Tommy Hilfiger foi ao Colombo
É mais fácil resistir à crise com uma marca de preços mais sensatos, garante Tommy Hilfiger. Mas também é mais simples fazê-lo depois de se sobreviver a uma overdose Hilfiger - é que houve uma altura em que a América disse "basta" ao criador all american do logótipo vermelho, branco e azul. Agora abriu a primeira loja em Portugal e deu dicas aos estudantes de moda portugueses.
Existe uma coisa chamada sucesso a mais. Daquele que pode destruir uma marca que parece não ter por onde cair. Foi o que aconteceu no início deste século com Tommy Hilfiger. A marca do vermelho, azul e branco, do logótipo inconfundível e omnipresente sofreu daquela doença que afecta os protagonistas da moda ou da música, por exemplo, e que os faz tão, tão desejados e tão, tão presentes que atingem o seu próprio ponto de saturação.
De repente, a marca que tinha acertado na mouche nos anos 1980 com o seu estilo arranjadinho para os yuppies de fim-de-semana e que, na década seguinte, estava em todos os vídeos das novas estrelas do hip-hop era demasiado vista e nem os mais aprumados nem os mais urbanos queriam usá-la. Isto eram os clientes americanos a dizer a Tommy Hilfiger que já bastava. Poucos anos depois de ter recebido o prémio de designer de roupa para homem do CFDA (Council of Fashion Designers of America) e uma década após a sua entrada em bolsa, os anos 00 pareciam bem menos próximos do sonho americano do que Hilfiger gostaria.
A sua marca, criada a partir de uma pequena loja por um adolescente apaixonado por calças de ganga e Rolling Stones do interior do estado de Nova Iorque, atingia aquele ponto de sucesso que só se afere no mercado de contrafacção - rios de camisolas, nas feiras e em lojas não autorizadas, com o logótipo Hilfiger com a inconfundível bandeira náutica, antigos públicos-alvo a voltar as suas bússolas para outras marcas da mesma família. Aquelas que, confessa Hilfiger, sempre admirou. Ralph Lauren é quem ele inveja, Calvin Klein e a menos global Perry Ellis, as marcas em cujo segmento se coloca.
Lições aprendidas
Tommy Hilfiger tem 59 anos, uma injecção de capital multimilionária recente e 25 anos de marca. Agora, também tem uma loja no Centro Comercial Colombo, em Lisboa, onde falou na segunda-feira com os jornalistas. Está recentrado. Nestes 25 anos de carreira, "os altos são os períodos de crescimento e os baixos são as lições aprendidas", responde à Pública. "Aprendi que nunca devemos seguir uma tendência, que nunca devemos crescer demasiado, que devemos estar sempre perto da nossa herança e de quem somos. E também aprendi que a qualidade é rainha. Se a roupa for de grande qualidade, isso envia uma mensagem muito forte ao cliente."
Sorridente, grisalho, mostra fotografias do filho bebé, Sebastian, do seu segundo casamento (tem outros quatro filhos do primeiro). De uma simpatia profissional, tem o tempo cronometrado ao minuto e responde com um discurso de quem já debitou respostas Europa fora nesta digressão de Outono em que abre lojas, dá conferências em faculdades de design de moda e concede entrevistas. A marca Tommy Hilfiger é ele, apesar de ter agora o grupo Phillips-Van Heusen por trás.
O gigante do vestuário, focado na alfaiataria, comprou este ano a marca por 2,2 mil milhões de euros. A curiosidade: é o mesmo dono da marca Calvin Klein. O detalhe: o preço pago é quase sete vezes mais do que a mesma empresa pagou pela marca de Calvin Klein em 2003. A memória: quando se lançou no mercado em 1985, Hilfiger instalou um cartaz em Times Square, em Nova Iorque, em que anunciava a sua chegada ao mundo da moda e se colocava na mesma liga que uns tais de C.K., R.L. e P.E. (leia-se Klein, Lauren e Ellis).
Hoje, Hilfiger ocupa o seu próprio lugar na moda - uma divisão de um grande apartamento por onde se distribui a moda autoral, a moda experimental ou avant garde, o luxo e o pronto-a-vestir premium. Tommy Hilfiger está nesta última, sentado num sofá de couro propositadamente envelhecido, rodeado de vermelho, azul e branco, as cores da bandeira americana que tornou na sua imagem. É claro que o seu country club sportswear, o seu preppy with a twist, como não se cansa nem hesita em descrever, foi mudando. Mas pouco.
