Contribuição sobre a banca arrisca-se a ser inconstitucional

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José Sócrates

Constitucionalistas acham que tem de ser o Parlamento a fixar a taxa do imposto e não o Governo. E se o IRS fosse cobrado assim?

A contribuição extraordinária sobre o sector bancário, que deveria ser o esforço da banca para a austeridade, arrisca-se a ser inconstitucional, segundo constitucionalistas ouvidos pelo PÚBLICO. Os professores Paulo Otero da Faculdade de Direito de Lisboa e Tiago Duarte da Universidade Nova de Lisboa consideram que a opção de remeter para portaria a fixação das taxas a aplicar contraria a Constituição.

"Tenho grandes dúvidas sobre a constitucionalidade [dessa disposição da lei]", afirmou ao PÚBLICO Paulo Otero. A Constituição impõe, no seu artigo 103º, ponto 2, que "os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes". Assim, deve ser o Parlamento e não o Governo a determinar os impostos. Colocar na lei um intervalo de taxas, remetendo para portaria a fixação da taxa, deixa o imposto à discricionariedade administrativa.

Da mesma forma argumenta Tiago Duarte. "Se a lei que foi aprovada não contempla os elementos essenciais do imposto - e a taxa é um deles -, pode vir a ser considerada inconstitucional", afirmou. Na sua opinião, "é inconstitucional, porque viola o princípio da legalidade do imposto".

A contribuição extraordinária para o sector bancário foi aprovada com o Orçamento do Estado de 2011. Na altura, nem o Governo nem o primeiro-ministro explicaram aos deputados em quanto queriam tributar a banca.

A lei viria a consagrar que a taxa da contribuição variava entre 0,01 e 0,05 por cento do passivo apurado de cada instituição financeira, deduzido dos fundos próprios e dos depósitos abrangidos pelo Fundo de Garantia de Depósitos. E, por outro lado, entre 0,0001 e 0,0002 por cento dos valores dos produtos derivados, fora do balanço. Mas determinou que "a base de incidência", bem como as "taxas aplicáveis" seriam fixadas em portaria do ministro das Finanças, ouvido o Banco de Portugal.

Vários riscos legais

Ontem, no debate quinzenal no Parlamento, o primeiro-ministro - em resposta às dúvidas da deputada ecologista Heloísa Apolónia - justificou a opção do Governo por se estar à espera da definição pela União Europeia do novo imposto sobre a banca (ver caixa). José Sócrates reconheceu assim que os elementos essenciais do imposto estão, de facto, por definir.

"Seria aceitável que a taxa de IRS variasse entre um "x" e um "y"" e a tributação efectiva fosse determinada por outra entidade que não o Parlamento? "Parece que não", responde Otero. A "Constituição é exigente", ao determinar que seja aprovada uma "taxa fixa", "sem margem de discricionariedade administrativa".

E há uma razão para ser assim, alegam. "O que se pretende com a necessidade de os elementos essenciais serem determinados pela AR é que sejam os representantes do povo a decidir como se retirar dinheiro aos contribuintes", explica Tiago Duarte. Por isso, a fixação desses elementos é reserva legal do Parlamento, continuam os constitucionalistas.

Mas a questão não é original. Como lembra o fiscalista e ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais António Carlos Santos - que criticou a técnica legislativa do Governo - os impostos especiais de consumo foram aprovados da mesma forma e ninguém suscitou a sua inconstitucionalidade. Mas tanto Paulo Otero como Tiago Duarte respondem que esse facto - criado por razões de pragmatismo - não impede que ainda se suscite a inscontitucionalidade desses impostos.

A opção do Governo pode ter outras consequências. Dado que a portaria não foi ainda publicada, pode surgir a questão da retroactividade fiscal. Pelo menos desde 1 de Janeiro até à data da publicação da portaria. O fiscalista e ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais do Governo Guterres Rogério Fernandes Ferreira lembra ainda outras. É o caso da "ausência de critérios legais e objectivos para a determinação das taxas concretamente aplicáveis".

Mas esta discussão poderá ser apenas formal. O Tribunal Constitucional, apesar de partido ao meio na discussão da retroactividade do aumento extraordinário do IRS em 2010, foi sensível ao argumento do interesse nacional na actual conjuntura.

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