Uma pulseira electrónica dá segurança à vítima?
A medida figura no III Plano Nacional para a Violência Doméstica que agora termina. E com vagar está a sair do papel. Neste momento, 21 agressores sujeitos a medida judicial de afastamento usam pulseira electrónica. Se um agressor desrespeita a ordem, a vítima recebe um sinal de radiofrequência no pager que deve levar para todo o lado. Podem estar descansadas?
Avaliação global só no fim do programa experimental, que arrancou há quase um ano e se estenderá por outro no Porto e em Coimbra. O Ministério da Justiça admite eventuais reajustes, mas atribui-lhe uma nota positiva em matéria de "eficácia e eficiência".
Pouco a pouco, o programa tem sido alargado a outras zonas do país. Évora, por exemplo, já usa. E Lisboa já pediu. A amostra, todavia, permanece reduzida. Os tribunais aplicaram apenas 26 vezes este dispositivo - 24 como medida de coacção, uma na fase de suspensão provisória do processo, outra como pena acessória. "Até ao momento, não houve incidentes", garante, por email, o porta-voz do Ministério da Justiça.
A captação do sinal de rádio frequência é variável. Nos testes feitos antes de tudo começar, o alarme soou entre os 30 e os 500 metros, consoante as barreiras naturais. Dentro de um edifício, o sinal disparava, quando uma das partes estava no 6.º andar e a outra no 2.º.
Suficiente? "A pulseira aumenta a protecção da vítima, mas não é uma panaceia", avisa a procuradora Aurora Rodrigues, da Associação Portuguesa de Mulheres Juristas. "Se o agressor quer matar, tira a pulseira e ninguém percebe", enfatiza. Não há um alerta a soar numa central, como na prisão domiciliária. Prevaricações descobrem-se apenas ao fazer a supervisão.
"Só a prisão garante que o agressor não vai fazer mal à vítima", vinca Paula Garcia, procuradora do Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) de Coimbra. Ter noção das limitações do dispositivo parece-lhe importante, não vá a vítima baixar a guarda, arriscar comportamentos que de outro modo não arriscaria - como sair de casa sozinha.
Aurora Rodrigues aponta outro risco: "O agressor pode ir criando ansiedade na vítima." Basta-lhe, com frequência, aproximar-se, accionar o alarme, afastar-se. Isso também pode acontecer sem querer. Paula Garcia lembra-se de uma vítima que mora numa zona alta de Coimbra e ouve o alarme tocar sempre que o agressor passa numa estrada na zona baixa.
Quem desrespeita a ordem de afastamento pode sofrer consequências. O tribunal pode agravar a medida de coacção, avançar para a prisão. E essa ameaça servirá para refrear instintos.
Há um ponto de partida favorável. Ninguém pode ser obrigado a usar a pulseira. Fernanda Alves, do DIAP de Lisboa, guarda na memória o caso de um arguido que disse logo que não a queria e para quem foi requerida prisão preventiva: "No interrogatório percebe-se se interiorizou a gravidade dos seus actos e se está disposto a aceitar a medida." Paula Garcia conta o caso de outro que temia prevaricar e queria a pulseira para aumentar o autocontrolo.
A vítima também tem de concordar. E também pode não ser colaborante. Pode desligar o pager ao sentir-se incomodada por andar na rua com um aparelho que, de repente, começa a tocar. Nalguns sítios, o sinal pode perder-se ou o silêncio pode impor-se - um teatro, um cinema, uma igreja. Aurora Rodrigues lembra-se de uma que boicotou a medida: "Deixava o pager em casa e encontrava-se com o agressor." "A violência doméstica é um crime com características muito específicas. As vítimas são muito ambivalentes", sublinha Paula Garcia.
Acertos a fazer? Na opinião de Aurora Rodrigues, "não tem muito sentido" a pulseira depender do consentimento do arguido. Muito menos do de quem com ele vive. Parece-lhe ser este um reflexo do "excesso garantístico que a legislação confere aos arguidos e não às vítimas de crime". "Há uma desculpabilização, uma confiança excessiva na regeneração automática destes agressores", avalia.
"A forma mais eficaz de actuar na violência doméstica é intervir nos agressores para eles alterarem o seu comportamento", corrobora Paula Garcia. "O agressor tem de sentir que procedeu mal. E, por regra, a vítima não quer a condenação, quer que altere o comportamento, que pare de agredir. Em Coimbra, há articulação entre saúde, justiça, social. Fizemos esse investimento de, sem descurar a protecção da vítima, trabalhar na recuperação do agressor. E não temos tido mortes."
Pulseiras dos EUA têm GPSPortugal comprou apenas 50 dispositivos electrónicos para manter afastados agressores de violência doméstica. O Governo admite vir a optar por outra tecnologia, se assim o recomendar a avaliação final do projecto-piloto. E dá como exemplo a pulseira com GPS integrado. É esse o modelo que está a ser aplicado há anos nos Estados Unidos em indivíduos de alto risco: se o agressor se aproxima, a polícia local é avisada ao mesmo tempo que a vítima, encurtando o tempo de resposta. Há quem diga que é preciso ir mais a montante. "Há pouco investimento na avaliação de risco na fonte", indica a procuradora Fátima Alves, do Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa. "A avaliação que se faz nas polícias é fraca. A vítima é atendida em qualquer posto e quem a atende preenche um formulário. Às vezes, termina a dizer que não há necessidade de intervenção urgente e essa avaliação entra em contradição com o que disse antes. E a queixa demora algum tempo a passar para o serviço especializado."