Revolta dos jovens argelinos não se extingue

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Manifestantes entraram em confronto com a polícia Farouk Batiche /Reuters

A manhã foi calma nas principais cidades do país, com os serviços municipais atarefados a limpar os despojos das batalhas campais da noite anterior, enquanto centenas de polícias antimotim faziam guarda às mesquitas dos bairros populares da capital, horas antes das orações do meio-dia, as mais importantes da semana.

Mas a violência regressou pela tarde, com confrontos em Argel, Orão (Oeste) e, pela primeira vez, em Annaba, no extremo leste da costa norte.

Um correspondente da AFP contou que os incidentes começaram num bairro operário da cidade, pouco depois das orações. Centenas de jovens lançaram uma “chuva de pedras” contra os reforços policiais enviados pelo Governo. Horas depois, barricadas erguidas pelos manifestantes tornaram intransitável a avenida de acesso ao hospital universitário da cidade.

Em Argel, o epicentro dos protestos – contra o desemprego, o aumento do custo de vida, a corrupção – era ontem o bairro de Belouizdad, no Leste da capital. De um lado, os jovens atiravam garrafas e pedras contra as forças antimotim, que respondiam com granadas de gás lacrimogéneo e canhões de água. Protestos, ainda assim, menos violentos do que os dos dois dias anteriores, quando houve carros incendiados e várias lojas saqueadas.

Numa tentativa para serenar os ânimos, o Governo anunciou para este sábado uma reunião extraordinária onde será debatida a subida dos preços dos bens essenciais, a gota de água que fez transbordar a contestação social.

Farinha, açúcar e óleo são alguns dos produtos que duplicaram de preço no espaço de meses, dificultando a vida das famílias pobres e agravando a revolta dos mais jovens. Eles representam 75 por cento da população e, apesar de mais instruídos do que os pais, confrontam-se com um mercado de trabalho incapaz de os absorver – um quinto não tem emprego.

Sem trabalho e sem futuro

Um desencanto que um repórter da agência de notícias francesa testemunhava ontem em Bab el Oued, bairro densamente povoado de Argel, no centro de todas as revoltas na Argélia das últimas décadas. “Não temos trabalho, não temos futuro. E agora não temos mesmo o que comer”, revoltava-se um rapaz que não quis dar o nome. Ao lado, um amigo, que se identificou apenas como “Johnny” – “como o Johnny Cash, mas sem o cash [dinheiro]” –, explicava o assalto de quarta-feira à esquadra de polícia e os saques a várias lojas do bairro: “Nós gritamos, queimamos e partimos porque essa é a única linguagem que eles entendem.”

Depois de três dias em silêncio, o Governo de Abdelaziz Bouteflika pediu contenção. “A violência nunca deu resultados, nem na Argélia, nem em nenhum lado”, disse o ministro da Juventude e Desporto, Hachemi Djiar, pedindo aos que se manifestam para “não se deixarem manipular”, como aconteceu “durante a década negra” da guerra civil, que opôs o regime de Argel a grupos islamistas.

Os analistas sublinham, porém, que este é um movimento espontâneo, protagonizado por jovens pouco politizados, mas desiludidos com a falta de perspectivas. A crise internacional agravou o desemprego, tornou mais difícil a emigração e fez subir o custo de vida, colocando sob maior pressão um regime desgastado.

Uma situação que é, em muitos aspectos, idêntica à da Tunísia, onde o suicídio de um jovem vendedor ambulante, em Dezembro, desencadeou protestos que ainda se arrastam. “São dois países com sistemas políticos em crise”, com líderes em fim de carreira, minados pela repressão e a corrupção das elites, explicou à AFP Pierre Vermeren, professor da Sorbonne.

Mas o especialista em Magrebe alerta que o que está em causa é, ainda assim, diferente. Na Tunísia, “esta não é apenas uma violência de razões sociais, mas um protesto contra o regime” de Ben Ali, na prática uma ditadura. Já na Argélia, e apesar das limitações, a Frente de Libertação Nacional (FLN, no poder) “mantém a legitimidade do partido da libertação e, não obstante as limitações, a oposição pode exprimir-se no espaço público”.

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