O que o Tea Party aprendeu com Obama (e está a usar contra ele)

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Motivados e prontos a votar contra Obama Olivier Douliery/Abaca Press/MCT

Não é um partido. Não tem um líder. Mas é a força política mais imprevisível destas eleições. O Tea Party encostou os republicanos mais à direita e adoptou os métodos de campanha do inimigo Obama

A pergunta que Kate Zernicke, repórter do New York Times que acaba de lançar um livro sobre o movimento Tea Party, está sempre a ouvir é: "Quem são essas pessoas?" E a palavra "quem" costuma ser acentuada, como é habitual quando uma história desafia as leis da credulidade.

O Tea Party não é um partido. Não tem um líder. Não tem uma sede. E não foi levado a sério - até se tornar na força mais imprevisível do ciclo eleitoral que a América atravessa actualmente.

Primeiro, porque derrotou os favoritos do Partido Republicano nas primárias de certos estados, impondo os seus próprios candidatos, alguns deles quase desconhecidos, como Christine O"Donnell, no Delaware.

Segundo: algumas previsões antecipam ganhos significativos para o Tea Party nas eleições intercalares. De acordo com o New York Times, 33 candidatos à Câmara dos Representantes apoiados pelo Tea Party estão em corridas ultracompetitivas ou que dão vantagem ao Partido Republicano. Oito podem chegar ao Senado.

Para alguns analistas, qualquer que seja o resultado a 2 de Novembro, o Tea Party já ganhou. Conseguiu intimidar os dois principais partidos, mobilizar parte da população, evoluir de rebelde sem causa para a força política mais visível e analisada dos últimos meses. Sarah Palin, espécie de madrinha do movimento, disse que o Tea Party "é o futuro da política".

Vieram para ficar?

Da produção de livros aos media, definir o Tea Party tem sido uma obsessão americana. Foi comparado à beat generation e à banda rock dos anos 60 Grateful Dead. Desvalorizado como um clube para gente zangada. Denunciado como um movimento de racistas - ou é apenas coincidência terem aparecido quando há um Presidente negro na Casa Branca? -, homófobos, fanáticos, ultra-religiosos. São um fenómeno passageiro ou vieram para ficar?

O Tea Party surgiu em reacção ao colapso da economia, a um Presidente e uma maioria no Congresso democratas, com uma ambiciosa agenda legislativa - as reformas do sistema de saúde e financeiro. "Em 1993-94, Bill Clinton também enfrentou enorme oposição quando tentou propor um novo sistema de saúde. Parece-me que a novidade, agora, é que os media conservadores têm uma estrutura muito forte", nota Kate Zernike, autora de Boiling Mad: Inside Tea Party America. "A rádio e a televisão, em particular a Fox News, têm tido um papel central em propagar a mensagem do Tea Party." E Glenn Beck é a Oprah do Tea Party.

Segundo William Galston, anterior conselheiro político de Bill Clinton, o Tea Party é a última expressão de duas correntes que sempre existiram na cultura política americana: a desconfiança da concentração de poder, e o populismo ou antielitismo.

A confiança dos americanos no Governo atingiu valores mínimos quase históricos, apesar de a administração Obama ter sido "extremamente activa" nos seus dois primeiros anos. Além disso, nota Galston, este tem sido um Governo de "elites certificadas". "Quantas vezes durante o derrame de petróleo no Golfo [do México] é que o Presidente Obama se referiu a Steven Chu como o seu secretário da Energia vencedor de um Prémio Nobel?"

Para os membros do Tea Party, Washington é um lugar de corrupção, abuso de poder e interesses especiais. Por isso, têm privilegiado candidatos com pouca ou nenhuma experiência política.

O movimento é diverso e descentralizado, com diferentes organizações nacionais e locais, algumas delas rivalizando entre si. Um inquérito feito pelo Washington Post a centenas destas organizações, divulgado na semana passada, mostra que existe pouco consenso entre os líderes dos vários grupos quanto aos temas que os preocupam. As causas mais unitárias são a redução da despesa pública e a limitação do intervencionismo do Governo.

Questões como o aborto ou o casamento homossexual podem surgir em cartazes nos comícios de campanha, ou serem reivindicadas por grupos locais; muitos dos candidatos apoiados pelo Tea Party têm manifestado as suas posições sobre os temas durante a campanha. Mas, como Kate Zernicke descobriu, os membros do Tea Party preferem não falar nos temas sociais. "Quando eu lhes perguntava qual era a posição de um determinado candidato sobre o aborto ou o casamento gay, eles afastavam logo a questão. Quando eu insistia, eles diziam sentir que o Partido Republicano se tinha desviado, ao focar-se demasiado nos temas sociais. O Tea Party voltou a centrar a discussão no conservadorismo económico, em vez do conservadorismo social."

Lições da esquerda

Em Maio, Obama convidou um grupo de historiadores especializados na Presidência americana para um jantar na Casa Branca. Segundo o New York Times, o Presidente mostrou-se particularmente curioso em relação ao movimento Tea Party. Existem precedentes históricos? O que é que os faz mover? Os historiadores responderam. Obama ouviu. "O que ele concluiu, não sei", disse o historiador W.H. Brands à revista do New York Times.

De certa forma, o Tea Party está a conseguir o que Obama conseguiu com a sua campanha de 2008: "Dinamizar um grupo de eleitores entusiastas que normalmente não votariam numas eleições intercalares, em que a abstenção é muito grande", diz Kate Zernike.

Lição aprendida

Mais: o Tea Party aprendeu as lições da campanha de Obama e está a aplicá-las. O Tea Party treinou uma legião de membros - gente sem qualquer actividade política anterior, na maioria dos casos - para contribuírem para a campanha, apelando ao voto nas ruas, casa a casa. Mães suburbanas de um estado considerado perdido para os republicanos, como o Oregon, estão a fazer chamadas interurbanas para estados vizinhos - Nevada, por exemplo -, onde a corrida está renhida, para incitar ao voto nos candidatos republicanos. E o Facebook e Twitter têm sido cruciais na organização do movimento.

"Não há dúvida que eles foram buscar lições à esquerda", diz Kate Zernicke. A jornalista evoca uma mulher que conheceu na Pensilvânia e que é retratada no seu livro. "Em 2008, ela aparece na sede de campanha do Partido Republicano local e diz: "Não morro de amores pelo John McCain, mas quero mesmo trabalhar para vocês, porque o que Barack Obama anda a dizer sobre negociar com o Irão e a Síria preocupa-me. O que é que posso fazer?" E a resposta foi qualquer coisa como: "Obrigado, mas não é preciso." Então, ela vai para casa e inscreve-se para receber e-mails da MoveOn.org [organização democrata], não porque se tenha tornado uma esquerdista da noite para o dia, mas porque acha que eles estão a fazer um trabalho fantástico, na forma como se organizam em prol de Obama e de causas de esquerda, e quer aprender com eles."

Obama criou a sua Némesis.

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