Marcar território(s)

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Quem se indignou com o que aconteceu em Díli não pode deixar de se indignar com o que aconteceu este ano em El Aaiún

Há um ano um nome aparecia em destaque nos noticiários de todo o mundo: Aminatu Haidar. Esta activista política sarauí terminava, em Dezembro de 2009, um mês em greve de fome como protesto contra a sua detenção e posterior expulsão (para as ilhas Canárias, em Espanha) efectuadas, um mês antes, pelas autoridades de Marrocos por alegadamente (continuar a) recusar reconhecer a soberania daquele país sobre o território do Sara Ocidental, de onde ela é natural e cuja autodeterminação e independência ela apoia - uma causa pela qual se manifesta há mais de duas décadas e que já lhe valeu, de certeza, vários anos de prisão e, quase de certeza, maus tratos e torturas.

Este ano, Aminatu Haidar voltou a estar em destaque nos noticiários... de Portugal: em Novembro último visitou o nosso país, tendo recebido no dia 9 daquele mês a Medalha da Universidade de Coimbra "em reconhecimento pela sua postura e actuação cívicas em defesa dos direitos humanos no Sara Ocidental". Na véspera, aquele território voltara a estar momentaneamente sob a atenção da comunicação social internacional devido a uma acção armada marroquina que interveio e desmantelou (n)um acampamento sarauí em Gdeim Izik, perto de El Aaiún, a capital do Sara Ocidental, de que resultaram mortos, feridos e detidos. Neste contexto, Haidar, homenageada também em Lisboa pela Ordem dos Advogados a 10 de Novembro, criticou o comportamento do Governo português por não responder aos seus pedidos de realização de reuniões e lembrou - sem dúvida para suscitar comparações (inevitavelmente) desfavoráveis entre atitudes do passado e do presente - o papel desempenhado pelo nosso país no processo de autodeterminação e independência de Timor-Leste.

Essas comparações são inteiramente justificadas. Quem se indignou com o que aconteceu em Díli em 1991 não pode deixar de se indignar com o que aconte- ceu este ano em El Aaiún. Do mesmo modo, quem condenou a violência perpetrada em Lhasa em 2008 não pode deixar de condenar a violência perpetrada este ano na capital do Sara Ocidental. Ou seja, quem defende(u) as independências de Timor e do Tibete tem, em consciência, de defender também a independência daquele território do Oeste de África.

Porém, seria injusto colocar, enquanto regime repressor, o Marrocos de Maomé VI ao mesmo (baixíssimo) nível da Indonésia de Haji Suharto e da China de(sde) Mao Tse-tung. E há possivelmente um facto(r) muito importante, mas ignorado, que pode explicar (mas não desculpar) em parte, ou na totalidade, o comportamento das autoridades de Rabat na antiga colónia espanhola: o de duas cidades marroquinas, Ceuta e Melilla, continuarem, há quase cinco séculos, sob ocupação colonial de Madrid. No entanto, talvez os nossos vizinhos estivessem disponíveis e dispostos a devolver a soberania sobre aqueles dois enclaves... se soubessem que iriam reaver Gibraltar ao Reino Unido. Este tem Portugal como seu mais antigo aliado na Europa, e que por sua vez tem também um território seu ocupado ilegalmente pela Espanha, e há 200 anos: Olivença.

Há, pois, países e povos que insistem em marcar território(s) como seu(s), embora (já) não tenham legitimidade para tal. E a ocupação efectiva, mesmo que por muito tempo, não é - nunca é - um sinónimo de irreversibilidade: afinal, não foram Hong Kong e Macau devolvidas à China no final do século passado? Pelo que não seria igualmente desajustado que a Grécia reivindicasse os territórios correspondentes à ex-república jugoslava da Macedónia e à parte leste (do "lado de cá" do Bósforo) da actual Istambul, antiga Constantinopla e Bizâncio?

Tudo isto para concluir que a geopolítica internacional... e intemporal pode fazer-se de ligações e de implicações insuspeitadas. E que uma mulher pode carregar consigo, na sua luta por uma causa que considera justa, e talvez sem o saber, o peso de disputas perenes entre nações. Jornalista e escritor

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