, 105.378 acabaram por ser vendidas a Cavaco Silva, que na altura estava afastado de qualquer cargo de responsabilidade política.

Dado que a SLN Valor não estava cotada em bolsa, a referência para o preço de compra das acções realizada por Cavaco Silva acaba por ser o do último aumento de capital da SLN. Uma vez que o investimento do candidato foi realizado em 2001, desconhecendo-se o mês e dia em concreto, e o último aumento de capital foi realizado em Dezembro de 2000, regista-se uma proximidade temporal muito grande.

A operação de aumento de capital, realizada pela emissão de 200 milhões de acções, foi realizada em três modalidades. Uma das fatias do aumento de capital, no montante de 35 milhões de acções, foi reservadas aos accionistas, ao preço de 1,8 euros por acção. O valor nominal da cada acção era de um euro, pelo que os accionistas pagaram um prémio de 80 cêntimos acima desse valor. Outra fatia, no montante de 92 milhões de acções, foi destinada a uma lista de investidores, identificada em documento anexo à acta da assembleia geral, onde figuravam Abdool Vakil, Dias Loureiro, José Roquette, entre muitos outros. Para estes, o preço por acção foi fixado em 2,2 euros, pagando, assim, um prémio de 1,2 euros.

A última tranche, a maior, no montante de 108 milhões de títulos, foi colocada a um euro, ou seja, sem qualquer prémio de subscrição. Segundo a escritura de aumento de capital a que o PÚBLICO teve acesso, esta fatia foi destinada a um conjunto de investidores, identificados numa lista anexada à acta da assembleia geral de accionistas de Novembro. Dessa lista de subscritores de acções ao preço especial de um euro fazia parte o nome de Oliveira Costa, presidente e accionista da SLN, e do BPN, e mais três sociedades instrumentais do mesmo grupo: a SLN Valor, a SLN Participações e a NextPart.

Quem vendeu as acções?

Na acta da assembleia, é referido que a compra de acções da SLN por parte da SLN Valor estava relacionada com o projecto de admissão à bolsa da casa-mãe, e que a subscrição por parte da NexPart estaria relacionada com acções a subscrever por quadros, como forma de premiar o seu desempenho. Não é perceptível a razão por que Oliveira Costa compra acções a um euro, quando o valor fixado para os accionistas em geral é de 1,8 euros. A questão chegou a ser colocada na assembleia geral por um accionista, mas a resposta do então presidente está omissa na acta.

Chegados a este ponto, percebe-se que o valor de um euro fixado para as acções de Cavaco tinha um precedente muito recente. Quem vendeu as acções ao ainda Presidente da República, não se sabe. O PÚBLICO apurou que os accionistas não foram informados sobre as operações de venda das acções por parte de algum accionista com vista a satisfazer a compra de Cavaco, como obrigam os estatutos, ao abrigo de um direito de preferência na movimentação de acções.

Em declarações ao PÚBLICO, um antigo accionista da SLN, que pediu anonimato, explicou que a venda, ou foi ilegal - venda directa de um accionista sem a respectiva comunicação aos restantes - ou foi feita através de uma das sociedades instrumentais, que de acordo com os mesmos estatutos (artigo 7.º) estavam isentas de prestar informação sobre compra e venda de acções. As sociedades isentas dessa comunicação eram as que subscreveram acções a um euro.

Só Cavaco comprou acções a esse preço? Não. Vários investidores e mesmo alguns accionistas da empresa têm admitido que compraram acções da SLN a um euro. O mesmo ex-accionista da SLN explicou ao PÚBLICO que Oliveira Costa atraiu, durante vários anos, muitos investidores para a SLN, através da venda de acções a um preço relativamente baixo, com a promessa de altas rentabilidades em poucos anos. "Da mesma forma que se ofereciam rentabilidades de 10 por cento em depósitos a prazo, a cidadãos desconhecidos, o antigo presidente oferecia rentabilidades anuais de 20, 30 ou 40 por cento a grandes investidores", explicou a mesma fonte.

