Dentição das crianças é mais precoce devido à melhoria das condições de vida
Estudo demonstra de forma clara, diz equipa, a influência dos factores ambientais na maturação dos dentes
É o primeiro estudo a nível mundial que o demonstra sem margem para dúvidas: a dentição permanente das crianças e dos adolescentes está a desenvolver-se mais cedo devido à melhoria das condições de vida. A conclusão, da equipa do antropólogo Hugo Cardoso, baseou-se no estudo de crianças portuguesas actuais e de uma colecção única de esqueletos no Museu Antropológico de Coimbra e no Museu Nacional de História Natural (MNHN), em Lisboa.
Publicado na revista American Journal of Human Biology, o estudo avaliou os dentes de 521 crianças e adolescentes, entre os seis e os 18 anos, que nasceram entre 1985 e 1997, de classe socioeconómica média a baixa, e que foram a consultas na Faculdade de Medicina Dentária da Universidade do Porto. A maturação dos seus dentes - ou melhor, das suas raízes, a última parte a formar-se e que pôde assim ser estudada em indivíduos até aos 18 anos de idade - foi comparada com a dos dentes de 114 esqueletos de crianças e adolescentes que nasceram entre 1887 e 1960 e faleceram entre 1903 e 1972.
Estas colecções tiveram origem em ossadas não reclamadas pelas famílias quando os cemitérios estavam a fazer o seu levantamento, explica Hugo Cardoso, da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto e do MNHN. "Em vez de serem destruídas, os dois museus recolheram as ossadas, que são um património científico incalculável", sublinha o antropólogo, acrescentando que, em conjunto, as duas colecções são as maiores do mundo e únicas pela informação que contêm. Além disso, a identidade das crianças, incluindo a idade e a origem socioeconómica, é conhecida, ao contrário do que ocorre com esqueletos encontrados em escavações arqueológicas.
"Aproveitámos a singularidade destas amostras e procurámos documentar esta aceleração do desenvolvimento dentário", diz Hugo Cardoso.
E os resultados revelam que, em média, o desenvolvimento dos dentes ocorre 1,47 anos mais cedo nas raparigas e 1,22 anos nos rapazes actuais, por comparação com a amostra histórica. "É a primeira vez a nível mundial que, de forma sistemática e bem documentada, se conseguiram estes resultados. Houve outros estudos que sugeriam algo parecido, mas as amostras eram reduzidas ou não eram suficientemente antigas. Este trabalho procurou colmatar essas falhas e, no final, encontrámos o que esperávamos", frisa Hugo Cardoso.
Em Portugal, a aceleração do desenvolvimento dos dentes iniciou-se com o final da ditadura, em 1974, quando começaram a registar-se melhorias económicas e nos cuidados de saúde. Os portugueses passaram a ingerir mais calorias e produtos de origem animal, como carne e leite.
Que implicações têm estes resultados? A idade para certos tratamentos nos dentes dos adolescentes dos países desenvolvidos pode estar desactualizada e deve ser antecipada. E a estimativa da idade de crianças e jovens refugiados e imigrantes ilegais oriundos de países em desenvolvimento, para identificação através do registo dentário, deve ter em conta os factores ambientais na maturação dos dentes. "Podem parecer mais jovens pela dentição, mas são mais velhos."