Afinal, a Baga tem friends
Baga Friends é o nome do novo grupo de produtores que tem como missão repor o nome e prestígio desta variedade de uva em merecido lugar cimeiro. João Afonso explica por que razões vale a pena ser "amigo" deste slow wine português. Ricardo Palma Veiga fez as fotos
O que é um bom vinho de Baga? É um vinho tinto, normalmente de cor profunda e carregada, com aromas fenólicos, entre o tom amargo de especiaria e vegetal de resina com fruto sóbrio de índole silvestre e mais raramente notas florais elegantes. Tem prova intensa e fresca, por vezes acídula e taninosa, com textura de base seca ou mesmo áspera em vinhos jovens. Com os anos as arestas são polidas e o lado fenólico ganha sabor e complexidade; um bom vinho de Baga requer sempre algum tempo de estágio, mais ainda se for um "Bairrada Clássico" (fermentado em lagar com o engaço e envelhecido em tonéis). Muitos dos melhores exemplos podem evoluir favoravelmente durante décadas tornando-se peças únicas da alta qualidade do nosso património vitivinícola.
Nas últimas duas décadas o público tem-se afastado deste inimitável slow wine português. Como consequência, a maioria dos supermercados e restaurantes viraram-lhe as costas. Mas as coisas estão a mudar e a prová-lo está este novo grupo que irá doravante lutar pela defesa deste património em riscos de extinção. Chamam-se..."Baga Friends" e pugnam pela reabilitação da Baga. Mas o que é que levou uma grande casta como a Baga a necessitar de amigos para lutar por ela?
A queda da Baga
Primeiro que tudo uma mudança de mentalidades que se inicia com a grande emigração dos anos 60, instala-se com a Revolução de Abril de 74 e dispara frenética com a adesão de Portugal à então Comunidade Económica Europeia.Até aqui, Portugal era, nas palavras do célebre sociólogo Jorge Dias, misoneísta, ou seja, avesso a mudanças e hostil a novidades. No final do século, segundo estudos da Coca-Cola, bebida que reentra no nosso mercado apenas em 1977 (após um interregno de quase 50 anos), o português é o consumidor europeu mais adepto da mudança e amante de novidades (filoneísta).
Simultaneamente chega a mudança do "gosto" num mercado cada vez mais consumista e invadido por produtos globalizados onde a fast food domina.
Os vinhos não fogem às tendências e a época do vinho com fruto intenso e pouca acidez e taninos surge em força a partir dos finais dos anos 80. O controlo da temperatura de fermentação, a multiplicação dos produtos enológicos que potenciam o aroma e sabor dos vinhos e principalmente o uso de barricas novas e de aparas (segundo a doutrina enológica do Novo Mundo) iriam modificar substancialmente o perfil de consumidor de vinhos português.
Em cima de tudo isto o boom de marcas, em particular do Alentejo e do Douro a partir do início dos anos 90. E a Bairrada, com os seus vinhos de Baga recua imparavelmente nas vendas.
Durante a década de 90 ainda podíamos contar com meia dúzia de bastiões de marcas desta casta, mas na década seguinte a Baga e os vinhos "puros" e concentrados de Baga passam a ser raridades num mercado dominado por vinhos de conceito "Novo Mundista".
Algumas das vinhas que produziram os melhores vinhos de Baga das décadas 80 e 90 foram arrancadas e plantadas com outras castas. As empresas de maior volume da região são hoje campo de cultura e vinificação polivarietal, onde marcam importante presença castas estrangeiras e inter-regionais. Esta realidade levou, em 2003, a Comissão Vitivinícola Regional da Bairrada a alterar as regras da certificação dos vinhos Bairrada, abrindo-se à generalidade das castas do mundo.
Hoje a Baga deixou praticamente as novas plantações. E quando é plantada, é para fazer vinhos de base rosados para espumantes, cuja qualidade aliás, comprova, uma vez mais, não só a nobreza da casta, como também a sua polivalência.
O Regresso da Baga?
O regresso da Baga poderá ter começado no passado dia 7 de Novembro, numa celebração em Lisboa, que apresentou os "Baga Friends". São oito os elementos que formam este grupo. Seis, são desde há muito produtores bairradinos, um é francês mas com vinhas na Bairrada e o outro é produtor de vinhos em várias partes de Mundo (Bairrada incluída) e um cartão de visita que irá certamente reforçar o impacto mediático do grupo - Dirk Niepoort.A ideia do grupo surgiu, há cerca de um ano, numa conversa informal entre Mário Sérgio (Quinta das Bágeiras) e Filipa Pato. Preocupados com o arranque indiscriminado de vinhas da casta Baga e com o facto de, para muitos viticultores regionais, a Baga ser o passado e as castas internacionais o futuro, decidiram deitar mãos à obra. No dia seguinte já havia nome para o movimento - "Baga Friends" - baptismo proposto pelo experiente Luís Pato, acérrimo defensor da sua região e da variedade Baga.
No futuro iremos certamente ouvir falar muitas vezes destes "Baga Friends" (pelo menos assim o esperamos), porque há muito para fazer a favor do "Renascimento" desta casta e dos seus vinhos, eventualmente dos poucos vinhos portugueses que exprimem verdadeiramente a noção de "terroir"; e que podem responder com maior determinação a um mercado cuja globalização impõe crescentes necessidades de produtos altamente diferenciados e genuínos. Há muito espaço para crescer e o futuro pertence aos "Baga Friends" e à sua amada casta.
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