Muitos desses contratos foram reduzidos a escrito, através de contratos de recompra, de que há vários casos tornados públicos, como será o caso da situação denunciada ontem por Paulo Portas (ver texto na Economia). Muitas outras promessas de rentabilidade eram meramente verbais, apesar da legislação de banca de investimentos exigir a sua redução a escrito.

Até ao momento, ainda não foi possível saber se a ordem e condições de investimento dadas por Cavaco foram objecto de contrato escrito. O que se sabe é que Cavaco escreveu ao presidente do conselho de administração da SLN, Oliveira Costa, a solicitar que procedesse à venda das respectivas acções, de que era titular através de conta no BPN. Apesar do silêncio de Cavaco, que se recusou a aceitar o repto dos restantes candidatos para que dissesse a quem vendeu e quem fixou o preço, a questão foi esclarecida com a divulgação do referida carta. É que Oliveira Costa autorizou a compra das acções pela SLN Valor, ao preço de 2,40 euros por acção.

Como é que o ex-presidente do banco chega a este valor? Não se sabe. Sabe-se apenas que não é muito mais do que o preço máximo a que foram vendidas acções no aumento de capital de 2000 e que há vários contratos de recompra com valores superiores, que chegam aos três euros. Ontem, em declarações à TSF, o actual presidente da SLN Valor e membro da Comissão de Honra de Cavaco disse que, "para o que se praticava na altura", o valor pago a Cavaco estava até "abaixo da maioria das compras". Sobre o timing da saída, Alberto Queiroga Figueiredo deixa no ar a possibilidade de Cavaco ter "tido um feedback de que as coisas não estavam a correr bem".

Cavaco teve seguros e fundos no BPN em 2005

Além das acções da SLN - Sociedade Lusa de Negócios, dona do BPN, que deteve em 2002 e 2003, Cavaco Silva esteve directamente ligado ao BPN enquanto cliente pelo menos em 2005 e 2006, de acordo com as declarações de património que entregou no Tribunal Constitucional - e que o candidato já recomendou, várias vezes, aos seus concorrentes que consultem.

O PÚBLICO consultou as que estão disponíveis, referentes à sua candidatura anterior (sobre rendimentos de 2004), entrada para o cargo de Presidente da República (rendimentos de 2005), e actual candidatura (2009).

Em Novembro de 2005, quando se candidatou, Cavaco tinha seguros de capitalização do BPN no valor de 210.634 euros.

Seis meses depois, ao assumir a Presidência, declarou possuir uma conta no BPN à qual estavam associados vários fundos de investimento: 483,310 unidades de participação do fundo Quam Multimanager 10%; 578,034 do Quam Multimanager 5%; e ainda 817,140 unidades do SISF Euro Cash Enhanced Return Portfolio. De acordo com informação de sites especializados em fundos de investimento, cada unidade dos Quam Multimanager valia então no mínimo 110 euros e, apesar de na declaração, preenchida à mão, o número de participações aparecer com vírgulas, entende-se que sejam sempre na ordem das centenas.

A declaração mais recente, feita a 14 de Dezembro último, não tem qualquer referência ao BPN.

Uma leitura conjunta das três declarações mostra que Cavaco Silva é um investidor diversificado e trabalha com quatro bancos: BCP, BPI, CGD e Montepio. Tem, há vários anos, dezenas de milhares de acções da banca (BCP, BPI), EDP, Jerónimo Martins, Brisa, PT, Zon, Sonaecom, a que se somam obrigações, variados fundos de investimento (milhares de unidades de participação), obrigações, PPR no valor de 52.583 euros, depósitos à ordem no valor de 56 mil euros, e a prazo no valor de 560 mil euros. Mas declara dever "ao Banco de Portugal 14.421 euros fruto de empréstimo bancário". Maria Lopes

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