Continua a ter uma paixão aguda por todas as coisas que tornam a América na actual superpotência cultural - para o bem e para o mal. Cultura pop é o seu nome do meio: "Acho que a cultura popular faz o mundo girar", diz à Pública na sua nova loja de Lisboa. Continua a ter como referência a arte pop, as Marilyns e as Grace Kellys de Warhol e sonha com Flag, a pintura da bandeira americana de Jasper Johns. A figura escolhida este ano para o entrevistar na revista Interview foi o comediante e apresentador Jimmy Fallon. No vídeo dos 25 anos da marca, é ver Woody Allen, batatas fritas, Barbie e Top Gun a conviver alegremente. A festa dos 25 anos em Nova Iorque teve os Strokes como banda sonora ao vivo e os Dandy Warhols de má memória (para quem se lembra de um insistente anúncio de telemóveis) a tocar no vídeo festivo.
Cultura pop
Hoje, "é talvez mais fácil" manter a sua mão de criativo no pulso da cultura popular e no que é cool no mundo "porque temos tantas relações, uma rede incrível de gente de todas as áreas - e fomos dos primeiros a fazê-lo", recorda, voltando a esse pioneirismo na Faculdade de Arquitectura da Universidade de Lisboa onde falou na tarde de segunda-feira, perante uma plateia de dezenas de alunos e professores, sobre o segredo do seu sucesso. Falou da associação da marca a Britney Spears, Beyoncé Knowles, Leonardo DiCaprio ou David Bowie e Iman. "De tempos a tempos inclinamo-nos mais para Hollywood, ou mais para a música, ou mais para os desportos. Mas queremos sempre estar ligados à cultura popular", reitera.
E até tem uma fórmula para a cultura popular - FAME. E desdobra, enunciando cada uma com um dedo no ar a acompanhar: "Fashion, Art, Music, Entertainment". Moda, arte, música e entretenimento, nuvens temáticas a que associa um punhado de outros conselhos: "Rodeiem-se de pessoas criativas"; "qualquer marca sem um símbolo é uma marca vazia"; "é necessária uma publicidade única, um produto que fale com o público de forma única"; "percebam da parte de negócio". E os eternos incentivos à perseverança, ao trabalho árduo, às longas horas de trabalho vindos de um adolescente autodidacta que comprava calças de ganga em Manhattan para as transformar e vender na sua loja em Elmira, Nova Iorque, baptizada como People"s Place.
"Comecei com nada, com zero dinheiro. Tinha um sonho, trabalho árduo e algum talento", referiu, poster humano pela causa do sonho americano, homem que aos 18 anos abria a sua loja com cerca de 130 euros doados por amigos.
Carina Azevedo está sentada na plateia. Aluna de 2.º ano de mestrado em Design de Moda, foi uma das mais de 20 estudantes a propor uma imagem a Hilfiger para celebrar os 25 anos da marca. Segunda-feira soube pela voz do criador que, como vencedora, vai estagiar três meses em Amesterdão na sede local da marca. A conferência de Hilfiger "é essencial, dá-nos uma realidade concreta sobre o nosso curso", explica. Ficou com "uma visão mais alargada e muito realista" de como funciona o mercado, numa altura em que está a estagiar numa agência de comunicação.
Na SIC Mulher passa um reality show baseado na competição por um cargo nas empresas Hilfiger. The Cut já data de 2005 e o vencedor há muito foi encontrado - e, se não quer saber quem foi, passe ao parágrafo seguinte. O seu vencedor espelha esta ideia de que Hilfiger é uma espécie de Donald Trump da moda, um self made designer com sucesso e aprumo a condizer. Chris Cortez chegara ao concurso com Tommy Hilfiger como ídolo e ainda hoje diz ter aprendido quase tudo com ele. Trabalham juntos - dirige a colecção de acessórios masculinos da Hilfiger.
Não se esqueçam do negócio
O empresário americano, que agora entrega as suas colecções de passerelle a uma equipa de designers, aconselhou os alunos a inteirar-se sobre o lado negocial e financeiro de uma marca. "A educação" nas universidades deve "misturar o elemento negocial e empresarial", respondeu a uma aluna.
Afinal, foi esse lado que o fez cair um pouco no início deste século, passada a febre dos grandes logótipos e do chamado hip-hop bling. "Tornámo-nos demasiado grandes, éramos a marca n.º 1 na América. Prejudiquei o negócio ao apanhar uma tendência e ficar-me por ela", disse, "e assim perde-se quem se é." Já antes, nos anos 1970 e em Elmira, outro erro: "Não compreendi o lado negocial e por isso fali. Foi muito difícil e embaraçoso", recorda sobre a sua loja fechada pelo desvio do tráfego da clientela para os centros comerciais.
Mas 1985 seria o ano da viragem. No tal apartamento de vários quartos, a divisão em que queria entrar estava já forrada a tecidos Pólo Ralph Lauren e estava cheia de jeans Calvin Klein. Na década anterior, por estar apostado na sua própria marca, recusou empregos na Calvin Klein e na Perry Ellis, referências do verdadeiro estilo de moda feito na América, o sportswear, o sofisticado casual. "Premium. Aspiracional. Acessível", alonga-se, novamente na sua loja do Colombo.
