Diálogo entre Governo e PSD vai começar e deve ser rápido
A antecipação para amanhã da primeira reunião entre as equipas do Governo e do PSD, ontem designadas para negociar as condições de viabilização do Orçamento do Estado para 2011, é o sinal mais visível: ambos esperam que a solução seja rápida e reforce a credibilidade de Portugal junto dos mercados internacionais. E apague também o fogo político em que as duas partes se têm vindo a chamuscar junto da opinião pública. O grande obstáculo a um acordo está na diferença de perspectivas entre os cortes na despesa que ainda serão possíveis fazer para compensar uma redução do agravamento da carga fiscal prevista na proposta de OE.
A designação de Eduardo Catroga como chefe da delegação social-democrata para estas negociações foi ontem o pontapé de saída para o fim do impasse político que se vem arrastando desde fins de Setembro, depois de falhar a tentativa de entendimento ao mais alto nível, entre José Sócrates e Pedro Passos Coelho. "A decisão do PSD de indicação da sua equipa negocial é um passo positivo, estou muito convencido que isso resultará numa negociação rápida como o país precisa", disse José Sócrates.
Agora, as conversas seguem no Par- lamento, mas serão sobretudo de cariz técnico: do lado do Governo está a equipa do Ministério das Finanças liderada por Teixeira dos Santos (onde também está Jorge Lacão, ministro dos Assuntos Parlamentares, que não participará sempre), e do lado do PSD o ex-ministro das Finanças de Cavaco Silva, acompanhado por quatro sociais-democratas igualmente de perfil técnico (ver texto na página seguinte).
Para o PSD, as condições mínimas para a aprovação do OE estão definidas: o aumento do IVA em apenas um ponto percentual (para 22 por cento, e não 23, como quer o Governo) é central, como o PÚBLICO avançou ontem, assim como a manutenção das deduções fiscais, embora se admita que possam ser trocadas por títulos de dívida pública. O Governo já disse que a receita fiscal prevista na sua proposta é essencial, mas no PSD acredita-se que o acordo é possível.
Acordo para mercado verAo estimar que é possível cortar a despesa pública em 700 a 800 milhões de euros com as suas propostas, os cálculos dos sociais-democratas apontam para uma diferença de 200 a 300 milhões de euros em relação ao previsto pelo Governo. Por outras palavras, o acordo é orçamentalmente possível - uma vez que se acredita na existência de uma almofada de segurança no OE. Se não acontecer, será por falta de vontade política, acreditam os responsáveis do PSD.
Do lado do Governo, mantém-se a desconfiança em relação ao impacto orçamental das propostas do PSD. Ontem, em entrevista à RTP, Teixeira dos Santos disse não ver nas propostas do PSD "medidas que permitam cortar despesa na mesma dimensão da redução de receita sugerida". "Se acatássemos todas aquelas condições, teríamos um défice superior a 4,6 por cento. E isso não podemos aceitar", disse o ministro das Finanças.
Um dos exemplos dados para o que diz ser a insuficiência das medidas do lado da despesa foi o impacto da proposta do PSD de suspender as parcerias público-privadas que estão em fase de lançamento. O ministro calculou em "apenas" 76 milhões de euros o impacto orçamental em 2011 do troço Poceirão-Caia. "Não se pode querer tapar uma falha de receita de 400 milhões com este tipo de receita", disse.
Teixeira dos Santos fez ainda questão de frisar que aquilo que for aprovado "não pode ser só para português ver", tendo que "convencer os mercados de que seremos capazes de atingir os objectivos".
Ainda assim, o ministro fez um esforço para mostrar abertura relativamente ao processo negocial que se aproxima, concedendo que "porventura haverá aspectos das propostas [do PSD] que podem ainda não estar claro e que têm de ser esclarecidos".
Em relação ao seu interlocutor nestas negociações, Eduardo Catroga, o ministro disse que falam "a mesma linguagem" e afirmou que chegar a um acordo em relação ao Orçamento "é uma responsabilidade que recai sobre ambos". "Temos a obrigação de fazer um esforço de aproximação", concluiu.
O que parece estar já tacitamente aceite de um lado e de outro é a revisão da tabela do IVA relativamente aos bens que deixam de ser essenciais, como a margarina ou o leite chocolatado. Este é um dos pressupostos do PSD para viabilizar o Orçamento e, do lado da maioria, uma reivindicação do grupo parlamentar do PS.
Renegociar o défice?Em cima da mesa das negociações não estará, no entanto, o desafio lan-?çado por Pedro Passos Coelho na entrevista à TVI anteontem à noite: a renegociação com Bruxelas das metas de redução do défice público para 2011. O líder do PSD deixou claro não acreditar ser possível cumprir os 4,6 por cento previstos pelo Governo para o próximo ano, nem sequer os 7,3 por cento prometidos para 2010. Mas, por cautela, não colocou este delicado assunto como condição para a viabilização do OE.
Embora Passos Coelho tivesse, ao levantar o assunto, aberto a porta a dar ao Governo o aval para a renegociação do défice com Bruxelas, o executivo, pela voz do ministro da Presidência, já afastou essa possibilidade, dizendo que seria a pior mensagem que se poderia passar nesta fase aos mercados. Teixeira dos Santos disse o mesmo.
O pedido de renegociação do valor do défice junto da Comissão Europeia teria um custo político para o executivo, já que significaria o reconhecimento de que falhou nas suas previsões e poderia afectar ainda mais a imagem das finanças públicas portuguesas junto dos parceiros europeus e dos mercados, que veriam numa eventual correcção dos objectivos um sinal de derrapagem, ao estilo do que aconteceu com a Grécia logo no início deste ano.
Durante o dia de ontem, as taxas de juro da dívida pública portuguesa voltaram a subir, eliminando algumas das descidas conseguidas durante a semana passada. Mais um motivo para o Governo e o PSD terem pressa.
O calendário23 - Primeira reunião do grupo negocial Governo/PSD para o Orçamento do Estado
26 - Apresentação da recandidatura de Cavaco Silva à Presidência da República
28 - Reunião dos líderes nacionais do grupo PPE que antecede a Cimeira Europeia
- Pedro Passos Coelho poderá não ir, ao contrário do que tem feito, para permitir negociações do OE até ao último minuto
29 - Cimeira de chefes de Estado e de Governo dos 27
- José Sócrates estará presente, o que levou ao adiamento do debate na generalidade do OE
Novembro
1 - Debate na generalidade do Orçamento do Estado 2011
2 - Votação na generalidade do Orçamento do Estado 2011
19 e 20 - Cimeira da NATO e cimeira EUA-UE em Lisboa, com a presença de Barack Obama
24 - Greve geral conjunta da CGTP e UGT
25 e 26 - Discussão na especialidade e votação final global do OE