Os novos e grandes vinhos de Alves de Sousa
No passado mês de Dezembro, o produtor Domingos Alves de Sousa apresentou em Lisboa os seus novos vinhos, provenientes das diversas quintas que possui no Douro. Provámos os vinhos na Quinta da Gaivosa e, depois de conhecermos a propriedade, ficámos a perceber um pouco melhor por que razão os vinhos daquela quinta e da vizinha vale da Raposa (situadas na Cumieira, entre Vila Real e a Régua) são tão bons e tão distintos.
Só percorrendo as propriedades, com as suas pendentes acentuadas, e observando as vinhas (umas velhas e outras novas, umas expostas a oeste e a sul, outras a norte e este), os bosquetes, os tufos de medronheiros que se erguem de onde em onde, as oliveiras em bordadura, as árvores de fruto junto aos caminhos, o solo pedregoso, os horizontes sem fim, se fica a entender a brutalidade deliciosa do Abandonado, a complexidade altiva do Vinha de Lordelo e a quase perfeição do Quinta da Gaivosa, por exemplo (três dos grandes vinhos de Alves de Sousa, a par dos seus Reserva Pessoal, tinto e branco). A propriedade é a imagem do Douro: montanhosa e diversa. O termo "montanhosa" talvez não encaixe bem se tivermos em conta o facto de a cota mais alta das duas quintas não ultrapassar os 400 metros, mas não é com essa ideia que se fica quando se chega ao cume e se avistam montes e vales sem conta e nos parece que o Marão, em linha de vista, está só um pouco mais alto. É pura ilusão de óptica, mas a proximidade da grande serra transmontana é, pelo menos, certeza de uma coisa: frescura. O solo pedregoso e a boa exposição de grande parte da quinta garantem o resto: mineralidade e calor.
E está assim desvendada uma parte do segredo dos vinhos de Alves de Sousa. Mas há outros factores determinantes. O estado da vinha é um deles. A vinha de onde sai o Abandonado, por exemplo, é muito velha e tem mais falhas do que videiras. Estava condenada à reestruturação, agora só deverá morrer de velhice. A produção é muito baixa e a vinha, localizada a uma cota alta e exposta a oeste, derrama-se na encosta de forma quase dramática, como se se fosse perder no precipício. O vinho é a imagem da vinha: dramática, retorcida, sem ordem e onde o pouco que produz nasce concentrado e rico.
Os brancos da Gaivosa nascem também lá bem no alto, em vinhas viradas a norte que no Inverno quase congelam. Não muito longe, fica a vinha nova de tintos da quinta, cerca de sete hectares arrancados às fragas. A primeira colheita foi vinificada em 2008 e originou um vinho que já impressiona pela sua concentração, estrutura e riqueza olfactiva e gustativa. Um caso sério. Chama-se Gaivosa Primeiros Anos e foi um dos novos vinhos apresentados.
Os outros foram estes: Caldas Porto White, Quinta da Gaivosa Porto Vintage 2008 (muito interessante), Quinta do Vale da Raposa Touriga Nacional 2008 (bastante frutado e especiado, algum floral, boca cheia, grandes taninos, madeira ainda demasiado evidente, boa acidez), Quinta do Vale da Raposa Sousão 2009 (apenas o quarto ano da vinha mas já bastante profundo e longo, com bons taninos e muito balsâmico), Tapadinha Lote TTT 2008 (vinho de Touriga Franca e Touriga Nacional que o mercado vai adorar, pela elegância e harmonia), Branco da Gaivosa Reserva 2009 e Quinta da Gaivosa Tinto 2008.
O branco já incorpora uvas da casta Avesso e isso nota-se na sua mineralidade e exuberância da fruta, de cariz mais exótico. É um vinho cheio de frutos secos no aroma, com algumas notas de fumo incorporadas pela madeira. O estágio em barrica engordou o vinho e deu-lhe complexidade, mas não o marcou em demasia, graças também à boa acidez que este tem. Muito bom.
O Gaivosa Tinto 2008 está ao nível do seu prestígio. É um dos melhores vinhos do país e esta colheita, que só vai sair para o mercado lá para o final deste ano, irá dar que falar novamente. Está raçudo e intempestivo, fresco e longo, com muita fruta vermelha, especiarias, grande estrutura e um final que parece nunca acabar. Quando afinar, vai ser uma bênção bebê-lo.