Os melhores queijos ?portugueses são de ovelha
Tratando-se de queijos, Portugal não é nenhuma França. Quer dizer, não temos 400 queijos, nem nada que se pareça. Mas os nossos queijos de ovelha, em que se destacam os Azeitão, Serpa e Serra, são mesmo muito bons. E, garantem David Lopes Ramos e Luís Antunes, ainda temos mais uma meia dúzia deles, que nos satisfazem o paladar e o ego. Fernando Veludo/Nfactos fez as fotos
A afirmação de que "uma refeição sem queijo é como uma mulher linda sem um olho", sendo muito expressiva, mas não particularmente feliz, só podia ser feita por um francês, como foi por Brillat-Savarin (1755-1826), advogado, político e gastrónomo, autor, entre outros, de "Physiologie du Goût" (Fisiologia do Gosto). A França, país dos 400 queijos, razão pela qual o general Charles De Gaulle, que foi Presidente da República, dizia ser esse um dos motivos da dificuldade de governar o seu país, tem na mais alta consideração este produto que é um concentrado das melhores qualidades do alimento completo que é o leite com que é elaborado. Tão importante em França como o queijeiro é o "affineur", que acompanha a evolução dos queijos na cave, determinando o momento ideal para o respectivo consumo.
Em Portugal, embora tenhamos uma dúzia e meia de queijos de qualidade, com destaque para os elaborados com leite cru de ovelhas, não os temos em muito grande conta. E, no entanto, trata-se de um dos alimentos mais fascinantes do mundo, pela sua variedade e riqueza sápida. Já se escreveu que, "no sabor, um queijo pode ser suave, amanteigado, inócuo, rico, cremoso, pungente, ácido, salgado ou delicadíssimo". Na textura pode ser suficientemente duro para se desfazer em lascas, tão macio e "de entorna" que tem que ser comido à colher ou situar-se numa daquelas dezenas de pontos de suavidade e firmeza entre os dois extremos citados. No aroma, o queijo pode ser tão exuberante e tão demasiadamente poderoso ao ponto de dar a volta ao estômago do homem mais forte (e, apesar disso, continuar a fazer a delícia dos devotos), delicadamente aromático ou virtualmente imperceptível. O queijo pode ser um companheiro perfeito de vinhos, um soberbo final de uma refeição "gourmet" ou um simples e básico alimento de "snacks" de qualquer família".
No nosso país, além dos queijos elaborados com leite cru e inteiro de ovelhas, temos assistido nos últimos anos ao renascimento dos queijos de cabra e de mistura de leites de cabra e de ovelha, alguns deles muito apaladados, como os da zona do Pinhal (Proença-a-Nova, Sertã e Mação). Muitos dos queijos portugueses já ganharam, devido às qualidades que os individualizam, direito à classificação DOP (Denominação de Origem Protegida). Há, no III volume da obra "Produtos Tradicionais Portugueses", de 2001, edição do Ministério da Agricultura, recenseados os seguintes queijos: Queijo Azeitão (DOP); queijo de cabra das Beiras (fresco, seco e curado); queijo de cabra do Algarve (fresco e seco); queijo de cabra do Guadiana (fresco e seco); queijo de cabra do Pinhal maior (meia-cura, curado e "queijo de azeite", conservado em azeite); queijo de cabra Transmontano (DOP); queijo de Évora (DOP); queijo de Nisa (DOP); queijo de Tomar; queijo do Pico (DOP); queijo mestiço de Tolosa (IGP, Indicação Geográfica Protegida); queijo Rabaçal (DOP); queijo São Jorge (DOP); queijo Serpa (DOP); queijo Serra da Estrela (DOP); queijo Terrincho (DOP); queijo da Beira Baixa (DOP); queijo de Castelo Branco (DOP); queijo Amarelo da Beira Baixa (DOP); e queijo Picante da Beira Baixa (DOP). Poder-se-ia acrescentar um ou outro mais, mas estes são os mais conhecidos.
