No início, não era simplesmente uma novidade - o Walkman era o futuro. Introduzido no mercado pela Sony a 1 de Julho de 1979, permitiu que as cassetes se libertassem das aparelhagens caseiras e nos acompanhassem aonde quer que fôssemos. Não foi um sucesso imediato. Um mês após o início da comercialização, apenas três mil unidades tinham sido vendidas. Trinta e um anos depois, os resultados fixam-se em vendas de 22 milhões. Foi com este registo que o Walkman, verdadeiro ícone para a geração nascida na década de 1970, se despediu. A Sony anunciou a 25 de Outubro o fim da produção do famoso leitor de cassetes portátil, curiosamente no mesmo mês em que o iPod, o seu glorioso sucessor e responsável pelo seu declínio, celebra nove anos.
O fim do ciclo de vida do Walkman, que não o é verdadeiramente, já que a marca continuará a ser utilizada nos leitores de MP3 da Sony e o leitor de cassetes continuará a fabricar-se na China para suprir a procura que ainda existe ali ou em países do Médio Oriente, arrasta consigo o suspiro nostálgico daqueles que o recordam como companhia indispensável na adolescência. Arrasta consigo, logo em seguida, uma cascata de exercícios de memória: "Quando foi a última vez que utilizei um Walkman?"; seguido de "quando foi o última vez que senti fala de umWalkman?"; seguido de "mas ainda existiam Walkmans no ano da Graça de 2010?"
Desde o final dos anos 1990 que a venda de Walkman entrou em declínio. Primeiro, devido à substituição das cassetes pelos CD como formato privilegiado para audição de música. Depois, pela meteórica entrada em cena dos ficheiros digitais, que, antes de contribuírem para a espectacular queda das vendas de CD (formato que, por sua vez, havia sido responsável pelo igualmente espectacular boom de receitas da indústria musical nos anos 1990), tornou o Walkman e as cassetes objectos velhos, gastos e pesados.
Assim sendo, por que é que, nos dias que se seguiram ao anúncio do seu fim, fomos lendo obituários emocionados na imprensa mundo fora e, na blogosfera, elogios fúnebres ao tempo em que o "Walkman foi rei"? Porque, naturalmente, é o tempo que aqui interessa. Esse tempo em que gravávamos compilações em cassete que pretendiam ser verdadeiro reflexo do compilador - ou um reflexo melhor e mais perfeito, caso o objectivo fosse impressionar o/a rapaz/rapariga com uma versão áudio das cartas de Pessoa a Ofélia. Esse tempo em que também existia o ZX Spectrum, outro "velhinho" continuamente celebrado, e que, estando bastante próximo cronologicamente, nos parece agora, dada a fulgurante evolução tecnológica, irremediavelmente distante.
Não é propriamente o fim do Walkman, que nunca trocaríamos hoje por qualquer um dos seus incrivelmente mais práticos e eficientes descendentes, que se celebra com nostalgia: é o fim de mais um bocadinho da adolescência da geração nascida na década de 1970, quando a vida era ritmada pelo rodar infatigável de cassetes de 90 minutos com um álbum de cada lado - cassetes onde, quais camadas de experiência, se ouviam ainda os álbuns que ali tinham estado antes, preservados na fita como ruído de fundo espectral que se revelava no silêncio dos intervalos entre canções (perceber que ouvíamos Nirvana ou Black Sabbath onde antes tinham estado Bryan Adams ou os Dire Straits, era sinal inequívoco que caminhávamos na direcção certa, a caminho da iluminação).
A omnipresença da música
Akio Morita, presidente da Sony, tinha um desejo. Fechado em longos voos intercontinentais durante horas e horas, queria tornar o tédio da viagem num prazer. Queria, basicamente, ouvir as suas óperas preferidas no avião. Nobutoshi Kihara, um engenheiro na secção de áudio da Sony, veio em sua salvação. Foi ele o inventor do Walkman. Mas não seria a ópera, ou melhor, não seriam clientes como Akio Morita a transformar a invenção num fenómeno global.
O insucesso inicial do Walkman começou a inverter-se com uma forte aposta de marketing, que pôs caras famosas a sorrir para o público com os auscultadores, então considerados inestéticos, nos ouvidos e o leitor preso no cinto. Contudo, apenas quando os maiores consumidores de música, os adolescentes, o adoptaram, é que se tornou um fenómeno. Com ele, ficou marcado o início da omnipresença na música em todos espaços e todos os momentos da vida - algo que é hoje uma evidência, com telemóveis aos berros no metro, com os auscultadores brancos dos iPods bem identificáveis na autocarro, com os leitores de MP3 a acompanhar todos os passos do dia-a-dia. A diferença estava na escala.
O Walkman era portátil, tal como as dezenas de pilhas de que necessitaríamos para o alimentar durante 15 dias de férias, mas nunca seria omnipresente. Ninguém levaria o então ágil e leve aparelho, hoje um vulgar trambolho, para todo o lado, correndo o risco de vê-lo despedaçar-se no chão durante uma passagem mais acelerada do One, dos Metallica, ou de um passo de dança improvisado ao som do Black or white de Michael Jackson. Mas tínhamos ali uma companhia certa, um refúgio íntimo que, num ápice, podia transformar-se numa afirmação de personalidade - "o que estás a ouvir?", perguntava-se a alguém ao nosso lado na viagem de estudo e às vezes não eram os Guns N"Roses ou os U2, eram os Stone Roses ou Mazzy Star e estávamos a caminho de algo bonito (no dia seguinte, trocavam-se um par de cassetes e o processo reiniciava-se).
Naturalmente, esta última memória não soará a novidade a miúdos de 13 anos, como aquele a quem a BBC, o ano passado, entregou um Walkman para registar o choque tecnológico e que demorou três dias a perceber que a cassete tinha lado A e lado B. Também ele utilizará o seu iPod como mundo privado a quem deixa outros acederem de tempos a tempos. E também ele, daqui a 30 anos, se lamentará com nostalgia quando a Apple anunciar o fim do obsoleto iPod, ultrapassado por um outro qualquer equipamento que os miúdos de 13 anos utilizarão para fazerem aquilo que ele fazia. Para fazerem aquilo que fazia quem cresceu com um Walkman pesadão numa mão e auscultadores nos ouvidos. Que é tão só isto: ouvir música.