Questionado porquê um centro comercial e não uma rua do Chiado, por exemplo, onde outras marcas do seu segmento se fixaram recentemente, Hilfiger hiperboliza. "Temos um negócio em crescimento na Europa. Achamos que Portugal é um país importante e que as pessoas em Portugal são muito fashionable e que percebem mesmo a grande qualidade e o produto. Achamos que este é um dos melhores centros comerciais no mundo, queremos estar aqui."
Ali há o "aprumado com um twist", mas evoluído - não é o mesmo que fazemos há 25 anos, enfatiza. Mas será esse ar de valor seguro da náutica o look que condiz com uns Hamptons cantados pelos Vampire Weekend, que tanto o prende à tona? "Acho que não. Tem a ver com o posicionamento da marca e com o produto. Quando estamos posicionados como uma marca premium, com bom produto e bom preço, é muito mais fácil fazer frente a uma recessão. Não é tão fácil se se for uma marca de luxo, por exemplo. Foi esse posicionamento que se tornou na nossa âncora e que nos permitiu ter o melhor ano de sempre em 2009, o ano em que a recessão se fez sentir verdadeiramente."
É um facto: em 2009, a marca Tommy Hilfiger estava já em 65 países, a caminhar para cada vez mais linhas (desenham para homem, mulher e crianças nas versões Denim e Sportswear, fora os perfumes, os acessórios e o sonho de um hotel Hilfiger). Longe iam os dias em que pensava levar os então jeans mais largos e as camisolas de moletão com o seu logo para cadeias tipo supermercado como o Wal-Mart; e ainda mais longínquos os dias em que tentou esclarecer um engodo viral que ainda circula por mail e que dava como garantido (não o é, foi forjado) que tinha proferido declarações racistas no programa de Oprah Winfrey. No ano passado, estava a fazer novamente lucros na ordem dos 220 milhões de euros anuais e parte desse dinheiro vinha da Europa. Hoje, esses pontos de venda, onde a sobredose Hilfiger nunca chegou aos píncaros americanos, têm um duplo valor. "A Europa é um dos factores de crescimento na nossa existência. Ser fortes na Europa estabiliza-nos no resto do mundo, dá-nos uma base. A Europa é uma parte importante do mundo que não só é lucrativa, não só no ponto de vista dos negócios mas também em termos de moda - dá-nos muito respeito estar na Europa", diz.
Mudança no mercado
Mais de três décadas depois de ter ido do liceu para dono de loja directamente sem passar pela casa da partida universitária, este filho de um relojoeiro e de uma enfermeira, o segundo de nove filhos, considera "que há tantas empresas e tantas oportunidades que uma licenciatura vai ajudar mais do que não a ter". Teve vários investidores, entre os quais o empresário indiano Mohan Murjani, que lhe permitiu lançar-se na moda masculina aos 33 anos com o tal cartaz em Times Square, e a quebra nas vendas fez com que a sua marca fosse vendida em 2006 à Apax Partners, que depois a venderia ao grupo Phillips-Van Heusen. Mas teve um só público inicial. "Eram adolescentes que adoravam moda e música, que estavam apaixonados pela cultura." Hoje, o mercado é "bastante alargado - [trabalhamos as áreas de] homem, mulher e criança. Em cada segmento temos [as linhas] Sportswear e Denim e o cliente da Denim tende a ser mais jovem, o cliente de Sportswear vai evoluindo com o tempo".
À escala do seu sucesso, Tommy Hilfiger vive hoje num hotel - mais precisamente no andar mais alto do edifício que albergava o famoso Plaza em Manhattan, paredes meias com o Central Park e repleto de histórias do cinema e da cultura mundial. A sua outra casa fica na ilha de Mustique, onde é vizinho de Mick Jagger, um dos seus amigos de longa data. E há ainda outra nos Estados Unidos, nos subúrbios de Connecticut, onde passa os fins-de-semana.
"Ele não tem medo do desportivo, do simples e do clean", diz a designer americana Vera Wang. "Foi capaz de voltar e de se reinventar", elogia Anna Wintour, editora da Vogue americana. "Nunca teve concepções erradas sobre ser um Balenciaga. É um designer mais acessível", completa Wintour, em declarações ao New York Times. Hilfiger e o seu sorriso profissional querem estar em muitos lugares, mas não em todos. Quer fazer mais com o seu nome, mas não tudo. Ainda assim, chamam-lhe "designer global".
Uma coisa ele gostava de ter: Michelle Obama na lista de clientes.
joana.cardoso@publico.pt