Um país dividido ao meio e sem reconciliação à vista
Não se trata propriamente da Coreia do Norte e da Coreia do Sul, mas a verdade é que a Costa do Marfim se encontra dividida ao meio, horizontalmente, desde a guerra civil que aí decorreu a partir de 2002.
Tudo começou com um motim de tropas, em grande parte setentrionais, que não se conformavam com o facto de não ser concedido direito de cidadania a milhões de pessoas cujos antepassados eram oriundos de outros territórios e se haviam instalado na Costa do Marfim devido à maior riqueza desta. Nomeadamente, às suas grandes plantações de cacau, que requeriam muita mão-de-obra.
O antigo primeiro-ministro Alassane Ouattara, que não se pudera candidatar às presidenciais de 2000 precisamente por se alegar não haver a certeza de que ambos os seus progenitores já teriam nascido em solo marfinense, refugiou-se na embaixada da França, enquanto a sua residência era incendiada.
As forças governamentais, fiéis ao Presidente Laurent Gbagbo, mantiveram o controlo de Abidjan e de todo o Sul, mas os amotinados assumiram a designação de Forças Novas (FN) e ficaram com o Norte, tendo como principal bastião Bouaké, a segunda cidade do país.
A França, antiga potência colonial, enviou 2.500 soldados para a linha divisória entre as duas partes do país, defendeu a reconciliação entre os sectores antagónicos e pediu que se organizasse uma Operação das Nações Unidas na Costa do Marfim (ONUCI).
Uma vez que Paris, onde tinha grandes amigos na ala esquerda do Partido Socialista, não o ajudou a reprimir a rebelião, antes se tendo mantido neutra, Gbagbo começou a acusá-la de estar a ajudar as FN, cujo caudilho era Guillaume Soro, um católico do Norte, actualmente com 38 anos.
A convite do Presidente Jacques Chirac, em Janeiro de 2003, decorreu na localidade francesa de Linas-Marcoussis uma mesa-redonda que decidiu a criação de um Governo de Reconciliação Nacional, a dirigir por um primeiro-ministro de consenso, que viria a ser precisamente Soro. Este, porém, só tomou posse em Abril de 2007, depois de um acordo de paz que tardou em ser firmado.
Seis adiamentos
Quanto às eleições previstas desde a mesa-redonda, Gbagbo teve artes de as adiar por seis vezes, sob os mais variados pretextos; e só viriam a ter a sua primeira volta em Outubro último, com a segunda em 28 de Novembro. Entre ele e Alassane Dramane Ouattara, agora finalmente presidenciável, por pressão internacional.Ouattara, líder da União dos Republicanos Independentes (RDR, liberal), é um economista que já trabalhou para o FMI, enquanto Gbagbo é um historiador formado na Sorbonne.
Durante os 33 anos de consulado do primeiro Presidente da Costa do Marfim, Félix Houphouët-Boigny, os dois homens que hoje reivindicam a chefia do Estado militaram em campos diametralmente opostos. Laurent Gbagbo criou, na oposição, a Frente Popular Marfinense (FPI) e Ouattara foi o último primeiro-ministro designado pelo "Velho".
Houphouët-Boigny transferiu a capital de Abidjan para a sua terra, Yamoussoukro, mas hoje em dia quase ninguém fala desta suposta Brasília, uma vez que toda a actividade comercial e até mesmo política continua centrada onde sempre esteve.