O poder da fé numa pulseira de plástico

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Shaquille O"Neal e a polémica pulseira MIKE CASSESE/REUTERS

O que têm em comum Cristiano Ronaldo, a estrela do basquetebol norte-americano Shaquille O"Neal, os mineiros da mina de São José, no Chile ou... Alexandra Lencastre? Uma tira de silicone. Chamam-lhe "a pulseira do equilíbrio". Os especialistas acreditam que tudo não passa, quando muito, de um exercício de fé

A notícia surgiu este mês em Espanha, o país líder em vendas da pulseira da moda. Cerca de 15 mil euros é quanto a Power Balance Espanha, com sede em Málaga, tem de pagar de multa à Junta da Andaluzia por publicidade enganosa, de acordo com o processo promovido pela Associação de Defesa do Consumidor espanhola, Facua. Mas, afinal, o que é que esta tira de silicone de cerca de oito centímetros de diâmetro tem? E como funciona?

Diz a empresa no site oficial da Power Balance que a pulseira do holograma está feita para interagir com o "fluxo energético natural do corpo". Gaspar Barreira, físico de partículas, duvida: "Tudo o que se diz sobre a pulseira em termos físicos é um chorrilho de asneiras, são palavras atiradas ao acaso. Não há maneira de fazer sentido", garante. "Isto devia ser visto em termos de defesa do consumidor. Não tem pés nem cabeça", diz o especialista, que admite, contudo, que dificilmente um processo poderia avançar, uma vez que a empresa não adianta em concreto o que é que a pulseira provoca. "Não adianta coisa nenhuma, joga com a ignorância das pessoas." E recorda outros exemplos de outras pulseiras milagrosas que também já fizeram sucessos entre nós: "Lembro-me daquelas de cobre com duas esferas."

Pedro Nunes, bastonário da Ordem dos Médicos, partilha da mesma opinião: "Hoje em dia vivemos numa sociedade em que qualquer um pode burlar os outros. Tudo é aceitável sem qualquer comprovação científica. Os produtos deviam ter um comprovativo da sua eficácia."

Mas Shaquille O"Neal não se convence de que não há nada ali. O jogador de basquetebol norte-americano lembra em particular um jogo dos Phoenix Suns em que três colegas usavam a pulseira. Ganharam por 57 pontos: "Eu sinto algo quando jogo com a pulseira e, enquanto for assim, continuarei a usá-la", diz, num testemunho publicado no site da Power Balance.

Rubens Barrichello não esconde, igualmente, o entusiasmo: "Sinto-me melhor, mais forte e mais flexível nos treinos. E isso sente-se em pista", diz o corredor brasileiro de Fórmula 1.

Também os 33 mineiros presos durante mais de dois meses no fundo da mina de São José, no deserto de Atacama, Chile, libertados no dia 13 de Outubro, usavam a pulseira do equilíbrio quando, ainda no hospital, posaram para a fotografia de grupo, ao lado do Presidente chileno.

E até a ministra espanhola da Saúde, Leire Pajín, a tem usado nos últimos meses, diz o jornal El Mundo.

Segundo María Antigua Escalera, delegada de Saúde da Junta da Andaluzia para Málaga - entidade que avançou com o processo por ser naquela região que a empresa tem sede em Espanha - o que está em causa é "uma falta grave de publicidade enganosa", adiantou ao diário espanhol El Mundo.

Mas a Facua não está totalmente satisfeita com a multa aplicada. E explica porquê no seu site. "A Power Balance Espanha anunciava que tinha vendido em Abril cerca de 300 mil pulseiras pseudomilagrosas, o que supõe uma receita de cerca de 10 milhões de euros. O dinheiro que encaixa em algumas horas, com a venda de apenas 500 unidades, é o suficiente para pagar a multa", diz a associação, indignada com o facto de as autoridades não terem mesmo proibido a venda.

Efeito placebo

Para a Facua, a multa deveria ser calculada com base no valor das receitas da empresa: "Segundo a lei de consumo em vigor, a Junta da Andaluzia podia ter apreendido toda a mercadoria à venda e ter multado a empresa no valor da receita total de vendas. E, sendo a situação considerada grave, poderia ter multado em mais 400 mil euros".

Em Portugal, a Direcção-Geral do Consumidor, entidade responsável pelas questões relacionadas com a publicidade enganosa, não registou até hoje nenhuma queixa sobre estes artigos.

Américo Baptista, psicólogo e investigador da Universidade Lusófona de Lisboa, encontra alguma explicação para o fenómeno Power Balance. E até acredita que possa, de certa maneira, resultar, sem necessitar de entrar em explicações físicas. "Quando nós acreditamos, e não é só nas pulseiras, ficamos de facto melhor. É o efeito placebo. Há mecanismos cerebrais que são activados, que desencadeiam a produção de endorfinas, moléculas responsáveis pelo alívio da dor, por exemplo. É a receita do sucesso dos medicamentos naturais."

E há igualmente um certo efeito que "emana da comparação social", adianta o especialista, referindo-se ao facto desta ser uma pulseira usada por algumas estrelas do desporto. "Comparamos a nossa performance com a dos nossos heróis e isso também nos faz sentir melhor."

Américo Baptista lembra que o fenómeno Power Balance é um fenómeno idêntico ao que se assistia nas tribos com o uso de cabeças de animais possantes como leões ou búfalos: "Isto está estudado antropologicamente." E conclui: "A eficácia é zero. Mas isso não quer dizer que não haja um efeito. É como ir a Fátima. E uma coisa é certa: não tem efeitos secundários. Isso é uma vantagem em relação aos medicamentos convencionais."

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