António Cerveira Pinto A juventude licenciada vai ter de reagir

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A revista Chicote lançou o primeiro número este mês. É para jovens, mas também para os seus avós que cresceram com os Rolling Stones. A irreverência, acredita a Chicote, vai voltar a estar na moda.

Como é que se começa uma revista em tempo de crise? Não deve ser nada fácil.

Não, não é nada fácil e tem uma pontinha de loucura. Somos dois sócios, não temos nenhum grupo editorial por trás nem nenhum grupo financeiro, mas fizemos esta aposta, e se sobrevivermos na pior altura também sobrevivemos na melhor. A Chicote não é uma revista comum, é uma ponta de um icebergue, um elemento de uma rede editorial: de escrita, de fotografia, de vídeo... O projecto Chicote tem uma versão impressa, que é, digamos, uma versão do século passado, mas que ainda faz o seu caminho, mas é só um dos canais. Até ao fim do ano, queremos pôr de pé a Chicote TV e a Rádio Chicote. A revista Chicote é uma revista urbana, mas não queremos que seja de nicho. Portanto, nós estamos ao contrário de tudo o que são as tendências: saímos no pior da crise, no fim do ano, queremos uma revista generalista, queremos muitas coisas aparentemente contra-intuitivas.

A Chicote apresenta-se como uma "Revista de Cidades e Vãos de Escada". Troque isso por miúdos.

Quer dizer que estamos interessados no Bairro Alto e ao mesmo tempo na Cova da Piedade. Quer dizer que estamos interessados no Armani e no designer de moda que os portugueses ainda não conhecem mas que apareceu ali nas Escadinhas do Duque. Estamos interessados na grande exposição de jóias no Museu Gulbenkian como estamos interessados na galeria de vão de escada que surgiu este mês e que não sabemos se vai resistir até ao mês que vem.

Vai ser uma revista sobretudo sobre e para Lisboa?

Não, nem pensar. É uma revista nacional, para a qual todas as cidades com mais de 15 habitantes são interessantes. Obviamente, do ponto de vista comercial e da distribuição, tem centros prioritários: a grande Lisboa e o grande Porto. Mas nós queremos estar onde há textura urbana: universidades, jovens profissionais...

O alvo da Chicote é o público jovem?

Nós dizemos que a revista é feita para os netos do Mick Jagger, mas o Mick Jagger vai gostar de ver e ler.

Se calhar, não há muitos Mick Jaggers em Portugal...

Há, há, basta ir a um concerto dos Rolling Stones e vemos quantas pessoas de 60 anos lá estão. São pessoas que tinham 19 anos quando apareceram os Rolling Stones. E muitas delas, que nessa altura foram irreverentes e fãs dos Rolling Stones, hoje continuam a sê-lo, mesmo que sejam directores de empresas ou ministros. Um fã famoso dos Rolling Stones - tristemente famoso, segundo a opinião de alguns - é o Henry Kissinger.

A Chicote é intergeracional. Penso que estamos a entrar num período que tem muitas similitudes com os anos 60. É um período de grande crise, de mutação, de mudança de paradigmas, em que a juventude vai ser chamada a ter um protagonismo muito grande outra vez, mas que, ao contrário dos anos 60, vai ter aliados nalguns pais e avós. A juventude licenciada - com três, quatro, cinco cursos e 300 especializações e 40 empregos nos últimos dois anos - tem uma experiência, eu diria, superior à dos jovens dos anos 60 e tem formação. E vão encontrar-se numa situação perante a qual vão ter de reagir. E essa situação, do ponto de vista da cultura, é necessariamente muito rica. Vamos passar de uma cultura superficial, decadente, corrompida pelo dinheiro, para uma cultura que procura ideias, formas novas, procura o chicote - ou seja, procura ser frontal na sua relação com a realidade.

Daí o nome Chicote?

Daí o nome Chicote. Também tem a ver com a questão do erotismo que é uma questão urbana: a pele, a carne, o corpo, o tempo, tudo isto é vivido na cultura urbana. E há fenómenos que são muitas vezes recalcados, porque a cultura portuguesa é uma cultura muito conservadora, e daí o nome Chicote - nós queremos fazer saltar cá. a

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