Artur Jorge tem muita coisa na sua colecção de arte. Talvez coisas a mais
Parte da colecção do ex-seleccionador nacional e antigo treinador do FC Porto e do Benfica, que inclui obras de Picasso, Warhol, Chagall, Basquiat ou Dalí, vai estar a partir de hoje em exposição no Centro Cultural de Belém e irá a leilão no próximo mês, em Paris
O último emprego que Artur Jorge teve no futebol foi em 2007, numa equipa de terceira divisão de França, o Creteil-Lusitanos, para quem o seu presidente português tinha projectos de grandeza. Parecia uma tarefa pouco digna para um dos mais titulados treinadores da história do futebol português mas, na altura, era uma oportunidade de regressar a Paris, cidade onde teve muitas conquistas e onde já lhe chamaram Rei Artur. Depois da passagem pelo Creteil, que durou poucos meses, voltou para a sua casa em Lisboa, que não é a sua cidade de origem mas onde tem agora tempo para fazer as coisas que não fazia, à espera de uma "boa oportunidade" para voltar ao futebol.
O futebol, diz Artur Jorge ao P2, foi uma das constantes da sua vida, desde os escalões de formação do futebol do FC Porto (foi avançado) até ao banco do Lusitanos. "Passamos por cima de muitas coisas e esquecemo-nos delas durante muito tempo. Agora, faço as coisas que não fazia, estar com a família, estar em casa, ler livros, ir ao cinema, ter tempo livre." A outra constante é a arte e Artur Jorge tem sido um coleccionador compulsivo, ao ponto de não conseguir determinar o número exacto de peças que tem. Algumas delas (perto de 100) vão a leilão em Paris a 8 de Dezembro próximo, um conjunto que inclui obras de Pablo Picasso, Andy Warhol, Marc Chagall, Salvador Dalí, Joan Miró, Jackson Pollock, Jean Michel Basquiat ou Henri Matisse, e vão estar expostas a partir de hoje e até domingo no Centro Cultural de Belém, em Lisboa.
O acervo que a Christie"s leva a leilão em Paris foi avaliado em dois milhões de euros, mas estima-se que possa render três vezes mais. Estará Artur Jorge a precisar de dinheiro? É esta uma medida de emergência em tempos de crise? "Nada disso. Já tínhamos tido a possibilidade de fazer várias exposições, mas nunca quisemos fazer isto. Tenho muita coisa, se calhar coisas a mais. Não vou acabar com nenhuma colecção, vou fazer uma nova", diz o técnico, que irá manter quase todas as suas peças de autores portugueses, com a excepção de obras de Júlio Pomar e Vieira da Silva.
O gosto pela arte está à vista nas paredes e prateleiras da sua casa. Essencialmente obras de arte moderna de pequena dimensão, mais arte africana - "é outra arte, ou a mesma arte, feita de outra maneira". E muitos livros de arte. E discos de jazz e música clássica. Nenhum testemunho, nenhuma memória do seu passado no futebol. Não há troféus, nem camisolas (vestiu as do FC Porto, Académica, Benfica e Belenenses), nem fotografias de conquistas. "Está tudo lá em baixo [a casa é um duplex]. O meu filho é que tem as taças e essas coisas todas. Ficam melhor no quarto dele do que aqui", diz Artur Jorge.
"Não fui atrás de ninguém"
Não houve um livro, ou uma música, ou um quadro em particular que tenha funcionado como um despertar para Artur Jorge, hoje com 64 anos. As primeiras memórias culturais ou a primeira peça que comprou não é coisa que partilhe. "Começa por amizades, por ir a museus, por ver coisas de que não estava à espera, não sei exactamente como começou. Influência familiar, sim, mas também de amigos. Foi acima de tudo uma coisa pessoal, não fui atrás de ninguém", diz. Sempre em paralelo com o futebol, que o técnico também entende ser uma forma de arte. "Sempre gostei de futebol. Quando era miúdo, jogava futebol com os meus amigos, de manhã à noite."A vivência em Coimbra, entre 1965 e 1969, permitiu-lhe conjugar o futebol com os estudos académicos, iniciando um curso de Filologia Germânica que haveria de concluir em Lisboa, quando se transferiu para o Benfica. Depois de acabar a carreira de jogador, em 1978, ao serviço do Belenenses, deu início, dois anos mais tarde, a uma carreira de treinador em 17 equipas, incluindo o FC Porto (três títulos nacionais e uma Taça dos Campeões Europeus), o Paris Saint-Germain (um título de campeão francês), o Benfica ou a selecção portuguesa. Passou ainda por África (selecção dos Camarões) e pela Ásia (nos clubes árabes Al-Nasr e Al-Hilal).
A carreira itinerante permitiu a Artur Jorge fazer crescer a sua colecção - que não começou como uma colecção formal, explica, mas como um conjunto de "coisas que gostava de ter". E Paris, de onde vieram mais de 80 por cento das suas peças, foi uma cidade marcante na vida do treinador, mesmo com pouco tempo para pensar em outras coisas para lá do futebol. "Comprei muita coisa em Paris por causa das pessoas que conhecemos. E íamos ver coisas que não víamos cá, era um mundo novo, mas não uma vida nova. Mas já não se pode dizer que as grandes cidades estrangeiras sejam muito diferentes das grandes cidades portuguesas", ressalva.
Foi em Paris que Artur Jorge reforçou o seu contacto com as galerias, o seu "terreno de caça" preferencial. Recorda em particular o episódio com um galerista a quem comprou uma escultura do francês Yves Klein (Escultura Esponja, de 1958/59, uma das peças que vão a leilão, com um valor estimado entre 250 mil e 350 mil euros): "Na altura, ele não tinha a importância que tem hoje. Dois dias depois de ter comprado a peça, ele ofereceu-me o dobro do que eu tinha pago, porque havia alguém que lhe pagava mais."
Agora, Artur Jorge vai menos a galerias. São elas que o procuram e ele está mais informado do que está disponível. Não é de regatear preços por uma obra de arte, nunca cometeu uma "loucura" por uma peça - "sempre comprei a preços razoáveis" - e está seguro de nunca ter levado para casa uma falsificação. Não consegue identificar uma obra preferida, nem dizer que artista gostaria de ter na sua colecção. "Tanta coisa que não posso ter. Autores que são únicos, que só funcionam em museus. São coisas para mostrar às pessoas."
A colecção vai continuar, garante. O leilão vai apenas abrir espaço nas paredes das suas casas em Lisboa e no Algarve para coisas novas e libertar o espaço na caixa-forte de um banco onde guarda algumas das peças mais valiosas. As futuras compras acrescentarão pequenos capítulos à vida quase dupla de Artur Jorge. "Todas estas peças têm uma história. É a minha história."