Pinto Monteiro cortou à tesoura excertos de escutas a Sócrates transcritos num despacho
Fase de instrução do caso Face Oculta inicia-se hoje em Lisboa no Tribunal Central de Instrução Criminal
O procurador-geral da República (PGR), Pinto Monteiro, cumpriu à letra as indicações do presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Noronha Nascimento, para destruir nos seus despachos sobre o caso Face Oculta - cuja instrução se inicia hoje, em Lisboa - as transcrições das conversas entre o primeiro-ministro, José Sócrates, e o ex-banqueiro Armando Vara. Pinto Monteiro não se limitou a rasurar ou a eliminar as passagens dessas conversas: as folhas dos autos foram retalhadas à tesoura nos sítios onde estavam registados os diálogos entre Sócrates e Vara. E foi com esses recortes que algumas folhas do processo chegaram à Comarca do Baixo Vouga e ao Tribunal Central de Instrução Criminal, em Lisboa.
Noronha Nascimento acabaria, recorde-se, por considerar irrelevantes e nulas as escutas e ordenou a destruição dos respectivos suportes digitais e a transcrição das conversas. Os despachos de ambos os conselheiros foram motivados pelo facto de, na sequência da Reforma Penal de 2008, o juiz de instrução para as escutas em que intervenha o primeiro-ministro, o presidente da Assembleia da República e o Presidente da República ser o presidente do STJ. E o Ministério Público ser, obrigatoriamente, representado pelo PGR, que é o representante do Ministério Público junto do STJ.
Contactada pelo PÚBLICO, uma fonte oficial da PGR desvalorizou a situação. "Tudo foi esclarecido em oportunas respostas à imprensa. A título informativo, envia-se uma das respostas com a data de 21 de Julho de 2010. Não se percebe qual o interesse em voltar à questão", frisa a porta-voz da PGR. Segundo a nota emitida há meio ano, a PGR informa: "Em cumprimento do decidido pelo senhor presidente do STJ, foram mandadas destruir todas as referências aos conteúdos das gravações que constavam nos despachos proferidos pelo PGR. Antes dessa destruição, os despachos originais foram reproduzidos, mas sem as referências às mencionadas escutas. Factos estes já comunicados ao juiz de instrução da Comarca do Baixo Vouga."
A remessa do expediente relacionado com as escutas entre Sócrates e Vara foi pretexto para um braço-de-ferro entre Pinto Monteiro e o juiz da Comarca do Baixo Vouga, António Costa Gomes. Este magistrado judicial insistiu várias vezes para a devolução àquela comarca do processo onde foram despachadas as escutas entre Sócrates e Vara, para ser dado "integral cumprimento às decisões do presidente do STJ, no sentido da destruição de todos os suportes".
António Costa Gomes acentua: "Não foi por este tribunal ordenada, autorizada e efectuada transcrição de nenhum dos produtos em que interveio o primeiro-ministro." E exprime a sua estupefacção pelo facto de nos despachos/promoções do PGR constarem "integralmente os produtos anulados e mandados destruir", através de despachos de Noronha Nascimento.
A destruição das escutas foi contestada pela defesa do arguido Paulo Penedos, que juntou um parecer do penalista Paulo Pinto Albuquerque, sustentando a nulidade dos despachos de Noronha Nascimento. Ricardo Sá Fernandes confirmou ontem ao PÚBLICO a intenção de recorrer para a secção criminal do STJ do último despacho de Noronha Nascimento.