Violência doméstica volta a matar mais este ano
As contas foram feitas pelo PÚBLICO a partir de todas as ocorrências noticiadas este ano, mas Maria José Magalhães, presidente da União de Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR), admite que as vítimas possam ser mais. "O número não chega às 40 mulheres assassinadas, mas é superior a 30", afirma, acrescentando que o Observatório de Mulheres Assassinadas da UMAR ainda está a compilar informações.
As vítimas, na maioria com idades entre os 30 e os 40 anos, passaram parte da vida sujeitas aos maus tratos dos maridos ou companheiros. Algumas chegaram mesmo a apresentar queixa na polícia, mas acabaram, mesmo assim, por ter um fim trágico.
Os homicidas são, em mais de 70 por cento dos casos, maridos ou namorados das vítimas. Nas restantes situações, ou tinham tido uma relação amorosa com a mulher que assassinaram ou eram familiares próximos. Mais de metade dos homicidas tem entre 40 e 60 anos e apenas dois são jovens na casa dos 20 anos.
Segundo Maria José Magalhães, é "o próprio ciclo da violência", que vai aumentando até que a agressão se torna fatal, que conduz ao final trágico. Mas também há um padrão comum nos crimes de situações que funcionam como rastilho. O divórcio ou a ameaça de pôr fim à relação foram, em 30 por cento dos casos registados este ano, os motivos do crime. E os ciúmes e as suspeitas de traição representam outros 20 por cento das situações. Para a responsável da UMAR, é o sentimento de posse obsessivo do homem em relação à mulher que o leva a não suportar a ideia da separação ou de uma traição e a cometer o crime.
Lei por potenciarMaria José Magalhães não percebe como não foram evitados os crimes nos casos em que as vítimas apresentaram queixa às polícias. O problema, sublinha, é não haver, antes de o crime ser cometido, "uma acção imediata, a fim de obrigar o agressor a manter-se afastado da vítima, nomeadamente a prisão". "O sistema judicial tem de ser mais preventivo e não agir depois da tragédia, quando as pessoas já estão mortas", defende.
Para a secretária de Estado da Igualdade, Elza Pais, o problema reside essencialmente no facto de o sistema de protecção ser novo. "A protecção das vítimas tem pouco mais de meio ano e é natural que não se potencie a aplicação da lei" em tão pouco tempo, explica. Ainda assim, a secretária de Estado sublinha que, nalgumas situações, as medidas deram frutos. "Há casos em que as mulheres não morreram por terem sido protegidas. Neste momento temos 1533 mulheres e crianças em casas de abrigo" para vítimas de violência doméstica, diz Elza Pais.
Apesar de admitir que muito tem sido feito no combate à violência doméstica, nomeadamente com a criação das casas-abrigo e centros de atendimento e através de alterações legislativas importantes - a violência doméstica passou a ser crime público e o sistema de vigilância electrónica foi alargado aos agressores -, a presidente da UMAR considera que o caminho que falta percorrer ainda é longo.
"É preciso regulamentar o resto da lei e aplicá-la", diz, acrescentando que cada vez mais é necessário apostar na educação sobre a questão da violência doméstica logo desde a infância.