Wikileaks põe à prova relação dos EUA com os seus aliados

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Barack Obama e Hillary Clinton Foto: Jason Reed/Reuters

O Irão obteve da Coreia do Norte mísseis capazes de atingir a Europa Ocidental e o secretário norte-americano da Defesa acredita que qualquer ataque militar a Teerão só atrasaria o programa nuclear iraniano por um a três anos.

As revelações, adiantadas pelo New York Times, constam de documentos de um lote de 250 mil entregues pelo site Wikileaks a um conjunto de jornais, os quais revelam, entre muitos outros aspectos, que os principais financiadores da rede terrorista Al-Qaeda continuam a ser doadores sauditas e que a China desenvolveu uma acção de sabotagem de computadores tendo por alvo os Estados Unidos e os seus aliados.

Informação extraída dos documentos de três anos de diplomacia norte-americana - que incidem principalmente sobre o período final da Presidência de George W. Bush e o inicial de Barack Obama, e vão até Fevereiro deste ano - indicam também que norte-americanos e sul-coreanos discutiram a perspectiva de uma Coreia unificada em caso de implosão do regime de Pyongyang, devido à transição de liderança, ou a problemas económicos.

Outra revelação indica que os EUA pediram aos seus diplomatas para intensificarem a recolha de informações sobre dirigentes estrangeiros. O secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, e os representantes dos outros membros permanentes no Conselho de Segurança - França, Reino Unido, China e Rússia - foram também vigiados mais de perto.

O Departamento de Estado, revelam os relatórios e telegramas entregues também aos diários Le Monde, The Guardian, El País e à revista Der Spiegel, deu no ano passado aos funcionários de 38 embaixadas e missões diplomáticas uma detalhada relação das informações pessoais e de outra natureza que deviam obter sobre funcionários e representantes das Nações Unidas que se relacionam com o Sudão, Afeganistão, Somália, Irão e Coreia do Norte.

Despachos assinados pela secretária de Estado, Hillary Clinton, dão conta do tipo de elementos que devem ser recolhidos, os quais vão de dados pessoais sobre líderes estrangeiros às opiniões que têm sobre os Estados Unidos, referem os jornais.

Os documentos incluem revelações sobre assuntos como o terrorismo e a ameaça nuclear, mas também retratos cândidos de líderes estrangeiros.

As posições expressas são em muitos casos opiniões de diplomatas, que não vinculam necessariamente as posições oficiais de Washington. Mostram, em todo o caso, uma visão interna sobre o modo como a diplomacia de Washington vê outros Estados e acções que envolvem países como a Coreia do Norte, o Irão ou o Paquistão. "Oferecem um panorama inédito das negociações de bastidores tal como são feitas pelas embaixadas através do mundo", notou o diário norte-americano.

Entre as revelações de ontem à noite - e que em condições normais deveriam permanecer reservadas durante décadas - estão também a de que os EUA vigiam de perto a agenda islamista do primeiro-ministro turco, Recip Erdogan, e que os países árabes pediram a Washington para travar o programa nuclear iraniano por qualquer meio. Parte dos documentos são muito recentes e datam de Fevereiro. Só o tempo vai permitir perceber até que ponto as revelações afectarão as relações dos Estados Unidos com os seus aliados.

O Guardian refere que o rei Abdullah, da Arábia Saudita, "apelou frequentemente" aos EUA para atacarem o Irão, a fim de travar o seu programa nuclear, segundo o embaixador saudita em Washington. O rei aconselhou os norte-americanos a "cortarem a cabeça da serpente" e assumiu que combater a influência iraniana no Iraque era uma prioridade sua e do seu governo, segundo documentos que citam afirmações feitas em Abril de 2008 pelo embaixador saudita em Washington, Adel al-Jubeir.

O embaixador norte-americano em Riade refere num relatório enviado à secretária de Estado Clinton, preparatório da sua visita de Fevereiro deste ano, que Abdullah afirmou que "se o Irão conseguir desenvolver armas nucleares, todos na região farão o mesmo, incluindo a Arábia Saudita". Também Israel pediu a Washington firmeza para com o regime de Teerão.

Informações incompletas

Além de considerandos e comentários feitos sobre líderes estrangeiros - será pouco o apreço de representantes dos EUA pelo Presidente francês, Nicolas Sarkozy, e Vladimir Putin é considerado autoritário, por exemplo - os documentos revelados confirmam, segundo El País, a intensa actividade diplomática norte-americana para bloquear o Irão, que o predomínio da China na Ásia é visto como um dado adquiridos, bem como os esforços desenvolvidos junto dos países da América Latina para isolar o líder venezuelano, Hugo Chávez.

A Casa Branca condenou a divulgação de documentos diplomáticos, que referiu como "revelação imprudente de informações classificadas obtidas ilegalmente". As revelações podem pôr em risco vidas de pessoas que "em muitos casos vivem e trabalham em países opressores", diz o comunicado de Robert Gibbs, porta-voz do Presidente Obama. "Trazem riscos para os nossos diplomatas, para os membros da comunidade das informações e para pessoas do mundo inteiro que pedem aos EUA para os ajudar."

As revelações podem, além disso, segundo a administração americana, "comprometer discussões privadas com os dirigentes e chefes de partidos da oposição estrangeiros". "Quando a substância de conversações privadas é impressa na primeira página de jornais de todo o mundo, isso pode afectar profundamente os interesses dos EUA em política estrangeira, mas também a dos nossos amigos e aliados no mundo inteiro."

A preocupação com o impacto da fuga de informações levou nos últimos dias a diplomacia americana a entrar em contacto com diversos governos estrangeiros por causa do dossier Wikileaks. Clinton estabeleceu ela própria contactos com os executivos do Reino Unido, Israel, Austrália, Noruega, China, Dinamarca e Canadá.

A apreensão de Washington terá razão de ser. "Por vezes, as expressões usadas em documentos são de tal natureza que podem dinamitar as relações dos EUA com alguns dos seus principais aliados, noutras podem pôr em risco alguns projectos importantes da sua política externa, como a aproximação à Rússia ou o apoio a certos governos árabes", escreveu o El País.

11 de Setembro da diplomacia

O diário espanhol considera que depois das revelações de ontem "seguramente se poderá falar de um antes e de um depois no que respeita aos hábitos diplomáticos". O ministro dos Negócios Estrangeiros de Itália, Franco Frattini, disse ainda antes da divulgação dos documentos, que afirmou desconhecer, que o dia de ontem era o "11 de Setembro da diplomacia mundial". "A essência da nossa política externa é a nossa capacidade para falar frontal e honestamente com os nossos parceiros estrangeiros e manter essas conversações fora do domínio público", comentou à Reuters Roger Cressey, antigo responsável pela cibersegurança dos EUA.

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