Primeira catedral do consumo nasceu há 25 anos em terrenos da igreja

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Depois de Matosinhos foi a vez da Amadora EC/Arquivo PÚBLICO

Resultado de uma parceria entre a Sonae (grupo proprietário do PÚBLICO) e os franceses da Promodès, o hipermercado do Continente de Matosinhos foi construído num terreno comprado à diocese do Porto. É Narciso Miranda, presidente da câmara de Matosinhos em 1985, quem conta a história, recordando que a escolha de local surgiu num almoço com Belmiro de Azevedo, presidente da Sonae.

Num dos habituais encontros entre os dois, o empresário propôs a Narciso que aceitasse o projecto no seu concelho, classificando a ideia como “uma provocação”. O autarca nem pensou duas vezes e disse que sim. Afinal, “mais tarde ou mais cedo os hipermercados iriam aparecer, era inevitável”, lembra.

Recorda ainda que a decisão lhe causou muitas dores de cabeça e muitos protestos do comércio local, que se sentia ameaçado pela criação de uma grande superfície que ameaçava “roubar-lhes” a clientela. “Tive inúmeras reuniões com os comerciantes e com o presidente da Associação Comercial de Matosinhos”, diz Narciso Miranda. O hipermercado acabou por ser construído, mas não sem contratempos finais. No dia da inauguração, o proprietário de um dos terrenos expropriados para construir os acessos ao Continente bloqueou a estrada com pedras para impedir a passagem da comitiva.

Prateleiras vazias no primeiro dia

Para José António Rousseau, consultor e especialista em comércio, o passo dado há 25 anos foi “importantíssimo” para o sector da distribuição, que, como refere, “estava um pouco na idade da pedra. A partir daí, foi como se descobrisse o fogo”, até pelas inovações que trouxe para Portugal. Rousseau recorda a vertente dos preços, “com uma média muito inferior ao mercado”; a estratégia de promoção, “muito agressiva e com impacto”; e o tipo de sortido disponível, “variado e aprofundado”, combinando o alimentar com o não alimentar. E destaca que o papel dos franceses da Promodès foi essencial no desenvolvimento do projecto, pela sua experiência. Já a Sonae entrara há pouco tempo no sector, através dos supermercados Modelo (Lisboa) e Invictus (Porto).

Ao Jornal de Notícias, o então chefe da secção de mercearia (hoje director de operação) do primeiro Continente, João de Melo, afirmou que o receio inicial era saber se “aquela loja brutalmente grande para a época ia ter clientes”. Teve. “Fomos invadidos no primeiro dia e tivemos de fechar. Tínhamos um cordão de segurança à porta. Havia uma fila até à porta da rua para comprar bolo-rei”, contou o gestor a este jornal. Quando fecharam as portas, estava “tudo vazio”.

Apesar da enorme afluência de clientes, e das ondas de choque que o formato iria provocar no comércio nacional, Rousseau diz que ao início “não se levou muito a sério o novo conceito”. Havia muitos comerciantes que achavam que seria uma moda. É certo que o Continente de Matosinhos, que teve logo de alargar a sua área de vendas (já sofreu duas ampliações, tendo hoje 9864 metros quadrados), ficou quase dois anos sozinho no mercado, mas o fenómeno estava longe de ser algo passageiro. Em 1987 foi a vez do Pão de Açúcar abrir uma grande superfície na Amadora, logo seguido pelo Continente.

Foi, aliás, a partir da segunda metade dos anos 80 que se começou a verificar “uma grande diversificação de formatos, que rapidamente conquistaram quota de mercado ao comércio tradicional, ao nível do sector alimentar e não alimentar”, conforme se lê num estudo publicado pelo Ministério da Economia. “Os novos formatos privilegiaram, as áreas metropolitanas, mas rapidamente avançaram para as cidades médias e pequenas, ajustando-se à sua dimensão”, recorda-se no mesmo estudo. A partir de 1989 os estabelecimentos de venda a retalho com mais de três mil metros quadrados passaram a ficar sujeitos a autorizações prévias, tendo essa medida sido alargada aos grossistas um ano e meio depois. Em 1993 havia já 35 Grandes Superfícies Retalhistas Alimentares em Portugal Continental.

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