Opart: convicção ou sacrifício

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Gostaria de acreditar que o ministério não está a sacrificar as suas jóias no altar da consolidação das contas públicas

Em Junho de 2006, a ministra da Cultura Isabel Pires de Lima e o secretário de Estado Mário Vieira de Carvalho anunciavam, na conferência de imprensa de apresentação da nova temporada do Teatro Nacional de São Carlos (TNSC), a criação do Opart - Organismo de Produção Artística como a futura empresa pública responsável pela gestão do TNSC e da Companhia Nacional de Bailado (CNB), e assim, também, da Orquestra Sinfónica Portuguesa, do Coro do TNSC e do Teatro Camões.

A criação do Opart surgia no âmbito do PRACE - Programa de Reestruturação da Administração Central do Estado e previa também, desde o início, a inclusão do Teatro Nacional D. Maria II. Acontece que o anúncio do projecto Opart provocou, de imediato, um significativo clamor na imprensa e, por evidente cautela política, a inclusão do D. Maria não se concretizou na altura.

Em Maio de 2007, quando o Opart inicia formalmente a sua actividade, a referida polémica tinha alcançado já o seu auge simbólico com a saída absurda e desnecessária de Paolo Pinamonti da direcção do TNSC. De resto, este acontecimento marcará o Opart com uma espécie de pecado original de que só com o passar do tempo a organização se libertará.

Em retrospectiva, não deixa de ser interessante e razoavelmente anacrónica a intensa discussão sustentada pela imprensa escrita, na miragem de uma aparente e falsa dicotomia entre uma tutela política, ideologicamente barricada, que defenderia gestores, e uma sociedade civil, esclarecida e libertária, que defendia os seus artistas. Em Junho de 2009, no PÚBLICO, e já em plena actividade do Opart com Christoph Dammann como director artístico do TNSC e Vasco Wellenkamp como director artístico da CNB, o ministro da Cultura José António Pinto Ribeiro manifestará publicamente a sua intenção de extinguir o Opart, o que, contudo, não se concretizará.

Em Maio deste ano, Gabriela Canavilhas, a actual ministra da Cultura, substituiu, no final do mandato, a equipa inicial de gestores (de que fiz parte) por nomes consensuais na vida artística portuguesa, Jorge Salavisa e César Viana. A ser verdadeiro o alegado temor do domínio dos gestores sobre os artistas (de resto, nunca fundamentado), tal temor parece estar agora definitivamente afastado pela hábil decisão da tutela. Passados três anos sobre o início da actividade do Opart, como entidade gestora do TNSC e da CNB, muitas daquelas polémicas parecem agora longínquas e esvaziadas de sentido.

Acontece que me encontro em Washington, exactamente para apresentar o Opart, enquanto estudo de caso, na Universidade George Mason, VA. E é no exacto dia 16 de Outubro, em que a discussão ocorre nesta universidade dedicada ao estudo de Políticas Públicas, que vejo nos jornais portugueses a notícia de que também o D. Maria II, em Lisboa, e o São João, no Porto, serão integrados no Opart, agora no âmbito do PEC III.

Hoje, enquanto entidade pública empresarial, o Opart é uma organização respeitada e que apresenta resultados de gestão que foram positivamente avaliados, num recentíssimo relatório do Tribunal de Contas. E não confundo tais resultados com os das respectivas programações artísticas. Mas recordo que foi também o Opart, em conjunto com ambos os directores artísticos, que criou e lançou o Festival ao Largo, em Lisboa, e que teve este Verão a sua segunda edição, com reconhecido sucesso.

Enquanto estrutura de gestão, o Opart alterou os mecanismos de administração do bailado e da ópera, ao implementar uma estratégia interna de gestão por objectivos, virada para o mercado e para o público. E renovou a relação com os mecenas, construída agora numa lógica idêntica de cumprimento de objectivos estabelecidos em conjunto. Ora estes mecanismos, que tanto pareceram perturbar alguma da rede de influência do sector, em nada prejudicam a independência dos directores artísticos nem colocam em risco a qualidade intrínseca dos seus projectos. Querer reduzir a avaliação desta organização a uma pretensa luta pelo poder é transferir para os teatros a lógica natural e demagógica da disputa política.

Gostaria de acreditar que a decisão agora apresentada pelo Governo, de juntar o Teatro Nacional D. Maria II e o Teatro Nacional S. João ao Opart, resulta de uma profunda e reflectida convicção de que estas organizações artísticas têm muito a ganhar com a profissionalização dos seus dirigentes e estruturas, e que é na negociação sistemática e nas cedências mútuas que se constrói uma estratégia comum de defesa e valorização nacional e internacional dos diferentes projectos artísticos. Encontrar o equilíbrio certo entre a excelência artística e o alargamento do público espectador, entre a valorização das carreiras dos seus trabalhadores e a capacidade de arrecadar receitas, encontrar esse equilíbrio representa um enorme desafio que exige um forte trabalho de equipa e uma visão global estratégica de médio e longo prazo. Mas é elevado o peso da responsabilidade, a que a evidente suborçamentação acrescentará grandes dificuldades: o novo Opart será responsável por cinco teatros, em Lisboa e Porto, cerca de 550 trabalhadores e terá um orçamento anual de cerca de 30 milhões de euros.

Por tudo isto, digo e repito: gostaria de acreditar que o Ministério da Cultura não está, com esta decisão, a sacrificar as suas jóias no altar da consolidação das contas públicas. Doutorando em Ciências Políticas, FCSH/ Universidade Nova de Lisboa; membro fundador do Observatório Político, FCSH/UNL; administrador do Opart, EPE (2007-2010)

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