O mundo do Scotch Whisky

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Uisgebeatha, usquebaugh, usquabae, usky, whisky. Desde as origens gaélicas até aos nossos dias, diferentes palavras para um mesmo significado - "água da vida". Uma bebida quase universal, com aficionados em todos os cantos do globo. Mas para Luís Lopes, como para a esmagadora maioria dos apreciadores, whisky é sinónimo de Scotch

As origens do whisky são difusas e remotas. Dado a conhecer ao mundo a partir da Escócia, parece ter chegado aquele país via Irlanda, nos primórdios da Idade Média. As primeiras referências escritas conhecidas sobre uma bebida destilada a partir de malte de cevada datam de 1494, existindo no entanto indícios de o seu fabrico e consumo ser anterior.

A destilação era já um negócio florescente em 1505, de tal forma que os governantes da cidade de Edimburgo decidiram controlar a sua produção, concedendo o monopólio de produzir e comercializar a "água da vida" à Liga dos Barbeiros e Cirurgiões. Quando estas duas actividades se separaram, em 1772, um decreto proibiu os Barbeiros de praticar cirurgia, mas a título de compensação foi-lhes permitido continuar a destilação.

O primeiro imposto sobre o whisky apareceu em 1644, ordenado pelo Parlamento Escocês. Para fugir aos impostos os pequenos destiladores escondiam os alambiques em grutas ou recantos dos bosques, só dificilmente sendo descobertos a não ser por denúncia, o que ocasionalmente acontecia. Só a partir de 1823, com a publicação de leis e impostos apropriados, os alambiques ilegais começaram a desaparecer.

A era industrial

Até meados do século XIX, todo o whisky produzido e consumido nas ilhas britânicas era "malt whisky", ou seja produzido a partir de cevada maltada. Era, apesar de tudo, um produto caro e raro. A bebida do povo era a cerveja e o whisky estava reservado para os ricos, ou então bebia-se apenas nas ocasiões festivas ou por recomendação do médico. A invenção do alambique de colunas de destilação contínua, em 1830, veio permitir a produção a partir de cevada não maltada e outros cereais. Nascia assim, por oposição ao "malt whisky", o "grain whisky". A mistura de ambos os tipos deu origem, um pouco mais tarde, ao "blended whisky", uma bebida muito mais barata e popular.

São desta época empresários como Long John MacDonald, John Walker, James Buchanan (Black and White), John Haig, James Mackie (White Horse), entre outros, cujas marcas centenárias ainda hoje dominam os mercados.

A difusão do consumo não foi rápida e fácil. Na Inglaterra da Rainha Vitória, as bebidas da moda eram o vinho e os brandies franceses e espanhóis. A principal ajuda ao consumo de whisky a nível interno veio da praga de filoxera que arrasou os vinhedos continentais a partir de 1858. O scotch whisky tomou o lugar do cognac e os seus apreciadores aumentaram desde então, quer no Reino Unido quer nos países que faziam parte do Império Britânico, generalizando-se o consumo ao resto do mundo a partir da II Guerra Mundial.

Com soda, água (meio por meio à maneira escocesa) ou só com gelo (à americana), o scotch whisky é a bebida alcoolica mais vendida no mundo.

Malt, grain ou blended

Os métodos de fabrico do whisky escocês são, hoje em dia, praticamente iguais aos utilizados há cem anos. Nas destilarias de malte, a destilação tem muito mais de saber empírico do que ciência, transmitindo-se o conhecimento de geração em geração. É muito comum, por exemplo, o director de produção (aqui chamado master distiller) ter herdado a profissão e o lugar de seu pai.

Toda a componente de tradição e trabalho artesanal está nas destilarias de malte: as destilarias de "grain" são enormes unidades industriais que produzem alcoois de diversos tipos. Um malt whisky, como o nome indica, é proveniente de cevada maltada e duplamente destilada num alambique especial, denominado pot still. O grain whisky é obtido em alambiques de colunas, por destilação contínua de diversos cereais, principalmente cevada não maltada e milho. Da mistura dos dois, em proporções e proveniências diversas, resultam os blended whisky, que representam mais de 95% do scotch vendido em todo o mundo. µ

±Um single malt é o produto de uma única destilaria de malte. O grain whisky, é muito raramente engarrafado como tal, sendo produzido, na quase totalidade, para misturar com o malte.

O papel da madeira

O blending (ou seja, o lote de malt whisky com grain whisky) apenas começou a ter expressão comercial a partir da segunda metade do século XIX. Cada companhia tem a sua fórmula específica para cada uma das marcas. Cabe ao master blender, o chefe dos provadores, fazer os lotes que, na generalidade dos casos, incluem mais de 30 whiskies de malte de diversas origens da Escócia e 4 ou 5 diferentes grain.

O grain whisky dá o corpo ao blended, sendo utilizado numa proporção que varia entre os 30% e os 60%, segundo as marcas, o seu posicionamento e nível de preço. Ao malte cabe fornecer todos os componentes de aroma e sabor que caracterizam um verdadeiro scotch. Depois de misturados os diversos maltes e grain, o lote final regressa aos cascos para casar algum tempo até ao engarrafamento.

O envelhecimento é, evidentemente, uma componente essencial num scotch whisky, e muito mais ainda nos whiskies de 12 ou mais anos. A idade indicada no rótulo corresponde sempre à do whisky mais novo que faz parte do lote. Assim, quando apreciamos, por exemplo, um blended 12 anos, sabemos que dos trinta e tal maltes que contém, o mais novo tem pelo menos 12 anos. E o mesmo é válido para o "grain whisky" que tem misturado.

Quando o líquido sai dos alambiques vem com cerca de 75% de alcool e antes de entrar nos cascos é-lhe adicionada água, reduzindo a força para cerca de 66%. Os maltes são envelhecidos em cascos que contiveram Jerez (mais raramente Porto ou Madeira), ou em cascos novos de carvalho americano. O envelhecimento na madeira vai dar ao whisky aromas e sabores, complexidade e elegância. Dá-lhe igualmente cor, sendo esta naturalmente mais carregada quanto maior for a proporção de whisky proveniente de cascos "axerezados". Os whiskies de três ou cinco anos, não têm muito tempo para ganhar cor na madeira. Por isso, tal como acontece com as aguardentes e os cognac novos, é-lhes adicionado, no engarrafamento, corante natural à base de caramelo.

O período de maturação varia de acordo com os interesses comerciais das empresas, as características do produto, o clima do local onde se encontra situado o armazém e o tipo de madeira do casco. Antes do engarrafamento, o whisky é arrefecido e filtrado, sendo adicionada uma determinada quantidade de água, necessária para desdobrar o alcool de 66% para os habituais 40% ou 43%. Depois, vai para a garrafa onde, tal como acontece com qualquer outro destilado, já não envelhece nem melhora qualitativamente.

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