Opositor cubano Guillermo Fariñas vence Prémio Sakharov
O psicólogo e jornalista opositor ao regime de Cuba que este Verão cumpriu 135 dias de greve de fome em protesto contra a morte do dissidente Orlando Zapata após mais de 80 dias em greve de fome, em Fevereiro, conseguiu mais votos do que os outros candidatos ao prémio atribuído pela liberdade de consciência, entre os quais se encontrava a activista do Sara Ocidental Aminatu Haidar, expulsa de Marrocos e que esteve também em greve de fome, na ilha canária de Lanzarote.
A decisão do Parlamento Europeu acontece a quatro dias de os Vinte e Sete reunirem no Luxemburgo para reverem a posição comum da União Europeia em relação a Cuba, que desde 1996 restringe os contactos dos Estados-membros com o Havana às questões dos direitos humanos e democratização. O Partido Popular Europeu (PPE) opõe frontalmente à alteração dessa posição comum.
O PPE apoiou a atribuição do prémio a Fariñas e conseguiu sobrepor a sua posição às reticências dos deputados socialistas e dos outros partidos de esquerda reunidos em plenário em Estrasburgo. O prémio, que homenageia o dissidente soviético Andrei Sakharov, foi assim atribuído pela terceira vez em menos de dez anos a uma figura ou organização anti-castrista – depois do dirigente do Movimento Cristão de Libertação Oswaldo Paya Sardiñas, em 2002, e das Damas de Branco, um movimento de mães e mulheres de presos políticos, em 2005.
Fariñas, de 48 anos, tornou-se nos últimos anos num dos maiores símbolos da oposição ao regime de Cuba. Chegou a estar hospitalizado, inconsciente e desidratado durante os mais de quatro meses em que esteve em greve de fome.
De Fevereiro a Julho, lutou pela libertação dos 26 prisioneiros políticos que se encontravam doentes e o seu protesto só terminou um dia depois de o Governo cubano ter anunciado que iria libertar 52 prisioneiros políticos, após muitas pressões e a mediação da Igreja católica em Havana.
A 27 de Março, quando já se encontrava em greve de fome há quase um mês, denunciou o regime “ilegítimo” dos irmãos Castro em carta formal dirigida à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CDH) – da Organização de Estados Americanos.
Prémio dedicado ao povo de CubaAgradecendo o galardão, considerado um dos mais importantes para os direitos humanos, já atribuído a nomes como Nelson Mandela e Koffi Annan, Fariñas dedicou-o a “todas as mulheres e homens de boa vontade em qualquer parte do mundo” e disse considerar que esta atribuição não se destina a si, mas à sua pátria – “a todo o povo de Cuba e a Cuba”, adiantou o diário espanhol “El Mundo”.
Em reacção à atribuição do prémio, a eurodeputada comunista Ilda Figueiredo lamentou em declarações à Lusa que o galardão não tenha sido atribuído a uma organização que denuncia as “atrocidades” de Israel, e considerou que Cuba voltou a ser um alvo “mais fácil” para o Parlamento Europeu.
Ilda Figueiredo lembrou o mérito de outras candidaturas consideradas a votação, fazendo referência à organização não governamental “Breaking the silence”, apoiada pelo Grupo de Esquerda Unitária, à qual pertence o PCP.
Quem se congratulou com a escolha de Fariñas foram o PSD e o CDS-PP. O eurodeputado social-democrata Mário David disse acreditar que “o regime cubano aproxima-se inexoravelmente do seu fim”. E Diogo Feio falou à Lusa num “sinal importante” dado pela assembleia europeia, numa altura em que diz serem necessárias reformas em Cuba.
Posição diferente tem o Bloco de Esquerda, para quem a atribuição foi instrumentalizada para “reacender guerras frias acabadas” de “um tempo que já passou”, disse o eurodeputado Miguel Portas.
Embora reconheça que o regime cubano deve ser condenado em matéria dos direitos humanos, considerou haver “propostas muito mais urgentes”, como a de Birtukan Mideksa, líder da oposição etíope, “num país aonde a situação em matéria de direitos humanos é muito mais gritante”.
Proposta a votação pela eurodeputada do PS Ana Gomes, Birtukan Mideksa tinha passado à lista dos três concorrentes finais, onde se encontrava ainda a “Breaking the silence”. Embora também lamente a não atribuição à etíope, lembrou que “a simples nomeação” já permitiu a sua libertação.
Psicólogo e jornalista, Fariñas chegou a ser condecorado com medalhas pelo seu desempenho durante a guerra em Angola e recebeu formação militar na então União Soviética. De certa forma, tinha seguido os passos do pai, que combatera ao lado de Che Guevara no Congo, nos anos 60.
Em 1993 foi eleito secretário-geral do sindicato dos trabalhadores da saúde, até que acabou por ser detido, em 1995, depois de divulgar casos de corrupção no hospital pediátrico onde trabalhava.Tornou-se um dos principais rostos da oposição ao regime cubano, protestou por diversas vezes contra a censura da Internet em Cuba e foi por isso que, em 2006, esteve vários meses em greve de fome.
Quando já estava muito debilitado, outros dissidentes conseguiram convencê-lo a comer. No ano seguinte os Repórteres sem Fronteiras atribuíram-lhe o prémio Ciberliberdade e a cidade de Weimar, na Alemanha, distinguiu-o com o Prémio Direitos Humanos.
notícia actualizada às 13h27