Maria do Carmo Fonseca ganha Prémio Pessoa por ouvir as conversas dos genes

Foto
Maria do Carmo Fonseca dirige uma equipa de 350 pessoas nuno ferreira santos

Pela quinta vez, uma mulher é distinguida pelo galardão. A investigadora da Faculdade de Medicina de Lisboa dedica-se ao estudo de mecanismos básicos nas células humanas

Quando há erros na transmissão de mensagens no interior das células humanas, podem surgir problemas tão variados como cancro ou anemias. A cientista Maria do Carmo Fonseca, de 51 anos, descobriu como esses erros são detectados pelas próprias células. O trabalho que desenvolveu nesta área valeu-lhe ontem o Prémio Pessoa 2010.

O que são então estas mensagens? Para o explicar, é preciso entrar dentro de uma célula: é aí que está a famosa molécula de ADN, que contém os genes. E estes são nada menos do que o código de instruções que diz à célula como produzir as proteínas de que somos feitos. Ora para que um gene possa transmitir as suas instruções é preciso haver mensageiros - que são moléculas, que transportam as mensagens dos genes e as entregam a outras moléculas.

É aqui que entra o trabalho de Maria do Carmo Fonseca, directora do Instituto de Medicina Molecular da Faculdade de Medicina de Lisboa. A investigadora, que também é professora catedrática de Biologia Celular e Molecular, tem procurado desvendar como é feita a transmissão das mensagens dos genes para o resto da célula. Em suma, escuta as conversas dos genes com a célula e o resto do organismo.

Recorrendo a metáforas, Carmo Fonseca, que este ano contribuiu para desvendar estes mecanismos com a publicação de seis artigos científicos em revistas de prestígio internacional, explica-nos o que faz: "O meu trabalho é sobre esse processo de passar a mensagem de uma molécula para outra; como é que as moléculas falam entre si e dão instruções umas às outras?" E acrescenta: "É como um atleta que passa o testemunho numa prova, e eu tento seguir os vários atletas no momento da passagem do testemunho."

Para seguir as deslocações de cada uma dessas moléculas mensageiras, Carmo Fonseca utiliza técnicas de microscopia muito sofisticadas. "O meu trabalho é parecido com o de um astrónomo que usa o telescópio para observar estrelas e planetas. Só que eu uso o microscópio para observar o interior das células humanas e estudar as mensagens que os genes enviam para as várias partes das células. Estamos a ver as deslocações, no espaço e no tempo, de moléculas numa célula viva", explica Carmo Fonseca. "Os meus estudos têm contribuído para conhecermos melhor estas conversas entre as moléculas", resume.

Por vezes, durante as conversas dos genes há erros: "E nós descobrimos de que modo os erros nas conversas são detectados, o que impede a passagem de uma mensagem errada."

Quando não há correcção, aparecem doenças. "Na maior parte dos casos, as células corrigem os erros. Há menos doença do que se não houvesse esse mecanismo de correcção, que funciona como uma prevenção."

Quando as instruções dos genes contêm erros, o resultado é uma panóplia de problemas de origem genética, desde cancro até anemias e doenças musculares.

Para os 60 mil euros do Prémio Pessoa - promovido pelo jornal Expresso e que distingue pessoas de nacionalidade portuguesa com um papel relevante na vida cultural e científica -, Carmo Fonseca já tem uma ideia muito clara. "Vou investi-los na microscopia, para ouvir ainda com mais detalhe o que os genes estão a dizer uns aos outros", diz.

"Sinto-me muito feliz com o prémio, porque é uma oportunidade de passar a mensagem, sobretudo aos jovens, de que é possível ser cientista em Portugal e fazer trabalho ao mais alto nível em termos internacionais."

Ainda no final do primeiro ano da licenciatura, na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, Carmo Fonseca deu os primeiros passos como cientista. "Comecei a trabalhar num laboratório de investigação, no Instituto Gulbenkian de Ciência. E quando estava no terceiro ano publiquei a minha primeira descoberta científica, que já foi sobre as moléculas mensageiras."

Ciência, um lado bom do país

Depois do doutoramento em Biologia Celular, em 1988, rumou ao Laboratório Europeu de Biologia Molecular, na Alemanha, onde ficou três anos. Regressou a Portugal, em 1992, e criou o seu grupo de investigação na Faculdade de Medicina de Lisboa. Em 2001, contribuiu para a criação do Instituto de Medicina Molecular, onde agora dirige uma equipa de 350 pessoas.

Na cerimónia de anúncio do prémio, Francisco Pinto Balsemão, presidente do júri, sublinhou que Carmo Fonseca "é uma cientista com uma carreira impressionante". "Há aqui uma chamada de atenção para a importância da ciência e para a maneira como se tem desenvolvido em Portugal. E isso é muito positivo numa altura em que temos tendência para ver só as desgraças."

Também Mário Soares, que integrou o júri, salientou o lado bom do país. "Há pessoas especializadas em ser derrotistas e vão para as televisões dizer que o país está perdido", afirmou o ex-Presidente da República. "Temos gente que se destaca nas artes, na ciência, no futebol. É o resultado de 35 anos de liberdade, de podermos dizer o que queremos sem ir parar à prisão."

Para o ministro da Ciência, José Mariano Gago, citado pela agência Lusa, Carmo Fonseca tem uma "carreira científica de inegável qualidade" e este prémio marca o "reconhecimento crescente da importância da ciência em Portugal".

Desde a sua criação, em 1987, o Prémio Pessoa distinguiu personalidades como o historiador José Mattoso, na primeira edição, a pianista Maria João Pires (1989), os cientistas António e Hanna Damásio (1992) e Manuel Sobrinho Simões (2002) ou o bispo D. Manuel Clemente (2009). Carmo Fonseca junta-se agora à lista e é a quinta mulher a recebê-lo. com Mário Lopes

Sugerir correcção