No conjunto destacam-se os queijos de ovelhas de diferentes raças, em particular o trio constituído pelos Azeitão, Serpa e Serra, não levantando grande polémica a afirmação de que o mais desejado e famoso é o queijo Serra da Estrela. Segundo a descrição da Confraria do Queijo Serra da Estrela, os genuínos são assim: "A crosta deve ser lisa, bem formada, fina, inteira, cor amarela palha clara, uniforme. A forma e consistência do queijo deverá ser regulamentar com abaulamento lateral e um pouco na face superior, sem arestas; consistência semi mole com alguma flutuação. Som maciço ou ligeiramente timpânico. A textura e cor da massa deve ser bem ligada, fechada ou com alguns olhos, medianamente amanteigada; cor branco marfim uniforme. O sabor e aroma devem revelar um "bouquet" suave, limpo, ligeiramente acidulado". O peso ronda um quilo por queijo. Para ter direito à denominação Serra da Estrela deverá ser confeccionado com leite inteiro cru de ovelha bordaleira raça Serra da Estrela, cardo (flor seca de uma alcachofra, agente coalhador do leite) e sal. Há a variedade Serra Velho.
O Azeitão, igualmente de leite de ovelhas, mas que pastoreiam nos concelhos de Palmela, Sesimbra e Setúbal, é também confeccionado com cardo e sal. Trata-se de um queijo curado de pasta semi mole e amanteigada, branca ou ligeiramente amarelada, com poucos ou nenhuns olhos, forma de cilindro baixo, sem bordos perfeitamente definidos, com diâmetro entre os 5 e 7 centímetros ou 8 e 11 cm, altura entre 3 e 5 cm e peso de 100 a 250 gramas; crosta maleável, bastante mole, inteira, bem formada, lisa e fina; aroma característico e sabor ligeiramente picante, misto de acidificado e salgado.
O Serpa, também de leite de ovelha, é igualmente confeccionado com cardo e sal, tem pasta amanteigada, sabor forte e picante; a pasta é semi mole, com textura fechada, podendo entornar, de aspecto untuoso, com poucos ou nenhuns olhos, de cor branco amarelada ou amarelo palha, que escurece em contacto com o ar. A crosta é maleável, inteira, ligeiramente rugosa e fina, de cor amarelo palha clara, uniforme. É comercializado em quatro tamanhos: merendeiras (peso entre 200 e 250 g); cuncas (800-900 g); normais (1 kg/1,5 kg); gigantes (entre 2/2,5 kg). Há uma variedade de Serpa Velho.
Nos últimos anos, tem sido notória a melhoria da qualidade de alguns queijos portugueses, com destaque para os da Beira Baixa/Castelo Branco). Nos Açores, em São Jorge, onde se produz um queijo de vaca de características únicas, designadamente de dimensão e sabor, fazem-se esforços para estabilizar as qualidades organolépticas do produto. Em São João do Pico também há um queijo de vaca, de formato pequeno, que merece ser conhecido. O que também sucede com queijos da Graciosa e, até, do Corvo. Há ainda alguns queijos portugueses que, nas últimas duas décadas, deixaram de ser conhecidos e consumidos apenas na sua região de origem. É o caso do transmontano Terrincho, feito com leite de ovelhas da raça Churra da Terra Quente, o qual, ao contrário da generalidade dos queijos portugueses, é confeccionado com coalho animal, obtido a partir do bucho de anhos e cabritos. Há uma variedade de Terrincho Curado Velho, de aroma e sabor muito característicos.
Quando as condições climatéricas são favoráveis - chuvas outonais que façam crescer as ervas, frio intenso invernal -, as massas dos queijos artesanais portugueses são de grande finura e qualidade, no caso em que a arte das queijeiras e dos "roupeiros" esteve à altura das circunstâncias.