Em Serralves, Trisha Brown é a cabeça de cartaz do programa "Improvisações/Colaborações". A coreógrafa norte-americana abre, de 18 de Abril a 1 de Maio, um conjunto de manifestações que se prolongam em Maio e Junho, em torno não apenas da dança enquanto prática, mas enquanto reflexão sobre os modelos de organização social. A oportunidade é rara e inscreve, pertinentemente, o Serviço de Artes Performativas do Museu de Serralves no circuito de programação internacional menos preocupado com a novidade e mais consciente da memória enquanto matéria regeneradora do presente.
O programa Trisha Brown inclui a apresentação de 13 peças, cobrindo um período que vai de 1968 a 1974, Entre esses "Early Works", estão três - "Sticks" (1973), "Spanish Dance" (1973), "Figure Eight" (1974) - que já foram apresentadas em 2008, quando Serralves, no âmbito da exposição de Robert Rauschenberg "Em viagem 70-76", mostrou trabalhos da coreógrafa, que durante anos trabalhou com o pintor.
São 40 anos de dança que aqui se celebram, mas é também a singularidade de um olhar onde a dança foi sempre um ponto de partida para uma investigação acerca dos modos de construção do movimento na sua relação com o corpo do intérprete e o olhar do espectador. "Trisha é o acordar da perfeição", disse uma das bailarinas da sua companhia, referindo-se ao modo intuitivo, e não estratégico, como Brown desenvolve o seu trabalho.
A coreógrafa norte-americana, nascida em 1936, é pioneira, com um conjunto de outros nomes como Yvonne Rainer, Deborah Hay ou Steve Paxton, de uma dança que só é contemporânea porque se inscreve num presente que é o somatório de experiências e projecções. Como o seu movimento. "O movimento browniano não é linear. É um encontro de rupturas, por vezes mesmo uma colagem belicista em que os elementos se afrontam", escreveu Jean-Marc Adolphe na revista "Mouvement". Foram artistas, explica o programa, que, "cruzando a arte e a vida quotidiana e definindo os primórdios daquilo que mais tarde se viria a chamar a pós-modernidade", deram novo sentido à ideia de contemporaneidade.
"A sua obra nunca se resumiria a uma técnica ou a um vocabulário. A sua dança, de uma musicalidade louca, é um fluir insaciável de caminhos suspensos, de quedas inesperadas, de balanços enganadores, de golpes esquivados", continua Adolphe.
Brown é autora de um movimento que inscrevia o corpo em contínuo equilíbrio com o espaço e o tempo de produção - são famosas as suas experiências nos telhados de Nova Iorque, na floresta ou, se no palco, alterando a escala de valores entre público e intérprete. Nunca lhe interessou uma experimentação sem consequência, mesmo que as suas peças sejam, na sua maioria, experiências metafóricas. "Interessa-me muito o paradoxo de uma acção que trabalha na busca de um encontro com uma outra", diz. Daí ser possível definir estas peças como o ponto de partida para o que Brown definiria como "processo de acumulação". Ou seja, a construção de um movimento contínuo, não apenas no corpo, mas no espaço e na memória.